Simpatia para amarrar a pessoa amada
27 dezembro 2025 às 08h09

COMPARTILHAR
Arthur Schopenhauer chutou o pau da barraca em relação ao amor romântico, tipo aquele (e afins) da música do grupo Roupa Nova que canta: “Eu te amo e vou gritar pra todo ouvir que você é meu desejo de viver”. Em “A Metafísica do Amor Sexual”, o filósofo despeja um balde de água gelada nesse romantismo meloso. Para ele, o amor físico simplesmente é um artifício engenhoso e perfumado da natureza, que, na união dos sexos, acaba atendendo os seus fins de perpetuação da espécie. Essa citação, altaneiro leitor, não é endosso meu às palavras do filósofo. Nananinanão. Rubem Braga, minha inspiração maior como cronista, disse, na crônica “Amor e outros males”, que teve um amor que “era uma cruz”. E mais: que a “carregava o dia inteiro” e a ela “dormia pregado”. Chegou a comparar a dor desse amor à dor de bursite.
O amor romântico tem mais defensores do que opositores. Também não estou entre aqueles. Meu coração caminha nem tanto ao céu nem tanto à terra. Luís de Camões, num de seus sonetos, diz que o “Amor é brando, é doce e é piedoso; / Quem o contrário diz não seja crido: / Seja por cego e apaixonado tido…” Já Vinicius de Moraes, que se casou sete vezes, conta que encontrou na amada “a razão de viver / e de amar em paz / e não sofrer mais”. Numa embriaguez romântica, argumenta que “o amor é a coisa mais triste / quando se desfaz”. Cada um, portanto, encarando o amor à sua maneira.

Porém para quem não tem uma pitada de entendimento racional no sentido de saber que os amores passam e que coração continua, como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, a perda de um amor pode levar a pessoa ao desespero. Fato que pode resultar em atitudes mais diferentes, algumas inclusive letais. Já que citei Drummond, em seu poema “Necrológio dos desiludidos do amor”, faz ironia aos homens suicidas que “desfecham tiros no peito” e deixam cartas explicativas, enquanto “as amadas torcem-se de gozo”. Na esteira desses relatos literários, irrompe a realidade nua e cruel dos feminicídios constantes: brutalidade de bicho raivoso, sem alma nem palavra, que transborda em sangue as páginas dos noticiários.
Por outro lado, existem aquelas pessoas que recorrem a outras alternativas não violentas para impedir que a pessoa amada tome outro rumo amoroso. O cartaz do poste me fez lembrar de uma simpatia que uma mulher fez certa vez. Sei disso porque a conhecia e também ao marido. Ambos já falecidos. Eu era adolescente nessa época, ainda adentrando os primeiros degraus dessa fase: tinha uns 14-15 anos, praticamente a mesma idade do casal de filhos gêmeos deles.
Fui ao açougue a pedido dela e comprei meio quilo de fígado de gado. Era tanto seu desespero em evitar que o marido fosse embora para a casa da amante que acabei sendo-lhe útil na simpatia, mas sem que eu soubesse do seu objetivo. A mulher escreveu o nome do marido e da amante em dois pedaços de papel pequeno e dobrou-os o máximo possível. Depois disso, colocou cada um dentro de um pedaço de fígado, num tamanho possível para que um gato e um cachorro engolissem. Gato havia em sua casa, e ela o fez comer goela abaixo, o cachorro que usou foi o do vizinho. Ajudei-a nessa tarefa. O cão engoliu rápido.
Fui entender o propósito de sua ação depois de alguns anos depois durante uma conversa sobre simpatias amorosas diversas, como até a do café coado em calcinha. Eu então, sem dar nome ao santo, falei do milagre, e uma pessoa me explicou que a simpatia tinha a finalidade de fazer o marido brigar com a amante; pois os dois animais não se dão bem.
Se você leu até aqui, deve estar querendo saber se a simpatia funcionou. Lógico que não. Ao invés da esposa, quem amarrou o marido no pé de sua cama foi a amante, que o entrelaçou com suas pernas. Ele mudou de mala e cuia para a casa que alugou para a amante.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

