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Uma árvore cega-machado na Rua 61, Centro, além de estrangulada pelo concreto da calçada, foi também envenenada. Na base do tronco, há dois furos feitos com furadeira para colocação de veneno, e, na parte central do seu tronco, há uma cavidade escura: cor certamente resultante de algum produto químico colocado para dar fim à vida da pobre árvore

Há anos que eu não me encontrava com Ângela Lobo. Tenho um carinho muito especial pela amiga. Em nossas conversas, me sinto espraiado num grande divã, que põe o móvel de Freud e de Jung no bolso, pois o de Ângela é, figurativamente, uma espécie de peripatetismo libertário do filósofo Aristóteles, fato que o levou a ser condenado à morte. Sempre que a gente se encontra, o papo acontece. Ora suas palavras são anjos; ora, lobos, mas todas são pertinentes ao que rola em nossa troca de ideias. Domingo, 25, encontrei-a na feira do Setor dos Funcionários, antiga Vila Operária.

Furos na árvore cega-machado: o objetivo é matá-la | Foto: Sinésio Dioliveira

Eu estava numa banca de cereais comprando comida — mistura de quirela de milho, arroz, sorgo, sementes de girassol e também banana — para meus visitantes ilustres — periquitos-de-encontro-amarelo, juritis, bem-te-vis e rolinhas-roxas — quando a vi passando. Devido ao tempo em que não nos víamos, eu quis lhe dar um abraço caloroso, porém ficou só na vontade, visto que Ângela é muito contida nesse sentido. Para falar, não, mas ela não é de desperdiçar palavras com pessoa que não possui capacidade de discernimento. Ângela está certa, haja vista que dar pérolas a porcos corre-se o risco de dividir o chiqueiro com os suínos. Evito isso o máximo que posso.

Cega-machado: “prisioneira” do cimento | Foto: Sinésio Dioliveira

Ela aceitou meu convite, e fomos comer pastel com garapa. No percurso à banca, aproveitei para fazer algumas fotografias de frutas, verduras, legumes, cereais. Tenho necessidade de me maravilhar com essas dádivas vindas da terra. Essas observações sobre a magia da natureza me proporcionam nexo existencial. Foi Ângela que me iniciou nesse mundo mágico da natureza. Ensinou meu coração a bater no lado que nasce o sol.

Nossa conversa foi mais sobre árvores enquanto lanchávamos. E uma espécie predominou: um cega-machado na Rua 61, Centro, em frente a um prédio da Seicho-No-Ie: religião de origem japonesa, cujo significado é Casa do Crescimento.

Cega-machado, com sua beleza, desafia a feiura humana | Foto: Sinésio Dioliveira

Segundo Ângela, além de estrangulada pelo concreto da calçada, a espécie foi também envenenada. Na base do tronco, há dois furos feitos com furadeira para colocação de veneno, e, na parte central do seu tronco, há uma cavidade escura: cor certamente resultante de algum produto químico colocado para dar fim à vida da pobre árvore, cuja função na natureza é gerar para nós (bichos da Terra tão pequenos) benefícios que ela mesma não usufrui.

Fui ao local conferir e constatei, entristecido, a estupidez. Apesar do estágio de vida do cega-machado estar em declínio, a árvore ainda conseguiu florir. E provavelmente será sua última florada. Certamente alguma câmera no local tenha registrado esse ato de maldade. Coisa que pode ser esclarecida se o nosso ilustre xerife do meio ambiente, dr. Luziano Carvalho, entrar no circuito.

Sinésio Dioliveira é jornalista.