Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as pergunta
15 setembro 2025 às 11h53

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A frase, cunhada pelo escritor Luis Fernando Verissimo, condensa em sua simplicidade a complexa experiência humana diante do inesperado. Quando acreditamos ter dominado as respostas, o destino altera o enunciado das questões, revelando que a vida não é um problema de lógica, mas uma travessia repleta de enigmas.
A cultura ocidental valorizou o conhecimento como meio de segurança. Desde os gregos, com o logos como busca da ordem, até Descartes, que proclamava o “cogito, ergo sum” como certeza inabalável, a humanidade tentou se ancorar em respostas definitivas. A ciência moderna, com seu método experimental, consolidou-se como guardiã dessas respostas. No entanto, a história sempre mostrou que nenhuma resposta é eterna: Copérnico, Einstein e Heisenberg provaram que até mesmo a ordem do cosmos e da matéria pode ser redesenhada.
Essa lição atravessa a vida pessoal. A juventude acredita conhecer o que deseja ser, mas a maturidade traz novos questionamentos, e a velhice interroga sobre memória, finitude e transcendência. A vida é pedagógica: não fixa provas com questões imutáveis, mas muda constantemente as perguntas. É o que Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração, apontava: não devemos indagar “qual é o sentido da vida?”, mas compreender que é a vida que pergunta a cada momento qual é o nosso sentido.
Perder um emprego, enfrentar uma doença ou atravessar o fim de um amor podem parecer tragédias, mas também são novas perguntas em busca de respostas inéditas. Muitas vezes, as situações que julgamos piores revelam-se convites à reinvenção. Assim, não basta acumular respostas; é preciso cultivar a humildade de lidar com perguntas novas, como quem atravessa um rio que muda de curso e exige novos mapas.
A filosofia, a literatura e a espiritualidade não eliminam as dúvidas, mas nos ajudam a habitá-las. Ler Sócrates, Clarice Lispector ou Fernando Pessoa não nos dá soluções definitivas, mas ensina a dignidade de conviver com o inacabado. A fé, longe de ser um estoque de respostas prontas, é uma disposição interior para enfrentar os mistérios. O Eclesiastes, na Bíblia, lembra que “há tempo para todas as coisas”, sugerindo que a vida é feita de ciclos, cada qual com suas próprias perguntas.
A lição, portanto, é de humildade e reinvenção. A vida não se resume a certezas definitivas, mas à capacidade de responder criativamente ao que se apresenta. O homem sábio não é o que acumula respostas, mas o que se abre ao diálogo constante com novas questões.
Sob uma visão espiritualista, a mudança das perguntas não é sinal de caos, mas de evolução. A cada enigma, a vida nos convida a dar um passo a mais em nossa consciência. Heráclito já dizia que “tudo flui”; Santo Agostinho recordava que “a inquietude do coração só se acalma em Deus”; e Pascal via no ser humano uma “cana pensante”, frágil e, ao mesmo tempo, dotada de grandeza espiritual. Nesse horizonte, a frase de Verissimo ganha nova luz: as perguntas que a vida nos propõe não são armadilhas, mas degraus para que a alma cresça. A verdadeira sabedoria talvez esteja em aceitar que não somos donos das respostas, mas aprendizes eternos das perguntas que o próprio mistério do existir nos oferece.
*Abilio Wolney tem 18 títulos publicados. Ocupa cadeiras na Academia Goiana de Letras-AGL, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás-IHGG, membro da União Brasileira de Escritores-UBE, Academia Goianiense de Letras- AGnl, Instituto Bernardo Elis – ICEBE, Academia de Letras de Anápolis – ALEA, Academia Dianopolina de Letras – ADL. Na carreira da magistratura, recebeu nos últimos anos selos Ouro e Prata de eficiência e produtividade junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
