Privaram os olhos da chimpanzé Vanilla de ver o céu por quase 30 anos

12 julho 2023 às 20h10

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O tempo é um bicho de duas caras: ao mesmo tempo em que embala nosso coração de alegria, encurta-lhe o fôlego de vida. É preciso uma certa dosagem de serenidade ao lidar com esse lado agridoce do tempo. Há muitos que abandonam o palco sem deixar que a vida, em seu curso natural, coloque o ponto final imperativo em sua existência. E assim fazem o que o poeta Vinicius de Moraes disse: “Matam a morte por medo da vida”. Correr atrás do vento, coisa que muita gente faz, é outro desperdício de tempo, que lá na frente, em vão, a gente pode querê-lo de volta para usar em algo de utilidade ao espírito e assim ter de chupar o dedo de frustração ou fazer coisa pior…
O tempo passou rasteira nos egípcios. Por sua crença na imortalidade, recorriam à mumificação, visto que acreditavam que a morte era um período de tempo passageiro, e assim a vida retornaria ao corpo, o qual precisava então estar bem conservado. O processo de mumificação não era um só para todos, os nobres gozavam de privilégios (fato sempre atual na história da humanidade). A casta endinheirada usava uma técnica mais avançada de embalsamamento, que, em todos os casos, envolvia a retirada de órgãos, mas o coração era deixado, pois a ele cabia a tarefa de guia à outra vida. Hoje, após 4,5 mil anos, os sarcófagos desses egípcios especiais estão por aí sendo exibidos em museus do mundo.
Estou falando do tempo para chegar a Vanilla, uma chimpanzé, que, por quase trinta anos, viveu dentro de um laboratório de experimentos científicos em Nova York (EUA). Quase todo o seu tempo de vida (vivem 50 anos) aprisionada, sem poder usufruir de sua vida de bicho conforme o papel que lhe cabe dentro da natureza. Quando o homem (leia-se Estados Unidos e Rússia) começou suas viagens pelo espaço, cachorros e chimpanzés foram enfiados goela abaixo em espaçonaves, que rumaram em voos em volta da Terra.
Ham, vivia de boa nas matas de Camarões, mas caçadores o capturaram, e ele foi vendido à Força Aérea dos Estados Unidos. Ele foi o primeiro primata mandado para o espaço, isso em julho de 1956. Após uma viagem de poucos minutos no espaço, Ham posteriormente foi destinado a um zoológico americano para fazer macaquices e alegrar os primatas mais poderosos da cadeia. Já Laika, uma cadela vira-lata e sem lar, foi literalmente para o espaço. Foi engaiolada na espaçonave russa Sputinik 2, que explodiu após algumas horas voando na órbita da Terra.
Voltando a Vanilla, além dela, havia outros chimpanzés no mesmo laboratório, mas todos foram resgatados e levados para uma espécie de santuário destinado ao acolhimento desses primatas. Após um período de adaptação, a chimpanzé foi viver solta no santuário. Pode ser subjetiva a notícia de que Vanilla, após ser libertada das jaulas, ficou admirada quando viu o céu pela primeira vez, inclusive um vídeo da cena foi publicado recentemente. A cereja desse acontecimento não é, a meu ver (que pode ser estrábico), o olhar da macaca para o céu, mas o seu retorno à vida comum de bicho conforme o “Criador” destinou a cada ser vivente.
Que os bichos ficam felizes em meio à natureza isso é verdade. Will era um leão que viveu 13 anos dentro da jaula de um circo no Rio de Janeiro. Foi abandonado. Ao ser levado para um santuário, o felino brincou na terra, rolou na relva. Pôde viver tranquilamente por cinco anos até que morreu em 2011. Contrastando com história do Will, em 2013, os sabiás-laranjeiras de São Paulo sofreram de um modo diferente. Eles trocaram o tempo de cantar: resolveram gorjear de madrugada, o que incomodou muita gente. O assunto movimentou a imprensa. As aves, conforme um biólogo que estudou o fenômeno, só encontravam mais silêncio justamente à noite quando a loucura do trânsito tinha uma pausa, daí cantavam.
Carlos Drummond de Andrade acerta no peito ao dizer, no poema “O homem; as viagens”, que o homem é “bicho da Terra tão pequeno…” E ele, com sua pequenez, pode acabar pondo fogo no mundo com suas espadas nucleares.
Sinésio Dioliveira é jornalista