Quando o Matheus nasceu, a cama da Cecília estava quebrada. Há quase 1 ano essa cama quebrada e remendada pelo pai era a cama que ela dormia de noite. Nenhuma cama dela foi planejada e o resultado foi que sempre comprei no desespero, num momento de perrengue e sem nenhum planejamento. Dessa vez ela ganhou uma cama de madeira da madrinha, uma cama que já foi da casa da bisa e agora foi parar na nossa casa. A cor de madeira original não combinava com o quartinho dela e decidimos pintar.

Logo na semana depois que o Matheus nasceu, eu finalmente tive dinheiro pra pegar a cama, agora cor de rosa. Eis que no dia da entrega foi um choro sem fim. Doei a cama antiga no prédio e substituímos pela nova. Acontece que na hora de dormir, o choro dela ecoou no prédio. Aos gritos, Cecília chorava: “Quero minha cama de volta”. E eu sabia que não tinha nada a ver com a cama.  

O pai, desesperado, tentava conversar com ela naquele discurso clássico: “Filha, você tem tudo, tem um monte de brinquedos, uma cama novinha, colorida. A gente se esforça tanto pra te dar tudo”. Ela gritava, desesperada, chorando sem conseguir parar. Eu entreguei o Matheus pro pai e pedi um tempo pra nós duas. Entramos no banheiro, ela tentando se desvencilhar do meu abraço, sem forças de tanto chorar. Liguei o chuveiro na água quente e perguntei se ela queria tomar banho junto comigo. Balançando a cabeça e me abraçando, ela disse que sim. E foi aí que eu perguntei: “filha, você quer a sua mãe de volta?” e acenando com a cabeça ela deitou no meu peito dizendo que sim. Eu disse pro Kadu: “ela não tá falando da cama, substitui por mãe que você vai entender cada frase dela”.  

A parte mais difícil de ter o segundo filho é fazer com que o primeiro ainda se sinta amado e cuidado. O mais difícil no primeiro mês de vida do Matheus e dessa nova Catherine que nasce junto com ele é ser a mãe da Cecília. Por quase 9 anos, Cecília foi meu mundo todinho. Um amor tão grande que me faltava o ar só de pensar em qualquer coisa acontecendo com ela. Nas férias de janeiro eu curtia cada minuto pensando: são as últimas férias que ela tem a mamãe e o papai só pra ela. No final da gravidez a gente brincava de skincare, massagem, hidratava o cabelo e eu pensava todo dia: daqui a pouco tem um bebê chorando por aqui…  

Poucos dias antes do parto a gente tomou banho juntas e enquanto ela lavava meu cabelo e esfregava minhas costas eu pensava: como eu amo essa menina. Cecília foi a realização do maior sonho da minha vida: ser mãe de uma menina. E eu não fazia ideia de como me sentiria quando o Matheus chegasse. Eu também senti medo. Será que eu seria capaz de amar outro filho da mesma forma? Será que eu conseguiria cuidar da Cecília bem ao ponto de ela não se sentir abandonada, ainda que um bebê tivesse demandas diferentes?

O Matheus nasceu e meu coração pareceu dobrar de tamanho. O ciúme da Cecília disfarçado de birra e feiúra me cortava o coração. Eu chorei demais no começo e tentava dizer pra mim mesma: “você está fazendo o melhor que pode e tudo vai se ajeitar”. Por uma ou duas semanas, a cama nova foi a desculpa para não dormir sozinha. O que ela queria era uma forma de dizer: eu quero dormir no seu colo também…. Dormimos juntos na cama dela, na minha, no sofá… cada noite era uma noite até que tudo começou a tomar seu próprio jeito. Paciência e rede de apoio. Tanta gente importante nesse caminho. Cecília saiu sem a gente várias vezes e eu usava esses dias pra cuidar do Matheus e respirar. Quando ela chegasse em casa, eu precisava ter paciência com ela também. Tá todo mundo se adaptando e ela não tem 34 anos, ela só tem 8.  

É preciso muito amor para entender as entrelinhas. É preciso muito apoio e fé pra apreciar o presente de cada dia nessa vida. Que a gente aprenda a diferenciar o que é sobre a cama e o que é sobre a gente.

Leia também: A tradição do supermercado