Carlos Willian Leite

Vigésimo oitavo livro lido em 2024: “O Guarda do Pomar” (Relógio D’Água, 256 páginas, tradução de Paulo Faria), de Cormac McCarthy.

Em 1965, aos 32 anos, quando publicou seu primeiro livro, Cormac McCarthy (1933-2023) já havia se casado duas vezes, servido na Força Aérea e trabalhado como mecânico em Chicago. Ele enviou os manuscritos a Albert Erskine, o lendário editor de William Faulkner, que era, na época, um dos principais nomes da Random House. A influência de Erskine na carreira de McCarthy foi tão significativa que, duas décadas depois, foi imortalizado com uma dedicatória em “Meridiano de Sangue”, a obra-prima do escritor americano.

No romance, Cormac McCarthy traça um retrato incisivo e visceral do desespero humano. A trama se desenrola por meio da vida de figuras marginais: um ancião recluso que troca ginseng por alimentos, tendo como única companhia seu cão envelhecido e doente; um contrabandista de uísque compelido a matar para sobreviver; e um jovem que se sustenta com a venda de peles de ratos almiscarados, armadilhando o terreno que pisa. O cenário em que vivem esses homens também ganha vida como se fosse um personagem do livro: um universo dilacerado pela ferocidade de seus ocupantes.

Cormac McCarthy, escritor americano, é autor de “Meridiano de Sangue” | Foto: Reprodução

Personagens unidos pela brutalidade e pelo desespero

A narrativa de McCarthy não perdoa: a lei substitui as tradições, a rebeldia e os ideais anárquicos encontram seu fim atrás das grades, e a liberdade é uma ilusão em constante metamorfose. A conexão sutil entre os personagens, unidos mais pela brutalidade e desespero do que por laços sanguíneos ou de amizade, percorre toda a narrativa, temas recorrentes na obra de McCarthy.

A brutalidade do cenário e do tempo em que as histórias se passam serve não apenas como mise-en-scène, mas também como um espelho da condição humana, desafiando o leitor a confrontar a implacabilidade de um mundo onde as esperanças são tão frágeis quanto folhas ao vento.

“Um homem que ganha a vida fazendo algo que, mais cedo ou mais tarde, vai levá-lo à prisão, tem de ser pago pela prisão, tem de ser pago adiantado não só pelo tempo em que desobedece às leis, mas pelo tempo que vai passar na choça quando for apanhado”.

“O Guarda do Pomar” é um livro encantador e mítico, magistralmente escrito. Tudo o que veríamos nos trabalhos posteriores de McCarthy — mitos, lendas e desolação — já está presente aqui. Para ler, chorar e reler. Um dos mais belos livros já escritos e, talvez, o menos conhecido.

Nota: 10

Carlos Willian Leite, poeta e jornalista, é editor da “Revista Bula”. É colaborador do Jornal Opção.