Contos a Pandemia (24): Professor Virtual, de Elson de Souza Ribeiro
26 julho 2021 às 17h44
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O mestre percebeu que boa parte dos seus educandos, após ligar seus smartphones, desligava suas câmeras e, provavelmente, se enfiava debaixo dos seus edredons
(Com o apoio do escritor e doutor em História Ademir Luiz, o Jornal Opção organizou uma seleção de contos escritos por autores goianos explorando o tema da pandemia da Covid-19 — que já vitimou mais de 550 mil brasileiros. A prosa curta mostrou-se não apenas possível, mas necessária, durante a pandemia. O jornal vai publicar um conto por dia e espera que, em seguida, alguma editora publique um livro.)
Professor virtual
Elson de Souza Ribeiro
Diante do Estado de calamidade, provocado pela pandemia, as aulas presenciais foram suspensas. Ele correu até uma loja de utilidades na Rua 4, no centro da cidade, e comprou um pedestal para o tal “home office”. Achou aquela pronúncia pomposa, porém, artificial e quase inútil.
Após o horário definido, ficou à disposição para aqueles que desejassem aprender, persistindo aquele pressuposto da pedagogia moderna de que alguns precisam de alguém para ajudá-los a decifrar o mundo.
Ligou a câmera com o dilema de sempre: aquele mestre estava ali para ensinar o que ele sabia, para alguém que não sabe, mas que também não queria saber. Os alunos, em sua maioria, estavam ali viciados em respostas prontas e absolutas, pareciam ver o conhecimento como um produto obtido na prateleira de um supermercado, sem levar em conta o que este aprendizado podia fazer por quem o adquiriu.
Logo percebeu que uma boa parte dos seus educandos, após ligarem seus smartphones, desligavam suas câmeras e, provavelmente, se enfiavam debaixo dos seus edredons. Os que persistiam, com raras exceções, esperavam uma aula virtual, porém, tradicional, atrofiando a capacidade de aprender. Lembrou-se de suas aulas na Universidade e na ênfase que seus mestres davam na autonomia do aluno. Veio Paulo Freire na memória e a sua crítica à tradicional “educação bancária”.
O tema da aula naquela manhã era a Ditadura Militar no Brasil. Após a exposição, o professor propôs uma discussão estimulando a participação dos alunos.
— Pessoal, fale comigo! Não me deixem falar sozinho! Este é um tema considerado atual, disse o Mestre. Não houve resposta nos primeiros dois minutos. Parecia não haver ninguém ali. Fez uma chamada aleatória sem sucesso. Resolveu então apelar para uma de suas alunas prediletas:
— Amábily? Você está aí? Indagou o instrutor.
— Estou sim, professor!
— Salve a sua turma! Diga o que você vê na atualidade que possa se relacionar com este tema.
— Professor, me lembrei de um episódio que ocorreu há uns dois anos, quando o presidente da República disse que a Ditadura Militar matou pouco e devia ter matado mais.
— Bem lembrado, Amábily! Completou. Alguém mais gostaria de dar a sua contribuição? Cadê a Ana Madeira?
— Tô aqui, fessor!
— Enriqueça o dia de hoje, Ana, por favor, disse o preceptor.
— Me lembro de uma polêmica que ocorreu antes das eleições de 2018, quando o presidente ainda era candidato, elogiando um torturador.
— Carlos Alberto Brilhante Ustra!
— Muito bem! Gente, a Sofia acordou. Mais alguém gostaria de provar que está entre nós?, ionizou o “catedrático”.
— Professor, eu não acho que existiu Ditadura Militar!, retrucou Diniz.
— Sério? E qual é a sua fonte de informação para tal dedução? Questionou o regente.
— Li isso na internet, os militares assumiram para evitar uma ditadura comunista, enfatizou o aluno.
O professor observou que aquela opinião do Diniz também encontrava eco numa quantidade considerável de alunos, mesmo os que não verbalizaram sua opinião. Lembrou para os alunos que a internet é uma fantástica biblioteca de conhecimentos, mas que exige, por parte de quem deseja ter acesso ao conhecimento, uma filtragem.
— E a pandemia, professor? Questionou João Antônio.
— O critério é o mesmo, João. Você vai dar crédito para quem? Para quem estudou sobre o assunto ou para aventureiros da internet? Indagou o docente.
— E tem ainda os aventureiros políticos, né, professor? Completou Amábily.
Uma notificação na tela do celular dizia que restavam apenas dez minutos para o fim daquela aula quase monólogo. Três turmas do Ensino Médio estavam ali. A maioria deles parecia não entender que a aprendizagem, além da presença física, precisava das perguntas, do confronto, da reflexão e informações virtuais de fontes confiáveis. Mas isso deve ficar para aqueles que sobreviverem a pandemia.
Elson de Souza Ribeiro, historiador, escritor e cronista, é membro da União Brasileira de Escritores-Goiás.