Confira quem entra e quem não entra no meu cânone literário de Goiás
17 março 2024 às 00h01
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Carlos Augusto Silva
Levei alguns grandes escritores de Goiás às escolas em que trabalhei na terra natal, antes de ir para São Paulo e Rio. Adotei seus livros, analisei-os em sala com os estudantes, fizeram provas e trabalhos a respeito deles, e conheceram os autores pessoalmente.
Foram ao projeto Heleno Godoy, Edival Lourenço, Miguel Jorge, Valdivino Braz, Ademir Luiz, Wesley Peres, Carlos Fernando Magalhães, André de Leones.
Um projeto que, quem sabe um dia, eu terei a chance de retomar. Nessa experiência eu, fiel e convicto leitor do cânone universal, debrucei-me sobre a literatura produzida ao meu redor, e fiz o meu cânone da minha terra, que vem aumentando com o passar do tempo. Meu cânone goiano.
Meu método é sempre o de observar se a obra em questão consegue dialogar com a tradição da literatura ocidental, se é possível encaixar essa produção, não de modo a encaixotá-la, mas a conferir-lhe algum contorno estético que torne possível a base para uma análise: a comparação. Não por acaso, Literatura Comparada é a disciplina mais importante de um curso de graduação, mestrado ou doutorado em Letras.
Outro critério é típico de minha filiação estruturalista: a imanência do texto por ele mesmo, a análise de cada palavra, depois de cada verso ou parágrafo, depois de cada página, capítulo, para, como queria Aristóteles, desmontar, ver a riqueza de cada peça isoladamente, a fim de percebê-la mais e melhor atuando quando ajustada em seu conjunto.
Depois verifico, especialmente em livros de contos e poesias, se temos ali uma obra lírica ou um amontoado de poemas ou contos que foram ajuntados em um volume. Livro de poesia e de conto precisa ter projeto, conjunto, arranjo, espinha dorsal, na produção de cada peça, e na distribuição/organização dessas peças, de modo que uma página se complete na seguinte, fazendo com que, mesmo sendo peças individuais, formem um mosaico denso. Exemplos disso: Manuel Bandeira, com “Libertinagem”, e Ariosto, com “Orlando Furioso”.
E, depois da análise fria, vem, claro, o deleite, como queria Horácio: a literatura tem que ensinar comovendo e emocionando.
As referências teóricas variam de caso pra caso, podendo ir de Barthes a Heidegger, da “Crítica do Juízo”, de Kant, à “Análise e Interpretação da Obra Literária”, de Wolfgang Kaiser, ou a estética da recepção e teoria do efeito estético, com Iser. Kate Hamburger, com “A Lógica da Criação Literária”, também entra, com ressalvas; Auerbach, Luckacs, Genette (muito), Ricoeur, sempre, sempre, sempre; Todorov e Barthes, sempre e para sempre. É assim que faço.
Quem entra no cânone goiano
1
Heleno Godoy
Edival Lourenço
Pio Vargas
Miguel Jorge
Bernardo Élis
Hugo de Carvalho Ramos
Marcos Caiado
Marcelo Franco (que mesmo sem publicar, é um gênio)
Adalberto de Queiroz
Valdivino Braz
Ademir Luiz (seu último romance marca um salto de maturidade artística notável)
Pettras Felício
Wesley Peres
André de Leones
Jamesson Buarque (pernambucano/goiano)
Darcy Denofrio
Afonso Félix de Souza
Carmo Bernardes (mineiro/goiano).
2
Quem não entra no cânone goiano
Gabriel Nascente
Gilberto Mendonça Teles
Cora Coralina
Luiz de Aquino
Lêda Selma
Não entra em minha lista alguns nomes conhecidos e importantes para a cena cultural daqui, mas meu trabalho consiste em analisar obra literária, não a persona pública dos autores.
Dentre os nomes públicos que ficam de fora de minha lista estão Gabriel Nascente (sua obra é, em seu conjunto, verborrágica, e apresenta pouco critério seletivo na escolha do que vai ser ou não trazido ao público). Não entra Gilberto Mendonça Teles, pois sua poesia é demasiado drummondiana, ao ponto de ser quase um pastiche, e o diálogo com a tradição deve ser obrigatório, mas não sufocar um estilo e linguagem próprios. Não entra Cora Coralina, cujo conjunto da obra é extremamente frágil, repetitivo, circunstanciado ao seu redor não como mote de reflexão sobre a vida, mas somente sobre o mundo que a cercava. Não entra Luiz de Aquino, ao qual falta esmero e um cerne de identidade que confira alguma unidade ao conjunto de sua obra. Não entra Lêda Selma, cujos versos são muito previsíveis e sem engenhosidade, embora seja uma figura simpática e entusiasta da arte e da cultura em Goiás.
Carlos Augusto Silva, mestre pela Universidade Federal de Goiás, é crítico literário.
Possibilidade de outro cânone
Nota da redação do Jornal Opção: críticos que discordarem do cânone esboçado por Carlos Augusto Silva têm espaço garantido para se manifestar, inclusive com a elaboração de outro cânone, que será publicado integralmente.