Carlos Augusto Silva

Levei alguns grandes escritores de Goiás às escolas em que trabalhei na terra natal, antes de ir para São Paulo e Rio. Adotei seus livros, analisei-os em sala com os estudantes, fizeram provas e trabalhos a respeito deles, e conheceram os autores pessoalmente.

Foram ao projeto Heleno Godoy, Edival Lourenço, Miguel Jorge, Valdivino Braz, Ademir Luiz, Wesley Peres, Carlos Fernando Magalhães, André de Leones.

Valdivino Braz: autor de uma obra canônica | Euler de França Belém/Jornal Opção

Um projeto que, quem sabe um dia, eu terei a chance de retomar. Nessa experiência eu, fiel e convicto leitor do cânone universal, debrucei-me sobre a literatura produzida ao meu redor, e fiz o meu cânone da minha terra, que vem aumentando com o passar do tempo. Meu cânone goiano.

Meu método é sempre o de observar se a obra em questão consegue dialogar com a tradição da literatura ocidental, se é possível encaixar essa produção, não de modo a encaixotá-la, mas a conferir-lhe algum contorno estético que torne possível a base para uma análise: a comparação. Não por acaso, Literatura Comparada é a disciplina mais importante de um curso de graduação, mestrado ou doutorado em Letras.

Edival Lourenço: poeta, cronista, romancista e contista | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Outro critério é típico de minha filiação estruturalista: a imanência do texto por ele mesmo, a análise de cada palavra, depois de cada verso ou parágrafo, depois de cada página, capítulo, para, como queria Aristóteles, desmontar, ver a riqueza de cada peça isoladamente, a fim de percebê-la mais e melhor atuando quando ajustada em seu conjunto.

Depois verifico, especialmente em livros de contos e poesias, se temos ali uma obra lírica ou um amontoado de poemas ou contos que foram ajuntados em um volume. Livro de poesia e de conto precisa ter projeto, conjunto, arranjo, espinha dorsal, na produção de cada peça, e na distribuição/organização dessas peças, de modo que uma página se complete na seguinte, fazendo com que, mesmo sendo peças individuais, formem um mosaico denso. Exemplos disso: Manuel Bandeira, com “Libertinagem”, e Ariosto, com “Orlando Furioso”.

Darcy Denófrio: poeta e crítica literária | Foto: Divulgação

E, depois da análise fria, vem, claro, o deleite, como queria Horácio: a literatura tem que ensinar comovendo e emocionando.

As referências teóricas variam de caso pra caso, podendo ir de Barthes a Heidegger, da “Crítica do Juízo”, de Kant, à “Análise e Interpretação da Obra Literária”, de Wolfgang Kaiser, ou a estética da recepção e teoria do efeito estético, com Iser. Kate Hamburger, com “A Lógica da Criação Literária”, também entra, com ressalvas; Auerbach, Luckacs, Genette (muito), Ricoeur, sempre, sempre, sempre; Todorov e Barthes, sempre e para sempre. É assim que faço.

Quem entra no cânone goiano

1

Heleno Godoy

Edival Lourenço

Pio Vargas

Miguel Jorge

Bernardo Élis

Hugo de Carvalho Ramos

Marcos Caiado

Marcelo Franco (que mesmo sem publicar, é um gênio)

Adalberto de Queiroz

Valdivino Braz

Ademir Luiz (seu último romance marca um salto de maturidade artística notável)

Pettras Felício

Wesley Peres

André de Leones

Jamesson Buarque (pernambucano/goiano)

Darcy Denofrio

Afonso Félix de Souza

Carmo Bernardes (mineiro/goiano).

2

Quem não entra no cânone goiano

Gabriel Nascente

Gilberto Mendonça Teles

Cora Coralina

Luiz de Aquino

Lêda Selma

Não entra em minha lista alguns nomes conhecidos e importantes para a cena cultural daqui, mas meu trabalho consiste em analisar obra literária, não a persona pública dos autores.

Gilberto Mendonça Teles: poeta e crítico literário | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

Dentre os nomes públicos que ficam de fora de minha lista estão Gabriel Nascente (sua obra é, em seu conjunto, verborrágica, e apresenta pouco critério seletivo na escolha do que vai ser ou não trazido ao público). Não entra Gilberto Mendonça Teles, pois sua poesia é demasiado drummondiana, ao ponto de ser quase um pastiche, e o diálogo com a tradição deve ser obrigatório, mas não sufocar um estilo e linguagem próprios. Não entra Cora Coralina, cujo conjunto da obra é extremamente frágil, repetitivo, circunstanciado ao seu redor não como mote de reflexão sobre a vida, mas somente sobre o mundo que a cercava. Não entra Luiz de Aquino, ao qual falta esmero e um cerne de identidade que confira alguma unidade ao conjunto de sua obra. Não entra Lêda Selma, cujos versos são muito previsíveis e sem engenhosidade, embora seja uma figura simpática e entusiasta da arte e da cultura em Goiás.

Carlos Augusto Silva, mestre pela Universidade Federal de Goiás, é crítico literário.

Possibilidade de outro cânone

Nota da redação do Jornal Opção: críticos que discordarem do cânone esboçado por Carlos Augusto Silva têm espaço garantido para se manifestar, inclusive com a elaboração de outro cânone, que será publicado integralmente.