Os mandantes e líderes do crime: James Hankins Warne, um ex-confederado dos Estados Unidos, e seu assecla John Jackson Klink, antigo membro da Klan americana

Carlos Russo Jr.

O Império brasileiro, nos anos da década de 1870, buscava desesperadamente alternativas para enfrentar a avassaladora crise econômica e a deterioração das contas públicas, ocasionadas pela longa Guerra do Paraguai. Foi neste contexto que o imperador D. Pedro II julgou adequado abrir as portas do Brasil para ex-soldados confederados (derrotados na Guerra de Secessão Americana pelos Estados do Norte), com a libertação da escravidão no Sul.

Afinal, aqui, aqueles se sentiriam em casa: o trabalho agrícola no Brasil era todo ele tocado pela mão de obra escrava.

Rodrigues Alves: presidente da província de São Paulo que exonerou o delegado abolicionista, selando seu assassinato por escravocratas | Foto: Reprodução

E para cá vieram mais de 20 mil ex-soldados, incluindo membros da organização terrorista Klan (antecessora da Ku Klux Klan), posta fora da lei pelo governo, por exercer extrema violência e assassinatos contra a população afro-americana.

O Império brasileiro, na esperança de que “os gringos” trouxessem dólares e melhorassem a produtividade agrícola, deu-lhes todos os tipos de incentivos, inclusive a posse de enormes contingentes de terras para o plantio do café, principalmente no interior de São Paulo e no Paraná.

As propriedades localizadas em Mogi das Cruzes, Mogi Mirim e a atual Itapira, vizinha de Atibaia, com a chegada dos americanos, realmente passaram a produzir maior volume de riquezas, absolutamente concentradas nos proprietários das grandes fazendas de café, movidas por negros escravos.

Itapira, naquela época, chamava-se Penha do Rio do Peixe.

Em paralelo, o movimento abolicionista que nascera em fins da década de 1870, ganhava força em todo o Brasil e, com destaque, nos territórios paulistas. De um lado, as associações abolicionistas sensibilizavam a opinião pública por meio da imprensa, por outro, angariavam recursos usados para comprar alforrias, para a defesa judicial e mesmo, para a manutenção de negros fugidos.

A força policial, historicamente usada pelo sistema para reprimir, caçar e matar negros, começou, aqui e ali, a gerar policiais inconformados com o escravagismo.

Joaquim Firmino de Araújo: delegado abolicionista que foi assassinado | Foto: Reprodução

E este foi o caso do dr. Joaquim Firmino de Araújo Cunha, bacharel em Direito, que aos 30 anos de idade, assumira o cargo de delegado de Polícia da Penha do Rio do Peixe, em 1885.

O doutor Firmino era casado e pai de quatro filhos. Oriundo de Mogi Mirim, cidade com forte movimento abolicionista. O jornal “A Gazeta” publicava os manifestos libertários do Clube Cosmopolita, do qual era um dos líderes o doutor Firmino.

Logo, logo, os ideais abolicionistas chegaram também às pequenas cidades da Penha do Rio do Peixe e Amparo.

O delegado Joaquim Firmino, desde sua posse, recusou-se a caçar e prender escravos fugidos. Em janeiro de 1888, ele declarou aos fazendeiros de Penha e de Mogi que a Polícia não era destinada à caça de escravos. Joaquim Firmino resistiu às pressões de todas as partes, afrontando aos poderosos fazendeiros e políticos, conservando-se firme na sua primeira declaração.

Ele próprio acobertava diversas fugas, recolhendo fugitivos para dentro de sua própria casa, quando necessário, enquanto que o padre Agostinho Gomes da Costa, vigário da Penha, encaminhava os fugitivos para o quilombo Jabaquara, na cidade de Santos.

O dia 11 de fevereiro de 1888, três meses antes de promulgação da Lei Áurea, passou para a história como um marco na selvageria racista e na impunidade dos poderosos em nosso Brasil.

O brutal assassinato do delegado

Por ordem direta do dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da Província de São Paulo (futuro presidente da República), o cidadão Joaquim Firmino foi exonerado do cargo de delegado de Polícia, na manhã do dia 11 de fevereiro de 1888, horas antes de sua morte. Com isto, os escravagistas estariam assassinando um cidadão comum e não um agente do Estado.

Os fazendeiros haviam se organizado para o crime. Para tal, contrataram um bando de jagunços e, na noite de 11 de fevereiro, eles se puseram à frente de uma coluna de 200 homens armados com espingardas, garruchas, cacetes e cabos de relho. Chegando à Penha do Rio do Peixe, foram até a residência do delegado.

O grupo se dividiu, cercando a casa pela frente e pelos fundos. Imediatamente, diversos tiros foram dados, deixando as paredes, porta e janelas crivadas de balas, instalando o caos. O grupo que estava posicionado nos fundos da casa forçou o portão e a invadiu, enquanto pela frente a porta e as janelas eram arrombadas.

Dentro da casa estavam Joaquim, sua mulher e quatro filhos, duas escravas domésticas e dois negros fugitivos, que foram dados como desaparecidos após o assassinato.

A mulher do delegado se escondeu dentro de um forno e não viu a morte do marido, apenas ouviu e reconheceu a voz de alguns agressores. Em depoimento, a filha de 9 anos disse que permaneceu no quarto, não vendo o momento da morte do pai, mas ouvindo as agressões. Disse que se ajoelhou aos pés do assassino José Venâncio, pedindo para que não matasse seu pai.

Joaquim Firmino, cercado, tentou empreender fuga pela janela, pulando para a casa vizinha. Não conseguiu, caindo ao solo, sendo cercado e morto a cacetadas, pauladas e chutes.

Após o assassinato de Joaquim Firmino, a canalha, ao estilo da Klan americana, se dirigiu a outros dois locais próximos, onde moravam os abolicionistas Pedro Cândido de Almeida e Bento da Rocha Campos, com o mesmo objetivo, mas encontraram as casas vazias. As três propriedades foram destruídas e incendiadas. O vigário, Padre Agostinho Gomes da Costa, foi o único a não ser molestado.

No “auto do corpo de delito” os mesmos policiais, que tinham sido subordinados ao doutor Firmino, declararam sobre o cadáver do delegado que “na parte de traz do corpo não havia de sinais de luta”. Na da frente, “apenas sinais de equimoses e luxações, talvez provocadas por uma queda”.

Após o assassinato, os fazendeiros contrataram o mais famoso advogado do Estado de São Paulo, dr. Brasílio Machado, pela quantia de 100 contos de réis. Brasílio, que se vangloriava de predizer os resultados dos julgamentos dependendo do juiz do caso, conseguiu fazer com que nenhum dos acusados fosse condenado por falta de provas.

No Museu de Itapira encontramos cópias de dois volumes do vicioso processo, feito para inocentar assassinos.

Em Mogi Mirim, além do sepultamento com presença de grande público e comoção geral, as homenagens ao delegado covardemente assassinado, com a conivência do presidente Rodrigues Alves, foram muitas.

No dia 18, na Câmara de Penha é lida a notícia da morte de Joaquim Firmino “com pesar” e solicitado ao prefeito que ative o serviço de iluminação pública até o final da madrugada, pois a população está revoltada e apreensiva “quanto a novas desordens”.

A pessoa que irá substituir o delegado morto é o major Guilherme Jose do Nascimento, proprietário de cento e oitenta escravos.

Mandantes do crime

A morte de Joaquim Firmino não passou em branco. Toda a imprensa independente noticiou o crime. Noticiou, também, o julgamento. O dr. Brasílio Machado viu seu nome ser acachapado, denegrido, ridicularizado por ser o defensor de um bando de assassinos e por ter pagado para que o caso terminasse nas mãos de um juiz corrupto.

James Hankins Warne: confederado que liderou o grupo que matou abolicionista brasileiro | Foto: Reprodução

Mandantes e líderes do crime: James Hankins Warne e seu assecla, John Jackson Klink.

Após a Guerra Civil Americana (1861-1865), os dois ex-combatentes do exército Confederado seguiram a onda de emigrantes americanos que se estabeleceram no Império brasileiro.

Warne, segundo a revista “The Economist”, era de família moderadamente abastada; após estudar na Filadélfia e cursar Medicina em Nashville, se alistou como cirurgião no 39º Regimento da Carolina do Norte em 1962, sendo dispensado no ano seguinte.

Após trabalhar na região de Bragança, Warne mudou-se para a cidade paulista de Atibaia, onde se casou com a sobrinha de um rico fazendeiro. Transferindo-se para a cidade da Penha, o casal herdou a fazenda. James Warne tornou-se um líder dentre os senhores de escravos, após importar um arado de disco, desconhecido no Brasil naqueles aqueles tempos.

Devido a esse prestígio local, Warne convenceu os fazendeiros locais a se vingarem do delegado Joaquim Firmino e dos outros abolicionistas. Na noite do crime, testemunhas afirmaram que Warne e Klink incitavam seus capangas pedindo “rios de sangue” e que James Warne “parecia tomado de fúria louca”.

O assassinato de Joaquim Firmino, diz Angela Alonso, livre-docente de Sociologia da Universidade de São Paulo, “foi decisivo para acelerar o abandono do escravismo por parte das elites sociais”.

“Isso porque apontou a possibilidade da guerra civil, isto é, que a desobediência civil dos abolicionistas (o incentivo à fuga de escravos) poderia ser respondida por milícias privadas a soldo de proprietários de escravos resistentes à abolição. Estas duas mobilizações políticas correriam ao largo do Estado, tirando, assim, das elites políticas a possibilidade de dirigir o processo político em torno da escravidão”, diz Angela Alonso, autora de “Flores, Votos e Balas — O Movimento Abolicionista Brasileiro: 1868-1888” (Companhia das Letras, 568 páginas).

Joaquim Firmino é apontado como um mártir da Abolição. Três meses após seu assassinato, é assinada a Lei Áurea, que liberta os escravos no Brasil. Liberta?

Carlos Russo Jr. é crítico literário.

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