Com produtor de Sia e Adele, Foo Fighters assume seus ídolos de peito aberto em Concrete and Gold
16 setembro 2017 às 17h18
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Depois do grandioso e questionável Sonic Highways (2014), banda reconhece bandas que influenciaram formação musical do grupo e lança um disco impactante
Como você acabou de ver na animação em que o vocalista do Foo Fighters, Dave Grohl, descreve o novo disco, Concrete and Gold, lançado na sexta-feira (15/9), como “é claro que as músicas que nós temos foram de canções do Foo Fighters para algo maior do que nós já havíamos feito um dia”. O otimismo de Dave é o mais belo discurso de um vendedor do próprio peixe, que fica claro quando ele compara o álbum com “o St. Pepper’s (The Beatles) tocado pelo Motörhead” ou “o Slayer tocando Pet Sounds (The Beach Boys)”.
O exagero de Dave ao falar do novo trabalho de estúdio do Foo Fighters é mesmo uma grande dose de hiperbolismo. Ou seria a Banda do Dave Grohl, já que a animação deixa cada vez mais claro que é mesmo o vocalista o responsável pela maior parte das decisões sobre o que o Foo Fighters fará ou deixará de gravar. Talvez até de todas elas. Vai saber!
O Foo Fighters, pela primeira vez desde 2006, quando foi lançado o DVD Skin and Bones, assumiu o tecladista Rami Jaffee como o sexto integrante da banda em um disco. Antes, ele figurou entre os Foo Fighters oficiais nos créditos do EP Saint Cecilia (2015). No álbum anterior, Sonic Highways, Rami era mais uma vez apenas um músico convidado, posição que durou nove anos.
A busca de Dave pelo produtor Greg Kurstin, integrante do da dupla The Bird and The Bee, que já trabalhou com Sia, Adele, Pink, Halsey, Kelly Clarkson, Ellie Goulding, Tegan and Sara, Beck e Lily Allen, para o novo disco do Foo Fighters deu uma dimensão ao álbum de poder sonoro e a tradução em faixas que podem ser facilmente incluídas em programações de rádios. O que não tira as características sonoras da banda e nem diminui a força das músicas.
É de se bater palma que um grupo como o Foo Fighters, depois de tantos prêmios e discos vendidos, não tenha se rendido aos frutos da carreira e ainda busque novidade para seus trabalhos de estúdio. E a dessa vez foi reconhecer e reverenciar os ídolos que formaram a personalidade musical da banda. Talvez mais a de Dave Grohl do que a do restante, mas que encontra similaridades com o gosto do baterista Taylor Hawkins e referências que agradam aos guitarristas Pet Smear e Chris Shiflett, ao baixista Nate Mendel e ao tecladista Rami Jaffee.
E a força do novo disco é sentida na melodia calma e impactante de T-Shirt, além de seus primeiros versos: “I don’t wanna be king/I just wanna sing a love song/Pretend there’s nothing wrong/You can sing along with me“. A atmosfera grandiosa, como nas grandes canções do Queen, logo se apresenta na virada da primeira faixa, quando ela ganha mais peso. Algumas resenhas, como a de Alexis Petridis, no The Gardian, mostram um indício de incômodo de Dave com os rumos que os Estados Unidos têm tomado na gestão do presidente Donald Trump e que os primeiros versos de T-Shirt seriam uma amostra de que essa escolha pelo silêncio ao fingir que está tudo bem pode ser apenas uma ironia.
Run traz um pouco do discurso do homem de frente do Foo Fighters de que parece o Slayer tocando o disco Pet Sounds dos Beach Boys. São 5 minutos e 23 segundos que transitam da evolução melodiosa à raiva e que transita entre as duas fases da música até o final da faixa. A comparação de Dave com o thrash metal do Slayer talvez pare na bateria de Taylor em Run, que desacelera o ritmo contínuo e rápido para se assemelhar mais com uma percussão, quase que em um ritual de umbanda. “The rats are on parade/Another mad charade/What you gonna do?/The hounds are on the chase/If everything’s erased/What you gonna do?”
O videoclipe de Run ganha uma versão estendida de 6 minutos e 21 segundos. Mas cuidado. Se você é da patrulha censora da moral, cidadão de bem e que diz preservar a tradicional família brasileira, aquela de um partido nada laico, formada por pai, mãe e filhos, corra agora e chame o seu movimento não tão liberal assim para boicotar o disco.
Gravar no EastWest Studios em Hollywood, na cidade de Los Angeles (Califórnia), localidade frequentada pelas grandes estrelas da música e do cinema, facilitou a vida do Foo Fighters ao convidar outros artistas para participar do disco. O primeiro deles é Justin Timberlake, que faz o backing vocal em Make It Right. A canção deixa mais do que claro que a banda foi buscar nas referências roqueiras dos anos 1970 sua inspiração. Talvez a faixa mais próxima de algo recheado de uma boa dose dançante com suas repetições vocais, feitas por Justin.
The Sky Is a Neighborhood, com toda aquela cara da série Stranger Things, da Netflix, em seu videoclipe, vem com a força das grandes canções que serviram de referência musical de Dave entre os grandes nomes do rock mundial e um ar de ficção científica. “Mind is a battlefield/All hope is gone/Trouble to the right and left/Whose side you’re on?”
Alison Mosshart, vocalista das bandas The Kills e The Dead Weather, que divide os vocais com Dave nessa canção, aumenta a qualidade da melodia da faixa. As garotas no clipe, Violet, de 11 anos, e Harper, de 8, são filhas do vocalista do Foo Fighters.
Alison Mosshart continua a cantar junto com Dave na música La Dee Da, que ganha o reforço do saxofonista de smooth jazz Dave Koz. Com pegada mais pesada, a canção tem uma roupagem sonora cheia de distorção e ruídos no seu instrumental. O verso “Keep your pretty promise to yourself” vem pouco depois de citar a Casa Branca, residência oficial do presidente americano. “You can’t shame me, La Dee Da/Give or take me, how bizzarre.”
Outra participação nos vocais é de Inara George, parceira do produtor do disco no The Bird and The Bee. Ela canta com Dave Grohl a música Dirty Water. É a primeira balada bem marcada do Concrete and Gold que você pode dizer “essa tem a cara do Foo Fighters”, inclusive com a virada mais pesada do final da música. Já Arrows é aquele tipo de canção típica do Foo Fighters, que caberia entre boas entre várias outras da banda, mas sem qualquer novidade. O que não a impede de aparecer na programação de um canal de música ou programa de rádio.
A dobradinha Happy Even After (Zero Hour) e Sunday Rain trazem uma lembrança imediata do White Album (1968) dos Beatles. Happy Even After parece uma confissão de Dave Grohl à sua canção idolatrada do Fab Four: Blackbird. É quase uma declaração de amor à balada de Paul McCartney, que toca bateria em Sunday Rain, faixa que tem no vocal o baterista Taylor Hawkins. E Sunday Rain tem cara de composição do Macca e caberia sem problema em um disco solo dele.
The Line tem o tempo e o formato perfeito para se tornar um destes sucessos pop rock que repetem sem parar nas rádios. Talvez a faixa mais fraca do disco. E que foge de tudo que o álbum se propôs a trazer nas nove músicas anteriores. “Yes or no?/What is truth/But a dirty black cloud coming out of the blue/I was wrong/I was right/I’m a blood moon born in the dead of night.”
O disco acaba com a faixa título, Concrete and Gold. Seu primeiro riff remete à primeira fase, mais sombria, do Black Sabbath. Logo a coisa se mistura com algo do Led Zeppelin no coro feito por Shaw Stockman, do Boys II Men. São 5 minutos e 32 segundos que encerram bem o novo disco do Foo Fighters, que não tem qualquer chance de revolucionar o rock ou a indústria da música. Concrete and Gold tem seu mérito ao casar muito bem um dos grandes representantes do rock nos festivais pelo mundo a um bem sucedido produtor de artistas pop, o que trouxe a garantia de renovação ao som da banda de Dave. E um disco melhor do que audacioso e altamente questionável Sonic Highways (2014).
Ouça o disco completo: