San Francisco é o ponto de partida do romance de estreia da escritora norte-americana Jennifer Egan. Na trama, personagem Phoebe segue em busca do passado de sua família e as circunstâncias envolvendo a trágica morte da irmã mais velha, Faith. Lançada em 1995, obra obteve boas críticas

Mariza Santana
Especial para o Jornal Opção

A autora Jennifer Egan | Foto: Divulgação/Intrínseca

San Francisco, na Califórnia (EUA), foi uma das cidades emblemáticas da época hippie e da contracultura, movimentos das décadas de 1960 e 1970. Nesse período os jovens de todo o mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, acreditavam que poderiam mudar o mundo. Na França em 1968, houve a revolta estudantil nas ruas de Paris. “É proibido proibir”, bradavam. “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”, aconselhavam. No Brasil, nesta mesma época, outros jovens idealistas caíam na clandestinidade com a missão de combater a ditadura militar de forma contundente, se necessário de armas em punho.

Foram anos de chumbo aqui no Brasil, como dizem alguns historiadores, e de mudanças de paradigmas mundo afora. Hoje, os sobreviventes destas gerações são prósperos senhores e senhoras, alguns se tornaram capitalistas bem sucedidos (entre os que sobreviveram às perseguições e aos efeitos danosos das drogas pesadas). Outros se tornaram líderes políticos e ditaram os rumos de suas nações. Foi um período rico, de muito sonho e idealismo. Tudo mudou para que tudo continuasse seguindo da mesma maneira. Esse é o curso da vida.

Hoje a internet nos torna de fato uma aldeia global, ao mesmo tempo em que dá à nossa existência um (mau) gosto de modernidade líquida, conforme alertou o saudoso filósofo alemão Frank Baumman. Mas esse legado hippie-punk, de rock and roll, ainda resiste em nossas manifestações culturais – literatura, cinema, música e teatro, entre outras. O legado dessa geração que um dia sonhou em mudar o mundo com barricadas ou simplesmente com uma bandeira branca, não importa qual fosse o instrumento empunhado. Essa geração está aí presente, com sua influência, que não pode ser menosprezada.

E é justamente San Francisco o ponto de partida do romance de estreia da escritora norte-americana Jennifer Egan, que não por coincidência nasceu na década de 1962 em Chicago, também Estados Unidos, mas viveu um bom período na cidade californiana. Em San Francisco, com seus recantos bem descritos pela autora, a jovem personagem Phoebe está prestes a entrar para a faculdade. Mas antes disso, se sente impelida a seguir em busca do passado de sua família, notadamente dos seus fantasmas, principalmente do fantasma de sua irmã mais velha, Faith, que morreu de forma trágica em um lugarejo da na bela região italiana de Cinque Terre.

Nesse périplo para resgatar a trágica história da irmã, a jovem Faith faz uma verdadeira viagem do tipo mochilão por diversas cidades europeias – Londres, Amsterdã, Reims, Paris, Munique – não como uma turista comum, mas em alguns momentos conhecendo o submundo e os perigos de algumas dessas cidades. Ela procura por algo que não sabe direito o que é, mas que a compele a seguir em frente. Ao tentar refazer o trajeto irmã falecida, relatado por meio de cartões postais enviados à família, ela reencontra o antigo namorado de Faith, Wolf, que tem papel destacado nesse processo de resgate emocional.

Título: Circo Invisível

Autora: Jennifer Egan

Editora: Intrínseca

Valor: R$ 25,90

Jornada interior
Junto com a viagem de Phoebe seguem as lembranças de quando ela era criança, da sua convivência com a irmã mais velha e com o pai, também já falecido. A jovem não consegue processar devidamente o sentimento de luto que a persegue há uma década, e que acompanhou seu crescimento. Por isso, sua passagem pelas cidades europeias acontece de forma desnorteada, sem sentido, da mesma maneira que ela encara a vida, como algo sem objetivo.

Entretanto, nessa jornada, a protagonista de Circo Invisível vai finalmente desvendar o que aconteceu de fato com sua irmã mais velha. Ela descobre que a tragédia estava relacionada ao período conturbado vivido pela Alemanha no final da década de 1970 e nas décadas seguintes, antes da Queda do Muro de Berlim, quando estava em atividade na parte ocidental do pais europeu o grupo Brigadas Vermelhas.

Aqui vamos abrir parênteses, para propiciar um melhor entendimento para o leitor. (Também conhecida como Grupo Baader-Meinhof, o grupo Brigadas Vermelhas foi uma organização guerrilheira alemã de extrema-esquerda, fundada em 1970, na antiga Alemanha Ocidental, e dissolvida em 1998).

Melhor não revelar nada além disso, para que o leitor possa seguir a prosa de Jennifer Egan, que possui forte carga psicológica, e ainda pegar carona com Phoebe nesse giro europeu alternativo. O final surpreende, ao confirmar que tudo muda, para continuar igual, embora para se perceber isso possa levar muito tempo.

Circo Invisível, primeira obra literária de Jennifer Egan, que seguiu primeiro a carreira de jornalista, foi lançado em 1995 e obteve boas críticas. Foi adaptado para o cinema e lançado em 2001, com a atriz Cameron Diaz no papel da jovem Phoebe. No Brasil, a película recebeu o título de Uma História a Três, e pode ser uma boa sugestão para quem prefere a sétima arte à literatura.