A sala de exibição de filmes foi fechada para reforma em dezembro devido problemas que se arrastam na história do ponto cultural

Mais de 150 pessoas assinaram petição pública direcionada ao governo de Goiás, pedindo pelo pleno funcionamento do ponto cultural, que tem problemas agravados desde o início de 2014 | Foto: Reprodução/ Facebook Cine Cultura
Mais de 150 pessoas assinaram petição pública direcionada ao governo de Goiás, pedindo pelo pleno funcionamento do ponto cultural, que tem problemas agravados desde o início de 2014 | Foto: Reprodução/ Facebook Cine Cultura

Marcello Dantas

Escuro, instável e inseguro. Esse é o cenário do Cine Cul­tura, no Centro Cul­tu­ral Marieta Telles Macha­do, na Praça Cívica, em Goiânia. Com a sala de exibição de filmes Eduardo Benfica fechada desde dezembro passado, profissionais do cinema e apreciadores da sétima arte parecem navegar em um mar de cegueira.

Principal alternativa às salas que exibem produções hollywoodianas, o espaço conta com três ou quatro funcionários atualmente, sendo que dois são estagiários e trabalham por amor.

Entre relatos de protesto nas redes sociais e o compartilhamento de uma petição pública direcionada ao governo estadual, o pedido é para que o ponto cultural não sofra interferências. Até o momento, pouco mais de 150 pessoas assinaram o documento digital. Amantes do cinema se movimentam para que seja mantido o pleno funcionamento do espaço. E com tons de indignação.

Os motivos?

Os motivos são muitos: sistema de áudio do projetor digital estragado, sem previsão de conserto, e a redução no número de funcionários após a reforma administrativa no governo estadual, o que torna a situação mais dramática. Além disso há as constantes reformas por que passam o prédio, consideradas delongadas, e a falta de orçamento único anual.

Foi nessa perspectiva que a Associa­ção dos Amigos do Cine Cultura (Cole­tivo Cine Cultura) foi criada, no segundo semestre de 2011. A missão: resguardar os direitos de ocupação do espaço e preservar o seu uso correto. É neste momento, de crise institucional, que os cineastas têm de chamar a sociedade para o embate. E bater forte a claquete: luz, câmera e ação para alertar o governo de Goiás de que o local tem história e público cativo, diariamente.

O ano de 2014 foi palco de problemas técnicos diferentes. No início de dezembro, sessões do meio de semana foram canceladas por falhas no sistema de som. Já em um fim de semana de novembro, oscilações de energia adiaram exibições. Dias antes, a presença de espectadores teve de ser remarcada por conta do fechamento da sala para manutenção. E muito antes, em maio, produções não foram rodadas por conta de ajustes técnicos na cabine de projeção.

Um servidor diz que não sabe a quem recorrer. Porém, explica que há outro projetor, mas analógico, de 35 milímetros. “Está ok, mas não convém usá-lo, pois a distribuição que chega até aqui é praticamente digital”, diz. Por isso, ele conta que não dá para tornar o aparelho padrão na apresentação dos filmes.

Mesmo se os equipamentos fossem consertados, o Cine Cultura não funcionaria cem por cento: seria preciso reconvocar os despedidos recentemente. Exceto os efetivos, todos os comissionados foram exonerados. Entre­tanto, os pro­blemas com o déficit de recursos humanos vêm antes mesmo da reforma. Um exemplo disso são as escalas de projecionista, que eram alternadas com os estagiários.

Outra reclamação é justamente a falta desse profissional, que teria sido demitido — inclusive a folha de ponto dele não está chegando. A possibilidade é negada pela Superintendência Executiva de Cultura, agora atrelada à Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte. O funcionário, segundo a assessoria, “sempre existiu”.

Autobiografia

Em sua história de 25 anos, completos no ano passado, o cinema criado no governo Henrique Santillo, sob a coordenação de Antônio Segatti, sempre viveu na trincheira. Mas, a gratuidade ou os preços acessíveis cobrados nas mostras atraem as pessoas. Sem contar com quantidade e qualidade de filmes da cena independente que circula por lá.

Servidor público e roteirista André Luiz Dias de Carvalho lamenta a situação em que se encontra o patrimônio dos goianos. André Ldc, como é conhecido, se diz espectador e cidadão preocupado com o cenário.

“Os eventos movimentavam a Praça Cívica e deixavam o Centro vivo. Fico triste, acho o fechamento um desprezo, pois o espaço presa pelo cinema. E lá trabalhavam pessoas dedicadas”, pontuou. Crítico de cinema, ele resume que a programação diferenciada e a localização são os principais atrativos. “Cheguei a morar lá na época de um festival”, brinca.

Entre os eventos realizados no Cine Cultura estão o Cine Esquema Noise; Semana da Ecologia Urbana de Goiânia Festival; Mostra Cinema e Direitos Humanos no He­misfério Sul; Dia Internacional da Animação e o Fronteira; Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental; Mostra Canal Brasil: Cinema e Música; e a Mostra Lume.

Sem contar com o Cine­almofada, realizado em frente ao prédio desde 2013. Percebendo que a situação dificilmente melhoraria, o evento foi criado para chamar a atenção, conforme destacou a cineasta Marcela Borela. “É uma forma de resistência. O Cine Cultura faz por nós o que nenhum outro cinema faz em Goiás. Traz o filme independente, de qualquer lugar do mundo para cá. Traz tudo que está à margem da indústria e respeita a diversidade cultural do mundo”, observa.

Jornalista e mestre em História, Borela foi diretora do cinema e acompanha sucessivas dificuldades desde 2011, como o sucateamento e mofo na única sala de exibição, e a baixa média de frequentadores.

A realizadora relembra que o criador do espaço desenvolveu uma relação importante com as distribuidoras e, apesar de ser público, tornou-se cinema de lançamentos. Contudo, o tripé formado pela falta de recursos, de planejamento e a ausência de vontade política para desatar os nós trazem grandes prejuízo.

Na linha de frente da briga também está Sophia Pinheiro. “Como assim a população não tem acesso à cultura pública? É uma alienação terrível”, critica a artista, que teme o fechamento de outros espaços culturais.

Diretor do Cine Cultura, Rafael Castanheira Parrode previa a crise com iminente demissão dos comissionados do complexo Marieta Telles, devido a transição de governo. “Provavelmente, é o único espaço que funciona diariamente na capital. Está difícil administrar, estamos de mãos atadas, refém da transição”, reclama. O gestor trabalha lá há três anos e declara que não obteve nenhuma resposta oficial da Superintendência de Cultura sobre como ficará o centro.

Em suma, a expectativa é a de que o Cine Cultura passe por uma reforma de qualidade e tenha seu quadro reformulado, de modo que atenda às demandas de um setor. Pois, o cinema e a arte, em geral, desnudam goianos e goianienses da visão provinciana e da mentalidade bovina.

Afinal, o coração de Goiânia, palco de tantas manifestações históricas, pulsa arte e o Centro Cultural Marieta Telles concentra ainda o Museu de Imagem e Som de Goiás (MIS-GO), a gibiteca Jorge Braga, a biblioteca Pio Vargas e o museu Zoroastro Artiaga — que fica ao lado. A esperança é que esses locais, referências na história do Estado, não sigam os mesmos rumos do Cine Cultura.