Cinco sonetos de William Shakespeare traduzidos por Emmanuel Santiago
25 fevereiro 2017 às 09h38
COMPARTILHAR
William Shakespeare (1564-1516), além de ter sido um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, foi também um poeta lírico estupendo. Os seus sonetos, em especial, são até hoje paradigmas de excelência poética
Emmanuel Santiago
Especial para o Jornal Opção
Sonnet XVIII
Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed,
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature’s changing course untrimmed:
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow’st,
Nor shall death brag thou wander’st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow’st,
…….. So long as men can breathe, or eyes can see,
…….. So long lives this, and this gives life to thee.
Soneto 18
Poderei comparar-te ao fulgor do verão?
Tu és tão mais amável e tão mais ameno:
A tormenta de maio a flor tolhe em botão
E o verão se consome num prazo pequeno.
Quando faz calor, o olho do céu nos fulmina,
Outras vezes oculta a dourada nudeza;
E, de tudo que é belo, a beleza declina
Por acaso ou por sua fugaz natureza.
Mas, sem fim, teu verão não conhece fastio,
Nem sequer perde o viço no curso das eras,
Nem a Morte te envolve em seu manto sombrio,
Pois no verso indelével o tempo superas:
…….. Enquanto homens houver, e olhos prontos a ver,
…….. Enquanto isto for lido, tu hás de viver.
Sonnet XXVI
Lord of my love, to whom in vassalage
Thy merit hath my duty strongly knit,
To thee I send this written embassage,
To witness duty, not to show my wit:
Duty so great, which wit so poor as mine
May make seem bare, in wanting words to show it,
But that I hope some good conceit of thine
In thy soul’s thought, all naked, will bestow it:
Till whatsoever star that guides my moving,
Points on me graciously with fair aspect,
And puts apparel on my tottered loving,
To show me worthy of thy sweet respect:
…….. Then may I dare to boast how I do love thee;
…….. Till then, not show my head where thou mayst prove me.
Soneto 26
Meu amado senhor, a quem sirvo submisso,
Cujo mérito, enfim, enlaçou meu intento,
Por escrito te envio este meu compromisso,
Atestando o dever, porém não meu talento.
Grandioso dever! Meu engenho conciso
Não consegue expressá-lo e ei-lo aqui: nu em pelo;
Mas espero que teu refinado juízo
Com alguma clareza consiga envolvê-lo.
Isso até que uma estrela qualquer com seu brilho
Me conduza p’ra perto de teu belo ser,
Adornando com fausto este amor maltrapilho
E mostrando-me digno de teu benquerer.
…….. Só então ousarei divulgar ter-te amado;
…….. Até lá, não me exponho p’ra não ser testado.
Sonnet XL
Take all my loves, my love, yea take them all;
What hast thou then more than thou hadst before?
No love, my love, that thou mayst true love call;
All mine was thine, before thou hadst this more.
Then, if for my love, thou my love receivest,
I cannot blame thee, for my love thou usest;
But yet be blam’d, if thou thy self deceivest
By wilful taste of what thyself refusest.
I do forgive thy robbery, gentle thief,
Although thou steal thee all my poverty:
And yet, love knows it is a greater grief
To bear love’s wrong, than hate’s known injury.
…….. Lascivious grace, in whom all ill well shows,
…….. Kill me with spites yet we must not be foes.
Soneto 40
Rouba, sim, meus amores, amor, eles todos,
O que acaso tens tu que não tinhas outrora?
Verdadeiros amores, nenhum, só engodos;
O que tenho era teu, e isso não é de agora.
Pelo amor que me tens meu amor me tomaste,
E de usar meu amor nunca posso culpar-te,
Entretanto te culpo, se tu te entregaste
Por capricho a quem sempre deixavas à parte.
Eu perdoo teu roubo, ladino gentil,
De ti mesmo furtaste esta minha pobreza;
Eis que o amor sempre soube que é muito mais vil
Suportar-lhe os enganos que a dor da crueza.
…….. Graça cúpida, fonte de males extremos,
…….. Com desprezo me mata, mas nunca lutemos.
Sonnet LIII
What is your substance, whereof are you made,
That millions of strange shadows on you tend?
Since every one hath, every one, one shade,
And you but one, can every shadow lend.
Describe Adonis, and the counterfeit
Is poorly imitated after you;
On Helen’s cheek all art of beauty set,
And you in Grecian tires are painted new:
Speak of the spring, and foison of the year,
The one doth shadow of your beauty show,
The other as your bounty doth appear;
And you in every blessed shape we know.
…….. In all external grace you have some part,
…….. But you like none, none you, for constant heart.
Soneto 53
Que substância é a tua, que forma latente,
À qual cedem milhares de sombras alheias?
Tudo tem, cada coisa, um reflexo somente,
Mas tu, sendo um, todas as sombras lastreias.
Representem Adônis: o que se revela
É um rascunho malfeito de tua figura;
Se de Helena pintarem a imagem mais bela,
Numa túnica grega, estarás na pintura.
Falem da primavera e do viço da messe;
A primeira é de tua beleza um resumo,
O segundo com tua bondade parece
E nas formas mais belas teus traços presumo.
…….. Se da graça visível és parte integrante,
…….. Ninguém tem, como tu, coração tão constante.
Sonnet CV
Let not my love be called idolatry,
Nor my beloved as an idol show,
Since all alike my songs and praises be
To one, of one, still such, and ever so.
Kind is my love to-day, to-morrow kind,
Still constant in a wondrous excellence;
Therefore my verse to constancy confined,
One thing expressing, leaves out difference.
Fair, kind, and true, is all my argument,
Fair, kind, and true, varying to other words;
And in this change is my invention spent,
Three themes in one, which wondrous scope affords.
…….. Fair, kind, and true, have often lived alone,
…….. Which three till now, never kept seat in one.
Soneto 105
Não se diga, do amor que tenho, idolatria,
Nem o amado qual ídolo se represente;
Minhas preces, canções, nada disso haveria,
Porém, não fosse ele, ele sempre, ele somente.
Gentil este amor hoje, gentil no futuro,
Imutável na sua excelência sublime,
E meu verso, que tão permanente afiguro,
Uma só coisa diz, todo o resto suprime.
Belo, bom, verdadeiro, eis aqui meu resumo,
Belo, bom, verdadeiro, em palavras sortidas;
Revezando esses três, meu engenho consumo,
Três conceitos em um, de extensões desmedidas.
…….. Belo, bom, verdadeiro, os três eram distantes,
…….. Sem poderem se unir num ser único antes.
Emmanuel Santiago é poeta e tradutor. Autor do livro de poesias “Pavão Bizarro” (São Paulo: Editora Patuá)