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Em nudez pichada no poste, letras de stencil cobertas de sujo poeirento, há a frase: o destino é implacável

Luana Borges

Pintura de Igor Morski

O caminhão deixa os tijolos sobre o asfalto. No mercado, por 9 reais, compram-se os pães, os pães de hoje que se tornarão amanhecidos. E que serão comidos, dia após dia. Na Campininha, na 24 de Outubro, o menino na cadeira de rodas olha a calçada cheia de gente indo e vindo, mas ele, ele mesmo não anda. Um carro está perdido, errou o endereço, é quente, e enquanto isso no grupo de whatsapp metade do mundo reclama. Falam-se coisas absolutamente desnecessárias. Inventam-se figurinhas absurdamente fáticas. O canal está sempre aberto, comunicamo-nos sobre nada, mas o rio debaixo da ponte escorre pouco porque está cheio de lixo, denso, escuro, verde-musgo, fétido. O meio-fio é branco e serve de parede a um rego d’água que cheira a peixe velho. Serve de banco a um homem tungado de rugas, magro e pobre. Respinga no tênis falso-nike do pedestre, este que está apressado, a água podre. Uma artista olha, olha de novo, e acha engraçado que alguém ainda queira explicar o mistério do mundo. Tudo é muito nítido, há uma clareza de sol, aquela que não se pode ver por muito tempo, aquela de que o olho não dá conta. O mundo é só isso mesmo. O mundo se resume às três da tarde em estado bruto. E um dia, ao menos para nós, acabará. Mas por enquanto, no rego, no pé calçado, no tijolo, no pão, no menino imóvel e na gente corrida, o perigo apenas se insinua, invisível. Alguém espirra enquanto anseia o sinal vermelho, na faixa de pedestre. Um outro prende a respiração, ajeita a máscara. Como é frágil este mascaramento! Em nudez pichada no poste, letras de stencil cobertas de sujo poeirento, há a frase: o destino é implacável.

Luana Borges é jornalista e professora.