Chato, longo e equivocado
18 abril 2014 às 12h23
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“Entre Nós”, de Paulo Morelli, mistura reflexões ocas e dramas de classe média
Júlio Pereira
Especial para o Jornal Opção
Você já viu esse grupo de amigos, estou certo disso. O cigarro de artista circulando, a bebida correndo solta, os debates sobre o nada, Los Hermanos (ou qualquer coisa parecida) no violão. E a promessa: enterrar cartas com o que esperam de si no futuro e se encontrarem dez anos mais tarde para lê-las. Um dos amigos, porém, morre num acidente de carro, deixando seu livro, finalmente concluído, sem publicar. Isso acaba afastando os amigos, sendo que seu primeiro encontro depois da fatalidade é justamente o prometido reencontro.
Evidentemente, há muito os personagens não se vêem. Portanto, muita roupa suja pra ser lavada, muita intriga do passado, muita discussão. “Entre Nós” poderia falar, não fosse por um desvio de foco, sobre um grupo de amigos e o efeito do tempo sobre eles. Essa deterioração das relações pelo distanciamento, pelas “coisas da vida”, embora tida como natural, é absolutamente lamentável — e pessoalmente temeroso, uma vez que imagino o que será do meu próprio círculo de amizade em alguns anos. Há o rancor e as picuinhas acumuladas durante anos numa amizade, os amores frustrados, disputas tolas de ego. Uma espécie de “O Declínio do Império Tupiniquim” — ou algo do gênero.
A princípio, nenhum problema nisso. Pelo contrário: é uma realidade que me afeta pessoalmente — e o pouco que gostei da obra é justamente por essa identificação. Paulo Morelli, porém, pesa sempre a mão na direção com sua câmera perdida, que parece sempre estar em busca de algo, inquieta, sem foco ou propósito, não encontrando nada. Brincando de ser Alfred Hitchcock (algo que Martin Scorsese faz bem em “Depois de Horas”, por exemplo, como produção de humor), Morelli acaba se levando a sério demais, achando que seu filme tem um peso muito maior do que de fato possui. Não bastasse a pretensa filosofia da obra, sempre por reflexões ocas e muito draminha de classe média, o diretor sempre evoca um tom de terror, com uma trilha sinistra — e um tanto xaroposa, vale dizer — e constante, planos-detalhes (dum formigueiro, por exemplo) anunciando algo que certamente não virá. Não há, porém, nenhum sentido narrativo nisso. Além disso, toda cena busca carregar uma dramaticidade intensa, uma importância reveladora — os personagens caminhando lentamente perto de onde enterraram as cartas, com a música pesada acompanhando, sob uma iluminação sombria.
Logo, quando um personagem coloca lenha demais na fogueira (literalmente, aliás), a contragosto de um dos amigos, é batata!, uma intriga surgirá disso. Talvez se o roteiro achasse a direção certa e focasse mais nos amigos do que no drama de Caio Blat, haveria um resultado mais digno.
Em suma: “Entre Nós” é uma rodinha chata de violão com Legião Urbana que dura cem minutos.
Júlio Pereira é crítico de cinema.