“Carne Doce é uma banda que não escolhe caminhos confortáveis”
27 agosto 2016 às 09h42

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“Princesa” funciona como um rito de passagem para consolidar a proposta do grupo do Sertão Urbano de fazer canções que falem do mundo

“Ainda dá
Pra eu acordar amanhã
E fazer tudo certo
Se eu ralasse
Como os meus pais
Se eu fizesse o que é certo
(…)
Eu tinha que ir ali
Eu tinha o tempo todo ali
Eu tinha tudo pra virar
Mas sempre ainda, sempre dá
Pra acordar amanhã
E achar meu lugar”
Carne Doce
Yago Rodrigues Alvim
“Toca nas rádios, em alguns programas cuja produção local é valorizada. Toca em pubs, recantos consagrados — como o tal Martim, o Centro Cultural Cererê. Toca em festivais, em outros estados. Toca na cabeça de muita gente espalhada pelo sertão urbano”, escrevia eu em janeiro de 2015. Ainda recente nas primeiras semanas daquele ano, “Carne Doce” ainda estamparia muitos jornais com seu álbum debute. Mais de um ano depois, o que estampa os jornais agora é o vermelho sangue de “Princesa”, marca de uma nova etapa da banda.
Com 11 canções, o disco foi gestado longe do cerrado de prédios e carros com os quais a capital, berço do casal Salma Jô e Macloys Aquino, vem se bordando. Com João Victor Santana, Ricardo Machado e Aderson Maia, Carne Doce viajou para Sampa, onde gravaram o disco pela Red Bull Station, em menos de um mês.
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São muitos os universos, e todos se entoam no feminino da vocalista, na mulher que é Salma. Aquela coisa de se adorar, que vem em “Amiga”, esparrama-se na natureza de ser deus vivo de si — em “Artemísia”, que, dentre as referências, ancora-se no chá abortivo, mostra que “Não vai nascer/Porque eu não quero e basta eu não querer”; no luxo de ser verborrágica, desmitificando o ser/estar (“Meu sexo sempre é um impasse/E a razão pra me acusar/Que é por isso que eu sô histérica, eu não sô histérica eu só tô histérica”). “Princesa” é selvática.
E, assim, cantam sobre diversos outros temas, com novos ares musicais, sendo ainda o grupo de 2014. Nas próximas linhas, você confere um pouco mais de todo este universo agridoce com a entrevista do guitarrista Macloys Aquino.
Qual a marca do novo álbum, “Princesa”, na trajetória da banda?
Na prática, marca uma provação, rito de passagem para consolidar uma proposta apresentada em “Carne Doce” (2014). É uma provação em vários aspectos, tanto artístico quanto profissional. Apesar de não ser uma obra comercial, apostamos na continuidade como algo que vá tocar e envolver mais gente, provocar debates, juntar ou separar pessoas, ampliar nossa agenda, melhorar nossa imagem, melhorar nosso show.
Que proposta é essa?
É a proposta expressiva de um grupo que tem uma parte que ouviu mais música brasileira e outra mais músicas indie, mais do contemporâneo e, ainda, do rock mais tradicional. É a mistura que trazemos do Brasil com o indie-rock, que estofa o que Salma traz com suas letras.
A proposta é de uma banda que é inquieta, que não escolhe caminhos confortáveis, que tem canções propriamente ditas, pois a base de todas as nossas músicas é a canção — no entanto, sem uma estrutura tradicional de “verso/refrão”. Elas vão tomando rumo e, às vezes, parece que é só um refrão que se repete por toda a música. Tem, então, essa proposta estética, junto às letras de Salma, com uma proposta artística que tenta digerir questões políticas e da sociedade.
Como foi trabalhar esta nova musicalidade do álbum, que apresenta novos ritmos e novas sonoridades?
Estamos há mais tempo juntos, fizemos mais shows, ensaiamos mais, nos encontramos mais como músicos e nos conhecemos melhor. A banda é mais entrosada hoje que em 2014, quando lançamos o primeiro álbum e, por isso, acho que tocamos melhor hoje. Exercício, tentativas, chegamos neste som experimentando. João Victor é o maior responsável pela sonoridade. Ele nos produziu, estudou mais as músicas, pesquisou e indicou caminhos.
E quanto às letras?
As letras são todas de Salma. Acho que ela tem dois caminhos para se inspirar, um observando a realidade, os discursos, a ordem do dia. Isso a provoca muito. Tem duas músicas inspiradas em livros, apesar de ela não estar lendo tanto — mas ela lê muita reportagem, lê as outras pessoas nas redes. O outro caminho é olhando para si, uma busca mais subjetiva, tentando se decifrar. Estas duas formas estão bem claras nas músicas.

Se tivesse um faixa a faixa, o que daria para dizer das canções?
Essa eu deixo para quem escuta. (riso)
Como foi o processo de pré-produção, produção e pós?
Trabalhoso. Nós começamos no ano passado, em dezembro, quando surgiu o convite da Red Bull. Passamos o primeiro semestre trabalhando, arranjando, escolhendo formatos, enquanto fazíamos poucos shows para bancar nossa estada em São Paulo, por um mês. Teve música que foi redesenhada várias vezes — “Falo”, por exemplo. Esta só foi sair mesmo na semana em que viajamos para gravar. A pós-produção é o que estamos vivendo agora, divulgando, tentando marcar shows, mostrar o disco.
O álbum vem com a Red Bull; qual a importância disso para a música independente?
Muito importante, pois uma empresa com esta estrutura supre muitas faltas do mundo independente, por toda estrutura que ela oferece para artistas. Na falta de um mercado estruturado, ou na dependência histórica de leis de incentivo, apoios como esse da Red Bull dão fôlego, fazem a gente continuar, é um apoio enorme.