A ensaísta Lígia Cademartori afirma que, ao extrair força poética do substantivo, Salomão Sousa compõe sua própria lição de coisas

João Carlos Taveira

Especial para o Jornal Opção

O poeta Salomão Sousa nasceu na zona rural, onde passou a infância, foi alfabetizado e teve as primeiras experiências com o universo da poesia e profundas vivências com a natureza, que alimentam de maneira inequívoca o seu modo de expressão criativa. Em 1964, aos 12 anos, transferiu-se para Silvânia, cidade do percurso de desbravamento do Estado de Goiás, para continuar o ensino fundamental. Ali, aprofundou o contato com a poesia brasileira no acervo da biblioteca pública do município.

Salomão Sousa, poeta, ao lado do poeta Brasigóis Felício, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

No início de 1971, transferiu-se para Brasília, onde concluiu sua formação secundária e superior. Formou-se em Jornalismo e, por concurso, ingressou no serviço público federal; desde então, vem construindo “a poesia de consciência e a escritura de combate”, conforme destacou o escritor Ronaldo Cagiano em resenha definidora da obra do autor de “O Susto de Viver”.

Ainda na década de 1970, Salomão Sousa fez algumas incursões no movimento da Poesia Marginal e publicou “A Moenda dos Dias” (1979), livro inaugural de “uma poesia inovadora, sem as camisas de força estilísticas, arejada, original, portanto moderna”, como aponta Ronaldo Cagiano na resenha referida. “Safra Quebrada”, que reúne os livros publicados até 2007, dá a dimensão humana e artística de quem soube produzir sem pressa e, ao mesmo tempo, manter-se consciente de cada etapa de sua carreira.

A obra de Salomão Sousa dá seu contributo ao cenário da moderna poesia brasileira de forma muito contundente. Das muitas leituras já feitas sobre essa poesia, é importante destacar a observação crítica de Naomi Hoki Moniz — atual diretora de Estudos Portugueses na Universidade de Georgetown —, publicada em 1979 na “Revista Ibero-Americana”, sobre “A Moenda dos Dias”, quando a articulista fazia mestrado na Harvard University: “Sua utilização de uma tradição poética permite diferenciá-lo do muito que existe no país de modismo de vanguarda superficial que caracteriza certos movimentos. Ele evita traços de populismo e espontaneísmo, constrói um discurso despojado e simples, mais comprometido com a veracidade do que está sendo dito do que com obscuras e vazias ordenações estéticas”.

Ao resenhar “Estoque de Relâmpagos” para o “Correio Braziliense”, a professora de literatura Lígia Cademartori, respeitada tradutora e ensaísta, contextualiza a poesia que Salomão Sousa passou a praticar a partir do livro em epígrafe: “… a particularidade de sua poesia não reside nos efeitos de som e, sim, na organização das imagens. A profusão delas provoca o leitor para que procure as relações que estabelecem e, por esse modo, descubra a mitologia autoral que as ordena. Ao extrair força poética do substantivo, Salomão Sousa compõe sua própria lição de coisas. Nem todas imediatas, é verdade. Algumas são inalcançáveis. Mas, no radical contraste entre certas imagens, podem-se encontrar essenciais efeitos de sentido e o provável princípio que preside as expressões figuradas. Pois a linguagem não faz concessões. Concisa e avessa ao voo livre, essa é poesia de linhagem autorreflexiva”.

Antonio Miranda, poeta de múltiplas invenções e vasta obra publicada, no Portal de Poesia Ibero-Americana, registra o seguinte sobre “Ruínas ao Sol”: “Não é uma leitura fácil, muito menos óbvia, por causa da linguagem densa e das desavisadas associações de imagens e de ideias, da ausência de pontuação, do automatismo verbal que vai anunciando, mas não necessariamente enunciando, numa espécie de neobarroco consciente”.

Salomão Sousa é um poeta moderno em estado puro, na sua exaustiva utilização do real, seja do tempo presente, seja dos fragmentos da memória. Intelectual consciente, ele sabe enriquecer essa veia com uma crítica mordaz das mazelas humanas e do contexto social em que está inserido. Sua poesia se alimenta, por vezes, dessa cosmovisão para fundar uma solidez estrutural muito próxima da estética pós-moderna, com suas vanguardas posteriores. Sua linguagem é construída mais de impulsos fragmentados do que de uma forma gramatical preestabelecida. Seu verso é livre e geralmente curto, as frases raramente se completam, a pontuação nem sempre está presente, e as estrofes não têm compromisso com a uniformidade. Outra característica de sua poesia mais recente é a ausência de títulos nos poemas. Quem não acompanhou a trajetória deste poeta, julga-o sempre jovem, pois ele se insere no contexto do tempo presente. Mas tem plena consciência de seu ofício.

Bibliografia de Salomão Sousa

1 — “A moenda dos dias”, Ed. Coordenada, Distrito Federal, 1979.

2 — “A moenda dos dias” / “O susto de viver”, convênio INL, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1980.

3 — “Falo”, Thesaurus Editora, Distrito Federal, 1986.

4 — “Criação de lodo”, edição do autor, Distrito Federal, 1993.

5 — “Caderno de desapontamentos”, edição do autor, Distrito Federal, 1994.

6 — “Chuço”, zine xerocopiado (19 números até 1999)

7 — “Estoque de relâmpagos”, prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, 2002.

8 — “Ruínas ao sol”, Prêmio Goyaz de Poesia, Ed. 7Letras, 2006;

9 — “Safra quebrada” (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos), publicado com recursos do FAC, 2007;

10 — “Momento crítico”, textos críticos, crônicas e aforismos, Brasília: Thesaurus Editora/FAC Fundo de Apoio à Cultura, 2008.

11 — “Vagem de vidro”, poesia, Brasília: Thesaurus Editora, 2013.

12 — “Descolagem”, antologia de poesia, Goiânia: Kelps, 2016, apresentação de João Carlos Taveira.

13 — “Despegues y ressonâncias”, plaquete de poesia, Peru, Lima: Maribelina, Casa do Poeta Peruano, organização e apresentação de José Guillermo Vargas.

14 — “Desmanche I”, edição do autor/Gráfica Serafim, Brasília, DF, 2018.

15 — “Poética e andorinhas”, edição do autor/Gráfica Serafim, Brasília, DF, 2018.

16 — “Cascos e caminhos”, edição do autor/Gráfica Serafim, Brasília, DF, 2020.

João Carlos Taveira, poeta e crítico literário, tem diversos livros publicados, entre eles: “Aceitação do Branco” (1991), “A Flauta em Construção” (1993) e “Arquitetura do Homem” (2005). É colaborador do Jornal Opção.