Breve comentário sobre a leitura do conto A Porta Condenada, de Julio Cortázar
31 março 2024 às 00h02
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Roberson Guimarães
Julio Cortázar (1914-1984) é um dos gênios da narrativa curta. O conto aqui analisado está entre os melhores escritos pelo argentino.
“A Petrone le gustó el hotel Cervantes por razones que hubieran desagradado a otros.
Era un hotel sombrío, tranquilo, casi desierto.”
Assim começa “A Porta Condenada” — no qual um comerciante argentino, cujo nome é Petrone, chega a Montevidéu e se hospeda em um hotel chamado Cervantes.
No dia seguinte, Petrone acredita ter ouvido um barulho vindo do quarto ao lado; esse barulho é “o choro de uma criança”. Mas o gerente do hotel garante que não há nenhuma criança ou bebê hospedado no hotel, apenas uma mulher que passa o dia no trabalho…
Essa é a porta para o fantástico.
Segundo Tzvetan Todorov (1939-2017) o que distingue a narrativa fantástica é a presença de acontecimentos sobrenaturais que escapam à razão; acontecimentos que propõem a dúvida ou hesitação entre o que é real ou apenas imaginação, dúvidas que podem ocorrer ao leitor ou ao personagem da narrativa.
Aqui, terminada a história, não sabemos se existia uma criança cujo choro era causado por alguma doença que a afetava ou, pelo contrário, essa criança não existia e o que Petrone ouvia era a imitação do choro de uma criança, choro produzido pela mulher, vizinha de quarto, que estaria doente e histérica. Ou ainda, se esse choro que Petrone ouviu foi produto da sua imaginação, dos ecos dos recantos do hotel e na verdade era ele quem estava doente, sofrendo alucinações auditivas.
O melhor do conto é que não há uma resposta definitiva para essa situação. Assim é a boa literatura.
Roberson Guimarães é médico e crítico literário.