Bienal de Música Brasileira Contemporânea: 50 anos de futuro
25 novembro 2025 às 10h10

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Há eventos que, por sua força, marcam territórios na imaginação brasileira. A Bienal de Música Brasileira Contemporânea é um deles. Criada em 1975 por Edino Krieger e Myrian Dauelsberg, ela chega em 2025 à sua 26ª edição e celebra 50 anos ininterruptos de existência, um feito raro no cenário cultural brasileiro. Meio século ouvindo o que ainda não existia; meio século apostando no que a música poderia ser.

Não por acaso, esta edição carrega uma simbologia poderosa: além do cinquentenário da Bienal, comemoram-se os 50 anos da Funarte, os40 anos do Ministério da Cultura, os60 anos da Sala Cecília Meireles e os 80 anos da Academia Brasileira de Música, fundada por Villa-Lobos. É como se diversas linhas da história cultural do país se encontrassem, agora, no mesmo compasso.
A Bienal surgiu num momento em que o Brasil ansiava por outros sons, outras formas de existir. Era o país das transições políticas, das tensões sociais e a música contemporânea passou a ser um espaço de experimentação, resistência e invenção. Desde 1975, mais de 1.900 obras já foram apresentadas, incluindo mais de mil estreias mundiais.
Se os primeiros anos foram marcados pelo espírito vanguardista e exploratório, hoje a Bienal se tornou algo ainda mais sofisticado: um arquivo vivo de nossas sonoridades possíveis. A cada edição, a música brasileira não apenas se mostra, ela se reinventa.
Para a edição comemorativa, a curadoria adotou um gesto raro: olhar para o passado sem perder o movimento adiante. A programação reúne 50 obras que marcaram o evento ao longo de suas 25 edições, escolhidas a partir de dois critérios: a participação apenas de compositores vivos, preservando o espírito da música contemporânea, sempre em movimento; levando em consideração a presença marcante nas edições anteriores, como se a história da Bienal também pudesse ser ouvida em recorrência e ressonância.

Assim, a obra Phantasiestück II, de Willy Corrêa de Oliveira, apresentada na primeira Bienal de 1975, reencontra, no mesmo programa, Oji, chegança e ímpeto, de Paulo Costa Lima, apresentada em 2023. Dois tempos unidos pelo mesmo desejo: o de instruir uma nova escuta.
Nesta edição destaca-se a participação da Escola de Música da UFRJ, cuja presença não é apenas protocolar, é histórica. A Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ) (OSUFRJ) se apresentou, no dia 24 de novembro, em um concerto que revisita obras estreadas em edições anteriores, como Três toques emotivos para cordas, de Guilherme Bauer, e Cordel nº 1, A saga de Corisco, de Liduíno Pitombeira.
Esse gesto é mais do que repertório: é afirmação institucional. A Bienal mostra que a universidade pública brasileira é uma das principais guardiãs da criação musical contemporânea: pesquisa, prática e invenção caminhando de mãos dadas.
A parceria com a Funarte e o Ministério da Cultura reforça que política cultural não é apenas financiamento: é visão de país.
Nesta edição especial, a programação inclui oito concertos (música de câmara, orquestral e eletroacústica) distribuídos entre a Sala Cecília Meireles, o Espaço Guiomar Novaes, e a Sala Funarte Sidney Miller. Tudo com transmissão ao vivo pelo YouTube da Funarte, garantindo acesso público e gratuito, um gesto simbólico e político: democratizara audiência.

Além disso, há seminários abertos, com temas que tocam nas urgências de nosso tempo: o legado da Bienal. A presença de mulheres na música contemporânea e osdesafios da composição hoje.
Ouvir música se torna também exercício de consciência. Porque ela cria uma referência onde a música não precisa ser explicada, mas experimentada. Onde a tradição não é muro, é possibilidade. Onde a música brasileira prova, mais uma vez, que não cabe numa única estética: ela é polifonia, ruptura, silêncio, reverberação e futuro.
Celebrar 50 anos da Bienal é reconhecer que o Brasil existe também naquilo que ainda não aprendemos escutar. Como escreveu certa vez Edino Krieger, seu idealizador:
“A música contemporânea não é o amanhã: é o agora, um agora que insiste em nos perguntar quem somos.”
Talvez seja isso o que a Bienal nos ensinou ao longo de meio século: a música brasileira não espera o tempo, ela o reinventa.
Sugerimos a audição de Phantasiestück II, de Willy Corrêa de Oliveira (1975), obra escrita para quinteto de sopros, aqui interpretada pelo Quinteto de Sopros da Universidade de Brasília. Fique atento ao trabalho tímbrico: é uma música que respira em pequenos intervalos, como se cada gesto contivesse uma pergunta. Observe como o silêncio não é ausência, é parte da frase musical.
Que venham os próximos 50 anos. E que nunca percamos a coragem de escutar o que ainda não existe.
