Bianca Amaral, um talento brasiliense, desponta no piano erudito
24 dezembro 2023 às 00h01
COMPARTILHAR
Executar o estudo em dó sustenido menor de Frédéric Chopin (1810-1849) exige uma boa dose de agilidade, numa mistura entre a frieza técnica e expressividade oriunda de um lado puramente intuitivo e emocional. A música tem dessas coisas: talvez seja a forma de arte que mais brilhantemente explora os dois lados do cérebro. E a jovem pianista Bianca Amaral, de 20 anos, estudante de bacharelado em piano erudito na Universidade de Brasília (UnB), sabe bem disso. Seus dedos aparentemente curtos não parecem um empecilho para o alcance das notas e dominam a peça de Chopin com extrema leveza e autenticidade. As 88 teclas, entre brancas e pretas, integram sua personalidade de tal modo que as mãos parecem “brincar” sobre elas e tornam-se parte de sua mais profunda expressão pessoal e artística. Quem esteve presente em seu recital de estreia no Auditório de Música da UnB, no evento II Piano em Pauta, no início de dezembro, pôde testemunhar tais habilidades ao vivo.
Em cerca de 40 minutos, Bianca Amaral apresentou Claude Debussy, com participação da soprano Isabella Sacerdote; Johann Sebastian Bach; Ludwig van Beethoven; e, é claro, Chopin, que ficou para o grand finale, numa execução virtuosística de impacto muito positivo junto ao público.
Condicionamento de esportista
Segundo a professora Gisele Pires, coordenadora do Piano em Pauta, Bianca Amaral surpreendeu bastante por ter executado praticamente o dobro do tempo exigido para esta fase como estudante de música. “Treinamos os alunos para, aos poucos, ganharem fôlego e condicionamento, tal qual os esportistas”, compara. “Esse tipo de apresentação demanda muito de quem está no palco.”
Bianca Amaral diz, por sua vez, que, apesar de um certo “nervosismo” antes da performance, ficou muito à vontade na hora “H”. “Consegui me expressar bem e me diverti bastante”, detalha. “Foi uma experiência muito boa para mim e fiquei satisfeita com o resultado”.
Já no sábado, 16, a pianista foi convidada a interpretar novamente a mesma peça que havia feito com Isabella Sacerdote — “Fêtes Galantes, Volume 1” (FL 86), de Debussy —, mas em outro palco “sagrado” da capital federal: o Teatro Levino de Alcântara, na Escola de Música de Brasília (EMB).
Prata da casa
Nascida na capital da República, numa cidade onde os concursos públicos viraram praticamente sinônimos de “sucesso profissional”, Bianca Amaral ousou seguir outra vertente; uma via aparentemente mais tortuosa, sem a garantia da tão propalada estabilidade financeira. Porém, dizem por aí que a música vai além de uma simples profissão. Não é você que a escolhe: ela escolhe você. Seria uma bênção ou uma maldição? Isto, na realidade, depende do próprio “escolhido”. Ou você abraça essa trajetória, ou vive a eterna amargura de nunca tê-la experimentado.
Bianca preferiu perscrutar o mundo das claves de Fá e Sol — utilizadas em seu instrumento —, com pautas cravejadas de figuras musicais, desenhadas em um sobe e desce infindável. As partituras são a tradução gráfica da arte das melodias e dos campos harmônicos. E não basta simplesmente “ler” o que se encontra no papel. A interpretação faz parte do segredo dos bons instrumentistas. E quem domina esta habilidade, pode ficar para a posteridade.
Que o diga o inesquecível brasileiro Nelson Freire, um pianista brasileiro que se foi em 2021, mas deixou um legado respeitável entre os mestres desse instrumento “black tie”.
Gente como Nelson Freire deixa não só uma herança artística, como também discípulos ou, pelo menos, admiradores que tentam seguir o seu caminho, ainda que muitos sigam a passos trôpegos.
Identidade musical
Bianca Amaral, que considera Nelson Freire como uma de suas referências — juntamente com Vladimir Horowitz, Martha Argerich, András Schiff e Maria João Pires —, optou por ser além de uma mera “seguidora” ou fã incontestável: preferiu moldar a própria identidade musical, a qual foi construída desde os 9 anos, iniciados em uma pequena escola na região administrativa do Guará (DF), passando, ainda, pela reconhecida EMB, onde forjou seu talento junto às professoras Cristiane Wogel e Leila Soares, além de ter participado de masterclasses com pianistas internacionais, como Théo Fouchenneret e Jodyline Gallavardin; e do Curso Internacional de Verão (Civebra) com a bielorrussa Halina Kuvshinchikova.
Já em 2021, obteve o terceiro lugar no concurso de piano online “Melhor Sem Palavras-Edição Centro-Oeste”, em que os competidores interpretaram composições de Monique Aragão.
Agora, como estudante de graduação, Bianca Amaral encontra-se sob a orientação do professor Daniel Tarquínio, pianista formado na mesma UnB, na classe de Elza Gushiken em 1986, e pelo Conservatório Rimsky-korsakov da cidade de São Petersburgo (Rússia). “Bianca tem um grande potencial”, constata Tarquínio. “É muito expressiva, talentosa e de memória afiada. No palco, cresce muito como artista”, avalia.
A jovem artista, por sua vez, ressalva: “Ainda estou descobrindo meu caminho na música, mas pretendo aperfeiçoar meus estudos em outro país, no futuro”.
Trecho do estudo em dó sustenido menor (opus 10, n. 4), de Frédéric Chopin: