Bananada uniu duas bandas no palco e elas fizeram o melhor show do festival

17 maio 2017 às 21h25

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E A Ventre Nunca Me Pareceu Tão Distante, como as duas bandas se identificaram, casou o repertório da Ventre com a E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante

Chegamos no Teatro Sesc Centro na quarta-feira (10/5) e parecia que a noite seria para poucos. Menos de dez pessoas aguardavam, 20 minutos antes das 20 horas, o primeiro show da terceira noite do 19º Festival Bananada. A inédita apresentação junta das bandas Ventre (RJ) e E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (SP) começaria em poucos minutos, os técnicos acertavam os últimos detalhes no som das baterias e nada do público.
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O showcase do Dia da Música na programação do Bananada seguiu a lógica do evento que será realizado pela terceira vez no Brasil este ano: entrada gratuita nas cidades em que ele fizer shows. Então não era preciso ter pulseira Bananada Ouro, que garantia uma das 150 poltronas na frente, laterais ou na parte superior do teatro para entrar. Bastava chegar e pegar um ingresso gratuito.
No camarim, a baterista Larissa Conforto, preocupada com um erro de divulgação inicial, questionava a assessora que acompanha as duas bandas naquela noite: “Divulgaram que seria um show às 20 horas e outro às 21 horas, será que o público vai deixar para chegar só mais tarde?”.
Larissa foi acalmada com a informação de que isso havia sido corrigida e todas as matérias que foram publicadas sobre o show conjunto das duas bandas ao mesmo tempo no palco saíram com a informação certa de que era uma só apresentação com os sete músicos ao vivo às 20 horas no teatro.
Menos de cinco minutos antes do horário previsto para o show e o público, que parecia não estar presente 15 minutos antes, começa a ocupar as cadeiras na parte de baixo do teatro. De repente não tinha mais lugar. Sim. Ficou gente de fora. Alguém questiona o sócio fundador do Bananada, Fabrício Nobre, como resolver o problema. “A casa tem uma regra de funcionamento. Se esgotou infelizmente não temos como colocar pessoas acima da capacidade no teatro.”
O baixista Hugo Noguchi, da Ventre, comentava no corredor atrás do palco, momentos antes de entrar em ação, que dava um certo nervosismo por ser uma apresentação inédita. “A gente espera que dê tudo certo ao vivo.” Poucos minutos depois o público poderia ver o resultados dos ensaios das duas bandas juntas, que chegaram em Goiânia no meio da tarde da data do show.
Com 22 minutos de atraso, tempo suficiente para todo mundo se sentar nas cadeiras das plateias inferior e superior, os sete músicos entraram no palco. Sob uma iluminação roxa intensa, o trio Gabriel Ventura (vocal e guitarra), Larissa Conforto (bateria e vocal) e Hugo Noguchi (baixo), da Ventre, e o quarteto Lucas Theodoro (guitarra), Luden Viana (guitarra), Luccas Villela (baixo) e Rafael Jonke (bateria), da E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, ocuparam uma formação com todos lado a lado.
Em uma das baterias juntas no meio do palco, Larissa interrompeu os aplausos com as primeiras palavras: “Primeiramente fora, Temer. Segundamente respeita as mina, porra! Terceiramente Goiânia é foda”. O show foi aberto com Medo de Tentar, do último EP da E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante ou apenas EATNMPTD.
A experiência mais recente em festivais de Goiânia feita por uma banda com duas baterias foi a da Mechanics no Goiânia Noise de 2016. No início esteticamente interessante, ao longo do show se mostrou uma chatice por ter dois instrumentistas fazendo praticamente a mesma sessão em todas as canções.
No caso da Ventre e EATNMPTD, que Larissa chamou no meio da apresentação de “E A Ventre Nunca Me Pareceu Tão Distante”, a coisa fluiu perfeita com cada um dos bateristas incrementando a base da música da outra banda em sintonia superior às expectativas anteriores ao show. Sem intervalo, veio Bailarina, primeira faixa do disco de estreia da Ventre.
PMR, que geralmente fechas os shows da instrumental banda paulistana, veio na sequência de Bailarina. Eu que, por estar trabalhando deveria ser um dos mais comportados na plateia, fui na vibração da música e nem lembrava que estava vendo um show sentado. Outro jornalista atrás de mim comentou “só faltou a cerveja aqui”. “Esse show seria ainda mais perfeito se eu estivesse com uma latinha na mão.”
Nem quando uma corda da guitarra de Gabriel arrebenta e ele precisa trocar de instrumento depois da música, o clima é quebrado. “Essas coisas acontecem, né, bicho?”, brinca. Em seguida outro bom momento com Luccas tocando uma caixa ao lado dos baterista. Além de baixista da EATNMPTD, Luccas é baterista da Inky (SP).
Quando a Ventre executou a canção A Parte, ficou no palco da outra banda apenas o guitarrista Lucas Theodoro. Quando a formação era completa no palco, começava do lado esquerdo por Gabriel ao lado de Luden, seguido por Luccas, Rafael e Larissa, Hugo e Theodoro. A partir desse momento, o show virou um grande revesamento de formações no teatro.
A novidade da EATNMPTD veio com Dayanny, um som que foi incluídos nos shows da banda nas últimas apresentações. Em seguida, Theodoro agradece a todos que fizeram essa proposta de show com as duas bandas juntas possível. “E a quem saiu de casa para ver.” Medo de Morrer teve Larissa nos sintetizadores junto com Theodoro.
Ainda vieram Peso do Corpo (Ventre), cantada por muita gente na plateia, Pequenas Expectativas, Menores Decepções (EATNMPTD) e Carnaval (Ventre), que fez o coro no público aumentar. Foi em Carnaval que Luccas trocou o baixo pela bateria e tocou ao lado de Larissa. “Ih, foi mal, rapaz”, disse Gabriel ao desligar o efeito de repetição da voz no pedal.
Todos na mesma música no palco aconteceu novamente com Mulher, da Ventre. Os versos, que no disco são todos cantados por Gabriel, foram divididos com Larissa. “A gente se sustenta de música, então é importante a venda de merchandising”, diz Larissa ao pública avisando que teria banquinha das duas bandas depois do show.
Mulher, inclusive, foi o momento em que partes de uma música do EATNMPTD eram executadas pelos sete no palco alternadas com outra estrofe da canção da Ventre. “A gente ousa acreditar que a nossa música é muito mais que entretenimento”, declarou Gabriel e arrancou aplausos da plateia.
A única mulher no palco não escondeu a felicidade de voltar ao Bananada, desta vez em duas datas diferentes. Além do show no teatro, as duas bandas fizeram apresentações separadas na sexta-feira (12). EATNMPTD tocou no Palco Spotify, a Casa do Mancha no festival, e a Ventre subiu ao Palco Chilli Beans, o principal.
A verdade é que a missão seria muito complicada de qualquer outro artista ou banda em tentar superar o efeito de sintonia que o show das duas bandas no teatro gerou entre público e músicos, que pareciam vibrar juntos durante todas as 11 músicas. E as pessoas que foram ao show pareciam ter gostado muito do que viram e ouviram. Tanto que a banca com venda de camisetas, discos e adesivos quase enlouqueceu o roadie, que fez as vezes de vendedor do lado de fora do teatro e tentou atender muita gente ao mesmo tempo.
Rock chileno
Deu tempo de sair do Teatro Sesc Centro e ver metade do bom e eletrizante show do duo Magaly Fields na Rock, no Setor Marista. A energia de rock sujo de garagem, cheio de barulheira e sem freio mostrou o revezamento que o guitarrista Tomas Stewart e o baterista Diego Cifuentes fazem no vocal.
E às 22h15 foi a vez de outra dupla do Chile. A Perrosky, formada pelo vocalista e guitarrista Alejandro Gomez, o Perrosky, e o baterista e percussionista Alvaro Gomez, fez o pouco público presente na Rock dançar e se divertir ao som do blues latino com cara de faroeste cantado em espanhol.
Com referências a técnicas do início do blues, Alvaro abusou de recurso pouco vistos em shows de rock como a washboard, aquela espécie de tábua de lavar roupa metálica com dedais de metal na percussão de parte do show. Em alguns momentos, ele abriu mão das baquetas e tocou a caixa da bateria com os dedais.
Perrosky, muito feliz por estar em Goiânia, agradeceu a oportunidade de tocar no Bananada, por onde a Magaly Fields já havia passado em um dos palcos principais em 2015. O show foi um espetáculo interessante e divertido. Mesmo com um português muitas vezes incompreensível, o baterista até que conseguiu se comunicar bem com quem estava ali diante deles.
Já o vocalista tocava guitarra e alternava canções na gaita com outra no kazoo, uma espécie de flautinha ou apito pra lá de barulhento. Os dois usavam uniformes azuis com detalhes vermelhos com o nome da banda bordado. Pareciam caubóis tocando rock.
“Vocês tem revolução na música em Goiânia? Esse é para vocês que são rebeldes”, disse Alvaro em alguns dos momentos de interação com o público. Em outro momento ele pergunta “vocês querem ouvir uma música louca ou tranquila?” e é respondido pelo público com gritos de “louca”. Até teremim Perrosky tocou. Um baita de um show. Mais um na terceira noite do Bananada.
Black Drawing Chalks e Far From Alaska
Infelizmente não deu tempo de ver o show da Trem Fantasma (PR), que saía do palco do Diablo Pub, no Setor Sul, quando cheguei. Em seguida subiram Renato Cunha (guitarra), Victor Rocha (guitarra e vocal), Gustavo Vazquez (baixo), que substituiu Denis de Castro nos últimos shows enquanto ele se recuperava de problemas de saúde, e Douglas de Castro (bateria). Era a vez da Black Drawing Chalks fazer uma apresentação bem encaixada, melhor do que as últimas deste ano.
Com um vocalista que alternava momento de felicidade e bebedeira ao palco, a banda fez uma boa apresentação com um setlist bem parecido aos shows anteriores de 2017. A participação de Denis de Castro, baixista original da Black Drawing Chalks, aconteceu na música Black Lines (I’ll Find a Way), já no meio do show. “Se não fosse por esse cara aqui a gente estava de boa em casa jogando videogame uma hora dessas”, agradeceu Victor à vontade de Denis em manter a banda viva. Denis disse que os integrantes da banda são como irmãos para ele.
Desde 2005 juntos, a banda chegou a dar uma parada nos últimos anos e fazer apenas shows uma ou duas vezes a cada 12 meses. Para compensar o tempo parado, foram executadas The Legend, Precious Stone, Simmer Down, Red Love, Girl I’ve Come To Lay You Down, My Radio, Cut Myself in Two, Black Lines, My Favorite Way, I’m a Beast I’m a Gun, Leaving Home.
Parecia que, depois de muito tempo, a Black Drawing Chalks voltava a se divertir e fazer um bom show, o que não acontecia há muito tempo. Até o baterista Miranda, da MQN, participou do show em My Favorite Way. Detalhe mais do que engraçado em todos os shows da banda é o boné do Douglas com a palavra “marmitex” escrita na aba reta. “Esse é o meu lema. Comida de marmitex é a melhor que tem, moço.”
Um show que chamou a atenção dos músicos da potiguar Far From Alaska, última atração da noite, que pareciam estar bem felizes em dividir o palco com a Black Drawing Chalks na casa dos goianos. “Domingo tem mais no Oscar Niemeyer. Todo mundo sai da missa e vai pra lá”, convocou em tom de brincadeira Renato para o show em que dividiram o palco com a Hellbenders no último dia do Bananada.
O vocalista estava tão solto no palco, muitas vezes com uma garrafa do licor alemão Jägermeister. “A gente já foi patrocinado por essa bebida, hoje não mais”, disse em vários momentos. Tanto que o guitarrista Renato emendou “corta o Jäger, a Aline (Mil, esposa de Victor) falou para o Vitão”. Aline e Victor se conheceram no Bananada de 2007. Este ano os dois completarão dez anos de história juntos.
Grande amostra do disco novo
Entre a saída da Black Drawing Chalks do palco do Diablo Pub e a montagem dos instrumentos da Far From Alaska (RN), o camarim era um enorme amontoado de gente, que contava com amigos, imprensa, bandas, esposas, maridos, namorados, namoradas. Todo mundo conversando muito e a vocalista Emmily Barreto super concentrada sozinha no sofá mexia no celular no meio daquela confusão.
Das várias conversas, o guitarrista Rafael Brasil me disse que a experiência de gravar nos Estados Unidos foi maravilhosa, na qual puderam explorar outras sonoridades e arriscar mais, fugindo do rótulo engessado de stones nas canções do novo disco, Unlikely, pronto para ser lançado. “A gente deve tocar umas cinco novas no show de hoje”, contou Rafael.
E 1h15 da madrugada de quarta para quinta-feira (12), a Far From Alaska começou seu show com uma música nova, bem mais rock’n’roll e menos quebrada do que as faixas do disco modeHuman (2014). Na sequência veio Thievery, a primeira do álbum de estreia, acompanhada de Another Round.
Saciado o desejo dos fãs de ouvir músicas conhecidas, a banda emendou mais uma nova, que foi anunciada como “a primeira vez que ela é tocada ao vivo”. “Caralho! O Black Drawing Chalks. Que porra é essa?”, comenta no palco Emmily sobre o show anterior. É quando chega a vez de Politiks.
Aí aparece uma canção nova que dialoga bastante com o pop e vocais mais limpos. Cris Botarelli, que divide os vocais em algumas músicas com Emmily e cuida dos sintetizadores, se mostrou feliz por poder tocar as músicas novas pela primeira vez ao vivo.
Como todas as faixas novas têm nomes de animal, não foi um espanto anunciarem a próxima a ser executada no show com o título Flamingo, com um rock ainda mais pop em uma bela linha de baixo. “São umas músicas mais dançantes agora”, comenta a Emmily.
Rafael Brasil, o baixista Eduardo Filgueira e o baterista Lauro Kirsch, que estavam em quase todos os shows nos outros dias do Bananada, deixaram o protagonismo da apresentação para Emmily e Cris. E elas comandaram bem a plateia, até na hora das canções recém-gravadas.
De repente, começam a vir gritos da escada que fica na frente de parte do palco. Era Renato, da Black Drawing Chalks, que pedia para Emmily gritar “Vila”. Como ela ficou na dúvida se era “fila” ou “Vila” que ele berrava do alto da escada, esperou que alguém da plateia a ajudasse a entender e gritou “Viiiiiiiiiiiiiiiila” sem nem saber do que se tratava.
Dino vs. Dino deixou a plateia enlouquecida. Aí coube a nova Monkey, que a vocalista explicou ser uma homenagem à cidade de Natal. “Natal é rock também igual Goiânia.” E em seguida foi pra lá de autocrítica e se ironizou no palco: “Vamos tocar uma música… Não. Vamos tocar um poema”. E emendou a Cobra, outra nova, que tem uma melodia mais sombria e explode no meio com mais raiva do que as canções pops mostradas ao vivo do ainda inédito disco Unlikely.
O show foi encerrado com a industrial e cara de fim de apresentação Monochrome, que fecha o primeiro disco da banda. “Who told you it’s easy to be happy?/Who told ya? Who told ya?/Who told you it’s easy to be happy?/Who lied to you?” Se é difícil ser feliz, como diz a letra de Monochrome, pelo menos o show de quarta da Far From Alaska fez muita gente ir para casa com um sorriso enorme na cara. E Emmily pediu em tom de brincadeira: “Espero que vocês não publiquem vídeos das músicas novas antes de elas serem lançadas”. Até ela riu do que falou no palco.