As Intempéries do Vento, poemas de Carlos Willian
10 março 2024 às 00h16
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Elias Antunes
Se a poesia é sobretudo linguagem, uma das preocupações (ou ocupações) do poeta é com a língua, suas buscas, sonoridades, jogo de ideias, intercalação do factual, do efêmero e o eterno, do sublime e o abjeto, do universal e o particular.
Neste belíssimo livro de poesias, “As Intempéries do Vento”, de Carlos Willian Leite podemos ver todo o universo em que, na filosofia, se convencionou chamar de “giro linguístico”, isto é, a dependência, mesmo das ciências, de ser formulada em palavras.
O livro se abre com esta pérola:
“Vós
jamais sabereis
do fogo, do ar,
das águas queimando a língua,
do frio ventre das vertentes
— na cova —
Sepultando sementes!
Dos encantadores de abelhas
E suas abelhas encantadas
(…)”
(Leite, 2000, página 15)
Aqui encontram-se os quatro elementos, evocando a essência do universo. Seria a carne, o homem, melhor dizendo, o quinto elemento? Aquele que manipula os outros quatro para seu proveito e triunfo, conhecedor de sua interdependência de todos os demais?
Ao mesmo tempo esse poema fala da vida e da morte, seus assombros e desassombros, seus símbolos secretos.
“Um dia
não mais por acaso
deixarás do pássaro a inocente doçura
Um dia
e não só por um dia
implodirás com teus demônios
arrebentarás as correntes
que te cingem (ferem) os artelhos
(…)”
(Leite, 2000, p. 33)
Novamente o jogo de contrários da imagem: o anjo na figura dos pássaros e os demônios citados de forma direta.
“Lá onde os sinos dobram
nas pontas dos punhais
e os sonhos morrem nos tonéis de mágoas,
quem herdará de mim o pânico?
quem de mim herdará o caos,
a síndrome náutica da fúria?”
(Leite, 2000, página 67)
O encontro com a palavra, a matéria-prima da obra literária. Neste caso, o poeta sente-se herdeiro dela, de tantos outros poetas que vieram antes. O que fazer, porém com a herança e tradição? Pegar o que há de melhor e trabalhar com isso, ou negar tudo e procurar novos caminhos?
São autores como Pio Vargas, Ferreira Gullar, Polidoro, Yêda Schmaltz, Heráclito, Nietzsche, Nicolas Behr, Allan Poe, Delermando Vieira, Octavio Paz, Carlos Nejar, Dante Alighieri, Valdivino Braz, Marcos Caiado, Fernando Pessoa, dentre outros.
O bom poeta é bom leitor
Dificilmente alguém pode ser um bom poeta, se não for um bom leitor.
“Há de ser pêndulo,
corvo,
o que te fere a paisagem
na fala da tarde apunhalada;
há de ser clave
o que te fere grave
o surdo som da estrada —
ó poeta,
há de ser pessoa,
poema em linha reta,
o que te fere
o que te mede,
o que te pese assim tão torto.
Nada há de ser em teu pesar,
senão o teu sonhar já quase morto.”
(Leite, 2000, página 51)
A caminhada do poeta, seu percurso dentro das estradas da poesia, o tornam um criador gabaritado, consciente da profundidade da arte poética.
“As Intempéries do Vento” é um livro que precisa ser lido e conhecido por todos. E merece novas edições.
Carlos Willian Leite conseguiu com essa obra construir um excelente livro de poemas, numa gleba que respira poesia.
Elias Antunes é poeta e crítico literário.