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Mariza Santana*
Especial para o Jornal Opção

“Família é prato difícil de preparar”. Essa afirmação do personagem Antônio é recorrente no romance “Arroz de Palma”, obra do escritor carioca Francisco Azevedo. Aos 88 anos de idade, ex-proprietário de um restaurante no Rio de Janeiro, o protagonista faz essa comparação ao rememorar a trajetória de sua família, que tem raízes lusitanas. Seus pais, José Custódio e Maria Romana, migraram para o Brasil no início do século XX, ainda recém-casados, acompanhados da tia Palma, em busca de uma vida melhor. Eles se estabeleceram em uma fazenda no interior do Rio de Janeiro.

O que torna a narrativa diferente é justamente o arroz da tia Palma, que se torna um personagem extra e recorrente ao longo do romance. No casamento, ao deixarem a capela onde foi celebrada a cerimônia religiosa, os pais de Antônio receberam uma chuva de arroz. Tia Palma, sem condições dar um presente melhor para os noivos, recolhe todo o arroz e entrega a eles. Mas o agrado seria o motivo do primeiro desentendimento do casal. José Custódio não aprova a iniciativa da irmã, Maria Romana se sente agraciada. E assim o arroz da tia Palma segue escondido nos pertences levados de navio para o Brasil.

Ao longo da história, o arroz da tia Palma passa a representar fertilidade, prosperidade e felicidade, mas também causa inveja e desentendimento entre Antônio e seus outros três irmãos. Isso acontece quando tia Palma, com o consentimento do irmão e da cunhada, decide que o cereal seria novamente presente de casamento, dessa vez no enlace do protagonista com Isabel. Antônio sempre foi diferente de seus irmãos. Sonhador, ouvinte atento das histórias de Tia Palma, um menino quieto, enquanto os demais filhos viviam em brincadeiras e travessuras. “Sou o antônimo, eles são os sinônimos”, conta o primogênito.

A trajetória de José Custódio e de Maria Romana, da tia Palma, dos irmãos, da família da esposa Isabel, tudo é relatado por Antônio com lirismo e sentimento. As frases curtas contribuem para a leveza da narrativa. O leitor acompanha um senhor de 88 anos, escrevendo as   suas memórias, enquanto prepara o almoço para receber toda a família, incluindo filhos e seus companheiros, netos, irmãos, sobrinhos e sobrinhos-netos. Seria um encontro que nunca tinha acontecido antes, quando seus pais e a tia eram vivos. Antônioe é uma pessoa passando a limpo a sua vida, mas sem culpas ou arrependimentos, somente com uma grande sensibilidade e nostalgia.

“Arroz de palma” é daqueles romances sobre os relacionamentos familiares que nos deixam de alma leve, mesmo ao abordar os momentos mais difíceis vivenciados pelo protagonista. Quando Antônio perde seu trio de referência – pais e tia, lamenta o fato de que não terá mais a quem pedir a bênção. Mas encontra no apoio da mulher o sentido para seguir em frente e recuperar a alegria de viver.

Francisco José Alonso Velloso Azevedo, mais conhecido como Francisco Azevedo, é romancista, dramaturgo, roteirista, poeta e ex-diplomata. Nasceu em 1951 na cidade do Rio de Janeiro. O best seller “Arroz de Palma”, lançado em 2008, já foi traduzido em 13 idiomas. É considerado um dos primeiros romances da literatura brasileira a abordar a chegada dos imigrantes portugueses ao Brasil.

*Mariza Santana, jornalista e crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.