Agnès Varda, da nouvelle vague aos nossos dias
14 fevereiro 2019 às 11h27
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Realizadora conta, na tela da Berlinale, como foram seus mais de sessenta anos no cinema
Rui Martins*
De Berlim
Emocionante reencontro. Primeiro, ela, Agnès Varda, sentada na cadeira de realizadora, conta na tela da Berlinale, como foram seus mais de sessenta anos no cinema, filme por filme. Terminada a projeção desse filme-documentário, ela surge em carne e osso, lúcida, expressão verbal fluida e inteligente, com seu corte de cabelo que nunca mudou e que lembra o dos nossos índios. E começa a conversar com os jornalistas.
Tive vontade de contar também como alguns de seus primeiros filmes estavam ligados ao começo de minha carreira de jornalista. Decidi guardar para mim minha erxperiência pessoal, nada de auto-show. Conto só aqui, já quase no final desta Berlinale, partilhando de certa forma, com Agnès Varda, algumas recordações.
Vi Cléo de 5 a 7, em São Paulo, não me lembro exatamente em qual cinema. Nessa época, sem o domínio atual da distribuição norteamericana, era possível assistir na capital paulista os filmes franceses, talvez com certo atraso. O primeiro filme de Agnès Varda é de 1962, talvez tenha sido exibido em São Paulo em 1963-4.
Porém, me lembro muito bem do cinema no qual passou Le Bonheur. O cinema não deve mais existir, poderei checar na minha próxima viagem. Mas era numa galeria da rua Barão de Itapetininga. Lançado em 1964, devo ter visto em 1965, já repórter do Estadão, onde lia atentamente a página de cinema do Rubem Biáfora. Quem sabe seria um minifestival de cinema francês.
Quando na Berlinale, Agnès Varda mostrou algumas cenas de “Le Bonheur” me lembrei até do momento em que descia a escada rolante para ver o filme. Coincidência, vivíamos o começo da ditadura militar com Castelo Branco, era ainda light, se assim podemos definir. Hoje, vivemos não uma ditadura militar, mas o início ainda light de um governo de extrema direita. Espero que a comparação termine aí e que esse governo não nos leve também a uma gradativa eliminação da liberdade de expressão e à repressão.
Mesmo porque minha segunda lembrança forte de Agnès Varda, foi em Paris, onde já estava exilado desde agosto de 1969. Uma lembrança indireta, não vi Varda, mas estive no estúdio de seu marido Jacques Demy, para uma entrevista logo depois do sucesso do filme Os Guarda-Chuvas de Cherbourg. O Brasil nessa época vivia uma violenta ditadura. Que a história não se repita.
O que mais contar de Agnès Varda? Que ela deixou seus cabelos embranquecerem, mesmo porque está com noventa anos? Que sua filha Rosalie e seu filho Mathieu viajam com ela em suas conferências com o público francês e na escolha de novos projetos? Sim, porque Agnès Varda, pelo jeito ainda não se aposentou e seu documentário Varda par Agnès não será seu último filme.
*Rui Martins, em Berlim, convidado pelo Festival Internacional de Cinema