Adeus ao camarada Filipe Guerra, tradutor do russo para o português

15 julho 2025 às 19h13

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Astier Basílio
De Moscou
A última vez que nos falamos, ou melhor, nos escrevemos foi em fevereiro.
Filipe Guerra se desculpou pela ausência de notícias, me informou que andava ocupado com a fase de tratamento, que estava tudo a correr bem.
Estava às voltas com a preparação de um livro de contos, crônicas e outros apontamentos. Escreveu-me para incluir meu nome nos agradecimentos.
Foi minha a iniciativa de fazer contato. Escrevi- ao mestre da tradução do russo em 2021. Solicitei sua amizade no Facebook. A partir daí nasceu uma amizade que teve como ponto de convergência a paixão que nós tínhamos pela poesia de Óssip Mandelstam, que Filipe e Nina Guerra traduziram no que é, até o momento, o único livro em língua portuguesa dedicado exclusivamente a ele. Tínhamos ainda em comum a preferência por traduzir valendo-se exclusivamente do original em russo sem cotejo com traduções em outros idiomas.

Mantínhamos correspondência mais ou menos regular, além de conversarmos sobre assuntos gerais como a poética oral nordestina e sua prática em Portugal, sobre poesia portuguesa. Lembro que me pediu indicações de onde comprar a obra reunida de Monteiro Lobato.
Infelizmente, não foi possível encontrar com Filipe pessoalmente. Da vez que marquei uma viagem a Lisboa, tive de desmarcar às pressas devido a um problema na retina.

Mais de uma vez fui agraciado com sua generosidade. Recebi de presente os livros de memória de Nadejda Mandelstam, editados em Portugal, enviados por Filipe à casa dos meus pais, em Campina Grande.
Mandou-me ainda o seu “Crepúsculo da Liberdade”, traduções da prosa e da poesia de Mandelstam. Para este volume, convidou-me para que eu traduzisse o ensaio sobre Dante, mas, por complicações com a editora, não foi possível que eu participasse do trabalho.
Meus sentimentos à Nina.
E ficamos cá na terra sempre tristes.
Astier Basílio, escritor, tradutor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.