“A Viúva Grávida”, de Martins Amis, é uma história da revolução sexual dos anos 1970

20 setembro 2020 às 00h00

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As idílicas férias de verão, usufruídas por um grupo de jovens ingleses em um castelo da Campânia italiana, vão definir o futuro e o amadurecimento de cada um deles; protagonista faz uma reflexão sobre os caminhos que se adota na vida
Mariza Santana
Especial para o Jornal Opção
Um grupo de jovens ingleses aproveita os dias quentes do verão europeu em um castelo da Campânia italiana, no ano de 1970, época em que a revolução sexual estava no auge e a Europa ainda se recuperava do trauma e da destruição causadas pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Keith Nearing, estudante de literatura inglesa, curte as férias, acompanhado da namorada Lily, que cursa direito; e da amiga dela, a sensual Scheherazade, estudante de matemática.
Os momentos de lazer se desenvolvem em torno da piscina do castelo, onde a linda Scheherazade exibe os belos seios de monoquíni; causando forte impacto no jovem Keith, que fica cada vez mais encantado com sua exuberância e beleza física. No grupo de personagens ainda se juntam o conde italiano Adriano, milionário, mas de pequena estatura e chamado de Pequeno Polegar; e Gloria Beuatyman, a moça que usa maiôs antiquados e vira motivo de chacota entre as garotas universitárias; entre outros personagens.
A primeira parte do romance de Martin Amis se desenrola assim, modorrento como o calor italiano, no clima das férias de verão, em torno da piscina, nos encontros na sala de jantar ou nos passeios do grupo pelas ruas e vielas da cidade italiana. Mas no dia do aniversário de 21 anos de Keith, um encontro no castelo muda o rumo da história e também dá novo ritmo aos acontecimentos.
Esse episódio vai impactar a vida do protagonista Keith, irá marcá-lo para sempre. Tanto que, quarenta anos depois, mesmo após três casamentos e quatro filhos, ele se lembrará daquelas férias da época da juventude. E de como seu amadurecimento foi talhado por aquele período vivido em território italiano.
“A Viúva Grávida — Uma História dos Bastidores” (Companhia das Letras, 525 páginas, tradução de Rubens Figueiredo), título do livro, é uma referência à mãe de Keith, que era órfão, foi adotado por um casal e teve dois irmãos de criação — Nicholas e Violet. Nicholas é seu confidente, sempre ouvindo os relatos de suas aventuras amorosas e sexuais. Violet é a irmãzinha querida, que se torna uma mulher com compulsão para o sexo. Além disso, o melhor amigo de Keith, Kerik, também é filho de mãe viúva.
O romance é recheado de citações literárias, referências a obras clássicas da literatura mundial e a escritores consagrados — como as britânicas Emily Brontë e Jane Austen, entre outros —, assim como a seus personagens, e contém trechos de romances famosos. Afinal, Keith é estudante de literatura inglesa e, mesmo de férias, não deixa de levar para a piscina seus livros, que devora compulsivamente. Essa homenagem do escritor à literatura encorpa a narrativa, mas pode deixar os não iniciados meio perdidos.

Martin Amis abusa dos diálogos e também do espaço-tempo no início da obra. Em um momento o protagonista é jovem, está de férias na Itália. No outro já se passaram 40 anos e ele, em Londres, rememora o que aconteceu; e reflete sobre a vida, fato comum entre homens maduros.
O escritor britânico tem 13 livros publicados, é filho de pais divorciados (seu pai é o celebrado poeta Kingsley Amis) e estudou na Inglaterra, na Faculdade de Exeter, na Espanha e nos Estados Unidos. Parte do narrado em “A Viúva Grávida” tem ares autobiográficos, o que é normal — já que as experiências pessoais são matéria-prima da literatura desde sempre.
Mas é na linguagem adotada pelo escritor sua maior diferença de outros colegas da profissão, pois demonstra sua sofisticação no trato com a narrativa. Seja na forma de apresentar os personagens (aliás, sem muita apresentação, o leitor vai juntando aos poucos o quebra-cabeça das informações a respeito de cada um), nas idas e vindas ao longo do tempo sem nenhuma cerimônia, nas citações literárias que dão escopo ao livro; ou no surpreendente final, que nos aponta uma visão daquela geração pós-guerra que viveu intensamente a revolução sexual.
As personagens femininas são destemidas, libertárias, independentes, donas de seu próprio destino (embora nem sempre, pois também valorizam costumes arraigados, o que, ao invés de ser uma contradição, é normal). A obra é um retrato de uma época e de uma geração, de um grupo de pessoas que hoje, já em plena maturidade, olha para o passado, para a época da juventude, com saudosismo, e também como fonte para a reflexão sobre o sentido da vida.
Mariza Santana, jornalista e crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.