A Travessia, de Cormac McCarthy, é uma das maiores epopeias da história da literatura
04 agosto 2024 às 00h00
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Carlos Willian Leite
A primeira vez que li “A Travessia”, o segundo volume da trilogia “Da Fronteira”, foi numa edição portuguesa da Relógio D’Água, traduzida por Paulo Faria. Durante anos, a obra de McCarthy esteve esgotada no Brasil, e algumas edições, quando encontradas em leilões, chegavam a custar 1500 reais. No início de 2023, a Alfaguara reeditou os três livros da trilogia, além da magnum opus de McCarthy, “Meridiano de Sangue”. Devido à amplitude do vocabulário e à diferença significativa entre o português do Brasil e o de Portugal, decidi reler todos os volumes da trilogia.
No romance, Billy Parham, um jovem de 16 anos, atravessa dos Estados Unidos para o México com o objetivo de devolver uma loba, que estava atacando o rebanho da região onde morava — e que ele se recusou a matar após capturá-la — à sua alcateia nas montanhas mexicanas. O cenário de “A Travessia” são os ranchos do Sul dos EUA, com suas paisagens áridas, durante os anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), retratando a vida real, crua e brutal, além das fronteiras da fazenda onde vivia. A jornada de Billy tem um impacto em sua vida que irá acompanhá-lo para sempre.
Amadurecimento e a perda da inocência
Quando Billy retorna para casa, descobre que a vida que conhecia havia desaparecido e de modo trágico. Seus pais foram assassinados e tudo o que restou do mundo anterior são seu irmão Boyd, dois anos mais novo, e o velho cachorro da família. Ele percebe que seu próprio mundo mudou de forma irreversível e que o amadurecimento forçado e a perda da inocência têm um preço elevado, muitas vezes superior ao que se pode pagar.
Junto com o irmão, Billy resolve refazer o caminho que havia percorrido sozinho, com o objetivo de recuperar os cavalos da família, que foram saqueados quando seus pais foram mortos. A viagem dos irmãos se transforma em uma das maiores epopeias da história da literatura moderna.
Em um lugar onde a vida de um homem vale tanto quanto uma dose de uísque, Billy e Boyd precisam sobreviver enfrentando a fome, o frio, saqueadores e balas, numa luta desesperada pela sobrevivência. Como em toda a literatura de McCarthy, não há redenção aqui. E cada novo amanhecer, com sua beleza sombria e desoladora, traz apenas uma única certeza: cada plano que fazemos parece ser uma afronta a Deus, pois a única verdade tangível é o inexorável tempo presente, e o único realismo possível reside no agora.
Nota: 9,5
Carlos Willian Leite, jornalista, poeta e editor da “Revista Bula”, é colaborador do Jornal Opção.