Mariza Santana

Carlos Eduardo é um professor universitário da cátedra de literatura. Solteiro convicto, mora sozinho e isolado com seus livros. Cada ano ele vive uma aventura amorosa com uma de suas alunas do último ano do curso. Quando a eleita se forma, rapidamente é substituída por outra no início do novo ano letivo, sem grande envolvimento sentimental.

Mas eis que, de repente, um amor do passado ressurge para abalar seu cotidiano. Solange, a paixão de 20 anos atrás, agora uma política conhecida e pré-candidata a prefeita, precisa da ajuda do professor universitário, já que não confia em mais ninguém. O professor, antes uma pessoa pacata, vai se envolver com um radialista corrupto e com assessores políticos da amada, com o objetivo de protegê-la e resolver um caso de chantagem cujo alvo é Solange.

Acostumado a se refugiar nos livros, dessa vez Carlos Eduardo se vê envolvido em um novo mundo, completamente estranho. O romance “A Primeira Mulher”, do escritor paranaense Miguel Sanches Neto, parece despretensioso, com um protagonista comum, sem brilho, muitas vezes covarde ou omisso (como é no relacionamento com a mãe, pois embora seja filho único, não tem fortes laços afetivos com sua genitora). Ou seja, ele é um cidadão normal, sem brilho, com um emprego público e sem grandes ambições, inclusive no que é relacionado a sua carreira acadêmica.

Mas no desenrolar do enredo, vamos percebendo que ele enfrenta a crise da meia-idade. Aos 40 anos, começa a perder o vigor da juventude, embora continue se relacionando com jovens estudantes. Ao mesmo tempo, experimenta o retorno do relacionamento com Solange, um sentimento mais maduro, o que não o impede de continuar suas aventuras sexuais pela cidade, seja com uma empregada da própria Solange, ou na procura pelos serviços de uma prostituta. Carlos Alberto é um homem em busca de si mesmo, depois de quatro décadas de vida.

Miguel Sanches Neto: uma das vozes poderosas da literatura brasileira | Foto: Reprodução

Miguel Sanches coloca o protagonista muitas vezes em um bar, se encharcando de chope, sozinho ou na companhia do radialista Porrada. Mesmo nos momentos em que está empenhado em solucionar o problema de sua amada-política, seu comportamento é de quem não tem um objetivo na vida, mas surfa por ela sem um destino definido. Seus amores são temporários, sua perspectiva é praticamente nula. Ele segue assim até o final, quando perde sua zona de conforto e vai em busca do verdadeiro porto seguro (que não vou revelar qual é para não tirar a surpresa do leitor). “A primeira mulher” é um romance que você vai lendo de forma despretensiosa até o desfecho, que considerei bem elaborado. Mas é um livro basicamente sobre o universo masculino, onde as mulheres, seja a primeira ou as seguintes, são simples coadjuvantes no drama de meia-idade de professor Carlos Alberto.

Miguel Sanches Neto é escritor, professor universitário e crítico literário. Natural de Bela Vista do Paraíso (PR), foi colunista da “Gazeta do Povo”, de Curitiba. Também contribuiu para outros veículos de comunicação. Publicou mais de 600 artigos de crítica literária. Foi laureado com o Prêmio Binacional das Artes e da Cultura Brasil-Argentina. É autor de mais de 30 livros, entre romances, crítica, poesia, crônicas e contos. O romance “A Primeira Mulher” foi publicado em 2008. Atualmente ele é reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR).

Mariza Santana é jornalista e crítica literária. E-mail: [email protected]