Mariza Santana

O filósofo grego Sócrates dispensa apresentações. Considerado o pai da filosofia ocidental, sua obra é conhecida por meio de escritos de seus discípulos, principalmente Platão e Xenofonte, assim como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes. Condenado por um júri de cidadãos à morte por envenenamento por cicuta, sob a acusação de corromper a juventude ateniense, deixou um legado filosófico que perdura até os dias atuais.

No romance “A Gargalhada de Sócrates”, o escritor mato-grossense radicado em Goiás Nelson Moraes Alves, com toda a licença poética que a literatura permite, recriou os últimos dias de vida de Sócrates, já no cárcere e à espera do cumprimento da sentença, com um detalhe peculiar. Seu desafeto Aristófanes passa a se encontrar secretamente à noite com o filósofo, com a desculpa de que desejava escrever uma nova peça teatral sobre sua vida. Mas, na realidade, as conversas com o condenado versam sobre uma série de assassinatos em Atenas, tendo como vítimas alguns sofistas.

O livro é narrado por Aristófanes, que detalha toda a saga dos últimos 30 dias de vida de Sócrates e a busca pelo autor dos crimes, por meio de diálogos com seu filho Filipos. Doente e já à beira da morte, o comediógrafo, como é apresentado na obra, relembra os improváveis acontecimentos que o ligaram a Sócrates naquele período. Um detalhe é que as altas autoridades atenienses envolvem o dramaturgo nas investigações dos assassinatos, pois ele é quem recebe anonimamente cacos de cerâmica com inscrições filosóficas, que poderiam ser de autoria do assassino. E essas mesmas autoridades estavam dispostas a manter os casos em sigilo para não causar pânico entre os cidadãos.

A obra “A Gargalhada da Sócrates” é escrita por meio de diálogos, o que torna a trama fluida e interessante. E o que poderia ser um assunto espinhoso, crimes em série e discussões filosóficas, é apresentado com uma leveza que encanta e envolve o leitor, que fica sempre em busca do próximo capítulo para seguir o desenrolar da trama. A narrativa também tem um ar cômico, porque dois antigos desafetos se unem para desvendar os crimes, que até mesmo um investigador especialista contratado de Esparta não conseguiu resolver.

De forma despretensiosa, o escritor vai colocando os fatos, a atuação importante de Aristófanes, que é o protagonista, sua relação com o filho na narração dos fatos, os debates com Sócrates em seu cárcere, o aviso dos discípulos do grande filósofo, o encontro com a esposa dele, Xantipa. Tudo vai desenrolando até culminar no fato de que todos sabemos, pois isso já é história, a morte de Sócrates. Até o desfecho, que é lógico como a própria lógica do filósofo, mas que deixa um romance bem concatenado, do início ao fim.

O livro “A Gargalhada de Sócrates” foi lançado em 2019 em sua versão impressa, conforme reportagem publicada pelo Jornal Opção no dia 18 de fevereiro daquele ano. Antes, havia sido lançado pela Amazom, na versão e-book, em novembro de 2018. A obra foi apontada como um dos dez melhores romances do ano de 2018, segundo votação promovida pela “Revista Bula”, com 1,2 mil leitores. Passados cinco anos do lançamento do livro impresso, a sensação que se tem é que a obra mantém o frescor e garante ao leitor momentos de puro entretenimento literário, ao se ver transportado à atmosfera da Atenas clássica.

Mariza Santana é crítica literária e jornalista.