A crônica me buscou de volta

29 junho 2020 às 13h09

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Fui repórter: onde estava o fervilhar do fato, eu me fazia munido de um pequeno bloco de papel e de caneta, buscando a notícia até mesmo dentro de hospícios e cabarés
Gabriel Nascente
Há bem uma penca de anos que eu não manuseio a palavra no deleitável universo da crônica. À guisa de que furtaram o meu espaço. Goiás expulsou Goiás de dentro de Goiás, e fiquei órfão de redação de jornal.

Tive arrufos de raiva, cacarolei e fremi, um tanto quanto mofino, desventurado, mas frenteei o satã pelos chifres. Fedeu.
E agora, sem essa de pose literária, eu volto, orgulhosamente pescado pela bateia generosa do jornalista Euler de França Belém, que, por WhatsApp, me disse: “Gabriel, será um prazer tê-lo como cronista”. Então, vamos à lida, escrevinhar. Meu pai — o Seu Tunico da marcenaria —, bradava: “Taca os peitos, Bié, que a vida é dura!”
Dessa sentença, eu trouxe a coragem para desafiar o gamão da minha sorte, atravessar a ponte e vencer o rubicão. Como? É coisa de Tirésias.

De todas as redações de jornais, por onde passei (do lendário “Cinco de Março” à gloriosa “Folha de S. Paulo”, da Barão Limeira): como menino “foca”, devoto do jornalismo, e árdego de sonhos, eu trouxe a lição do aprendizado: a fidelidade pela profissão. E nunca subi mais alto que os calcanhares do príncipe, pois sempre pratiquei o duo filosófico dos meus princípios: ter humildade e ousadia.
Como crônica de première neste requintado espaço do Jornal Opção, optei-me por relembrar os românticos e bravos tempos da minha incursão pelo jornalismo. Em cujo montante de experiência, eu sorvi a minha poesia. E conto. Fui repórter presencial, de corpo a corpo, e lá onde estava a notícia, o fervilhar do fato; aí eu me fazia munido de esperteza, de um pequeno bloco de papel e de caneta, buscando a notícia até mesmo dentro dos hospícios, ou dos cabarés de pontas de ruas. Na maioria das vezes, em companhia de um destro fotógrafo.

Fugi de uma pauta sobre piolhos
Certa feita, a jornalista Consuelo Nasser, me passou uma pauta, no mínimo, de jocosa bizarrice. Escrever uma matéria sobre uma invasão de piolhos nas escolas de Goiânia. E me veio à cabeça a imagem do professor Múcio Teixeira, do Instituto Araguaia, que, às pressas, procurei para uma entrevista. E ele, a mim, fez troça: “Essa não, seu repórter! Eu aqui abarrotado de problemas educacionais, e você me vem atrapalhar a vida, com perguntas sobre piolhos? Vê se arranja outro assunto, e depois você volta”.
Perdi o tesão sobre a matéria e fui beber cerveja. No dia seguinte, a doutora Consuelo me chamou em sua sala: “Cadê a reportagem sobre os piolhos?” Enfrentei a fera, respondi: “Sabe, doutora, da próxima vez, a senhora me escala para temas diferentes, porque desta, eu saí da primeira escola que entrei, com uma coceira desgraçada. Já passei até querosene para me livrar da curuba”. Ela caiu na gargalhada.
A remexer, agora, esta colmeia de lembranças, postado eu aqui no cume existencial da ladeira dos meus setent’anos, costurei todas as matérias que escrevi para jornais e revistas, em dezesseis grandes pastas encadernadas, sob o título geral de “Memorial Jornalístico”. A disposição dos tempo ou do sumiço.
Gabriel Nascente, escritor, é colaborador do Jornal Opção. E-mail: [email protected]