60 anos de Brasília e suas relações com o Entorno do Distrito Federal

23 maio 2021 às 00h00

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Doutor pela UnB, o arquiteto Pedro Henrique diz que, apesar de “fora” do eixo, Caldas Novas e Pirenópolis estão vinculadas à metropolização conjugada por Goiânia e Brasília
Ademir Luiz
Especial para o Jornal Opção
O arquiteto e pesquisador Pedro Henrique Máximo é um dos mais promissores jovens acadêmicos brasileiros. Sua tese de doutorado “O Entre-Metrópoles Goiânia-Brasília: História e Metropolização”, defendida na Universidade de Brasília (UnB), orientada pelo professor Ricardo Trevisan, venceu o Prêmio Brasília 60 anos. Nesta entrevista, o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Goiás fala sobre o conceito de entre-Metrópoles, sobre Brasília ser ou não uma cidade “necrosada”, as relações entre os municípios do Entorno do Distrito Federal com Goiânia e Anápolis.

Sua tese “O Entre-Metrópoles Goiânia-Brasília: História e Metropolização”, orientada pelo professor Ricardo Trevisan, venceu o Prêmio Brasília 60 anos. O que significa o conceito de “entre-Metrópoles”?
O entre-Metrópoles foi uma compreensão que surgiu antes mesmo de entrar no doutorado no Programa de Pós-Graduação da FAU-UnB. Como iniciei um curso de Artes Visuais na UnB, em Brasília, em 2009, ao mesmo tempo que cursava Arquitetura e Urbanismo na UEG (Anápolis) desde 2007; e depois, morando em Goiânia, trabalhando em Goiânia e Anápolis e cursando mestrado na FAU-UnB (2012-2014), sempre me referi a essa minha vida “nômade” como “vida em trânsito entre-Metrópoles”. Essa noção de vida urbana expandida, dilatada pelo território, foi o cerne da questão que queria investigar no doutorado, porque sempre notei uma imensa quantidade de pessoas que diariamente se deslocava entre elas. À época cerca de 65 mil pessoas/dia. Então, me perguntava: como as coisas (usos, funções, equipamentos, infraestruturas etc.) estão distribuídas no território a fim de mobilizar tal dinâmica regional?
Pirenópolis, Caldas Novas e Rio Quente
Ricardo Trevisan, meu ilustre orientador, foi quem me auxiliou a entender que os motivadores urbanísticos e territoriais dessa vida urbana expandida poderiam se tornar objetos de tese. Para mim era uma impressão, mas para ele era a possibilidade de aprofundar estudos sobre o fenômeno regional de “eixo Goiânia-Brasília”, termo que refutei na tese (e continuo refutando). Então, o entre-Metrópoles é uma espessura espacial (de abrangência regional ou até mesmo territorial) sujeita e subordinada aos desígnios e processos de metropolização do espaço, que são, neste caso, conjugados pelas metrópoles Goiânia e Brasília. O entre-Metrópoles não se configura no formato de eixo (linha ou vetor), mas de modo radial. O espaço entre elas é aquele que materializa as tensões exercidas por elas, mas não somente. Pirenópolis está apartada do eixo. Caldas Novas e Rio Quente também. No entanto, apesar de “fora” do eixo, estão profundamente vinculadas à metropolização conjugada por Goiânia e Brasília.

Um dos debates teóricos mais importantes de sua tese é a diferença entre urbanização e metropolização. Como compreender essa diferença no eixo Brasília-Anápolis-Goiânia?
A urbanização compreendida na tese diz respeito ao processo histórico-geográfico de consolidação das áreas urbanas por parte da imigração e crescimento populacional, mas não somente isso. Diz respeito, sobretudo, a um fenômeno normalmente sombreado por essa discussão que é a instalação e expansão da sociedade urbana ou do urbano como característica fundamental deste fragmento do território nacional. Estes dados, na tese, podem ser vistos a partir das discussões urbanísticas e de planejamento que pautaram a expectativa da organização dos modos de vida específicos nas cidades e enfrentamento das consequências dos processos migratórios e dilatação do território. A metropolização, por sua vez, diz respeito aos conteúdos que circulam pelo território impulsionados pelas metrópoles e que se materializam nelas e nos espaços por elas subordinados.
A título de uma exemplificação simplória, os cortes de cabelo. Para que se reproduza o corte de cabelo de uma jornalista do jornal do meio-dia produzido pela equipe de preparação das emissoras em uma cidade pequena, é necessário a atualização intraurbana das técnicas de cortes, portanto, uma modernização do fazer que se dá nos salões e expostos nas ruas e espaços de encontro da cidade por quem decide cortá-lo. Em um nível mais complexo, os postos de combustíveis nas cidades pequenas passam a assimilar espaços acoplados, as lojas de conveniência, expressivamente comuns nas metrópoles, às vezes com a mesma qualidade de serviços e produtos. Em um nível de maior complexidade ainda, temos os condomínios de chácaras, as chamadas “segunda residência” ou “casa de final de semana” que está para além das áreas delimitadas administrativamente como urbanas em Teresópolis de Goiás, Abadiânia e Alexânia, mas também em Corumbá de Goiás e Pirenópolis. Estes locais de lazer e descanso se opõem diametralmente à metrópole. Por se oporem, estão dialeticamente relacionados a ela. A urbanização é a abertura à metropolização. Ambas estão intimamente relacionadas.

Brasília e a terceira onda de modernização
Anápolis e Goiânia antecedem historicamente Brasília. Qual o impacto da construção de Brasília para as duas cidades, considerando que na época da transferência da capital federal para o Centro-Oeste, Anápolis era maior e mais importante economicamente do que Goiânia?
Brasília trouxe uma terceira onda de modernização para a hinterlândia brasileira, seguida do impacto da Ferrovia Goyaz e da construção de Goiânia. As ondas duram tempos diferentes a depender do impacto. Brasília trouxe uma onda que ainda repercute no território, mesmo 61 anos depois. Mas vou me deter ao impacto imediato do período de construção aos primeiros anos de Brasília: 1) modernização das infraestruturas — é possível elencar desde a implementação das rodovias federais à implantação e ampliação de aeroportos; à mobilização explosiva da estrada de ferro, mas também seu posterior declínio; à providência de melhores condições de produção e fornecimento de energia elétrica; à criação de represas de abastecimento de água; implantação de empresas de mineração nas imediações do Distrito Federal que serviam também a Goiânia e Brasília, entre outras, que configuraram no território uma imensa bacia de empregos; 2) mobilização populacional — movimentos de imigração configuraram uma verdadeira constelação urbana inicial, com a criação de cidades novas no interior do Distrito Federal, em Goiás, como Abadiânia, Alexânia e Cocalzinho de Goiás além do fortalecimento, consolidação e expansão das cidades preexistentes, como Goiânia e Anápolis. O impacto mais visível e perceptível no cotidiano de Goiânia e Anápolis certamente foi esse; 3) refinamento urbano-arquitetônico — Brasília trouxe um refinamento urbanístico e arquitetônico para a região, mesmo em cidades pequenas e novas, que foi sentido de imediato, à época ainda da construção da rodovia Brasília-Anápolis, antes do início da construção da nova capital. Novos técnicos, profissionais e empreiteiras chegavam à região, e com eles, saberes técnicos já praticados nas cidades mais desenvolvidas no território brasileiro passaram a ser praticados, em especial em Anápolis, por desejo de sua burguesia endinheirada. A arquitetura erudita se tornou mais comum nas cidades. A arquitetura popular deu um salto. A grande maioria das populações urbanas ali queria viver em um fragmento da modernidade trazida por Brasília. Vou me deter nestes três, mas teriam outros tão importantes quanto.
Qual o papel exercido pela estrada de ferro no entre-Metrópoles? Ele mudou a partir da opção do governo de Juscelino Kubitschek pelo transporte rodoviário?
Durante a construção de Brasília, a Estrada de Ferro operou em seu máximo potencial. Ajudou diretamente no processo de configuração espacial inicial do que viria a ser o entre-Metrópoles anos depois. Produtos específicos para tirar Brasília do papel eram trazidos para o interior do Brasil por ela e, neste sentido, ela foi fundamental, inclusive para o cumprimento dos prazos estabelecidos para não deixar a nova capital como um grande canteiro de obras fantasma repleto de edifícios e infraestruturas incompletos. No entanto, posteriormente, entrou em ostracismo. O modo selecionado por Kubitschek, o rodoviário, tinha relação direta com as indústrias automobilísticas localizadas em São Paulo. Uma aposta, à época, extremamente modernizante para a economia e para a experiência no território. No entanto, se mostra falha, limitada e ultrapassada para nossos dias, especificamente para o setor logístico. É necessária uma combinação de infraestruturas de modos de transporte diferentes dada a complexidade que os territórios produtivos da hinterlândia foram conquistando ao longo do tempo.

Brasília deveria ter sido “tombada”?
No livro “História da Arte Como História da Cidade” (Martins Fontes, 288 páginas), Giulio Carlo Argan define Brasília como uma cidade necrosada, justamente em função de ter nascido “tombada”. Em sua tese, Brasília ser reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade surge positivamente. Como equalizar essas duas perspectivas?
Parece inconcebível uma jovem cidade nascer e logo depois ser tombada com apenas 27 anos de idade. Este susto causado em 1987 à comunidade global, por sua vez, é causa de desconhecimento. Carlo Argan, ilustríssimo intelectual, provavelmente desconhecia a densidade histórica e o volume de pesquisas que levaram ao reconhecimento de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade por parte da Unesco e sua posterior inscrição no Livro do Tombo Histórico por parte do IPHAN, em 1990.
As restrições impostas por seu reconhecimento e tombamento não são as mesmas para uma cidade italiana. Brasília foi tombada, resumindo, nas escalas de sua paisagem. Não está fechada às transformações urbanísticas, pelo contrário. Se compararmos o Eixo Monumental de 1987 com o Eixo Monumental de 2021 levaremos um susto. A patrimonialização de Brasília não a congelou no tempo, não necrosou seu tecido urbano, mas garantiu, a partir de suas escalas, certas permanências evidentemente inovadoras e características para que as gerações futuras possam gozar de sua especificidade como cidade de origem modernista. Isso, para um país cujo setor imobiliário, como bestas-feras famintas, enxerga em cada metro quadrado de solo urbano a possiblidade de exploração e lucro, é um ato de resistência.
Carlos Lacerda (que foi governador da Guanabara), sobrevoando Brasília, teria dito: “Então é aqui que o governo se esconde”. Gilberto Freyre considerava Brasília como uma cidade que não levou em consideração as pessoas comuns em sua concepção urbanística, privilegiando um discurso arquitetônico apologético ao poder do Estado. Como analisa essas críticas?
Lembro-me bem dos adjetivos de Claude Lévi-Strauss sobre Goiânia quando a visitou em 1937: bárbaro, desumano etc. Estava errado. Intelectuais do gabarito de Argan, Jane Jacobs, Marshall Berman erraram quando se referiram a Brasília. É o caso de Gilberto Freyre. Brasília foi concebida em sua totalidade, mas as escalas, que a meu ver são as técnicas mais importantes do planejamento, foram preservadas. Há a escala Monumental, trecho destinado à manifestação do poder e imponência do Estado. Mas há a escala residencial, trecho destinado às pessoas e adequado ao caminhar humano. A segregação socio-territorial, que pode estar implícito no termo “pessoas comuns” não é problema de projeto, mas de gestão. Temos que separar estes fatores para criticá-los e atacá-los à medida que são responsáveis por certas características que a cidade ganhou ao longo do tempo. Já sobre a fala de Carlos Lacerda, pouco tenho a comentar. Diretamente interessado na permanência da capital federal no Rio de Janeiro, pouco contribuiu para um debate sério sobre o desenvolvimento da nação, a não ser reforçando a consciência da classe média brasileira de que o problema nacional é a corrupção. Uma ladainha cansativa, pouco esclarecedora e nada resolutiva. A fratura produzida pela desigualdade territorial só poderia ter sido resolvida com a ocupação das áreas esvaziadas. Equação simples.

Asterisk City, Vector City e Knot City
O sr. definiu Goiânia como “Asterisk City”, Brasília como “Vector City” e Anápolis como “Knot City”, a partir de suas características históricas, arquitetônicas, urbanísticas e geográficas. Em linhas gerais, o que cada uma dessas definições representa?
Goiânia, a Asterisk City, é fruto de seu planejamento inicial, assim como Brasília, a Vector City. Attilio Corrêa Lima projetou o Setor Central e o seu primeiro asterisco, a Praça Cívica, ponto para o qual convergem e irradiam vias. Sua expansão se deu por asteriscos. A malha viária de Goiânia é repleta de asteriscos, de norte a sul, de leste a oeste. Uma constelação. Lucio Costa projetou Brasília como o cruzamento de duas rodovias, dois eixos, dois vetores: norte-sul, Leste-Oeste. Este modelo vetorial foi replicado nas cidades-satélites e na proposição da trama de rodovias do Distrito Federal, estipulando uma experiência urbanística em vetores. Sobre ambas, Asterisk e Vector Cities, falamos da imagem original. Estas imagens foram produzidas por seus desenhos e por suas rasgaduras no chão ao serem implantadas, momentos devidamente fotografados e difundidos no imaginário popular por meio de jornais e revistas. Já Anápolis é a Knot City, a cidade nó que solda o território. Cidade preexistente que atuou como ponto de convergência das políticas territoriais para a consolidação do território goiano. É também a Knot City por reproduzir de modo sintomático mais evidente a pressão e a tensão da metropolização exercidas por Goiânia e por Brasília. Em Anápolis há vetores e asteriscos conjugados numa trama difícil de ser compreendida, dada sua relação com a superfície do solo.
Os fenômenos das cidades místicas
Sua tese analisa a presença de elementos como o Outlet Premium Brasília, enfocando a questão do consumo. Neste contexto, como pensar o consumo para fins “espirituais” em cidades como Abadiânia e mesmo do Vale do Amanhecer em Planaltina? Qual o papel dessas cidades “místicas” no eixo entre-Metrópoles?
Os acontecimentos nas cidades místicas são verdadeiros fenômenos urbanos que precisamos nos atentar e estudar com cuidado. Há uma crise existencial, um cansaço ontológico e uma quebra de confiança nas instituições e processos públicos que explicam o aumento exponencial de visitantes e fiéis a estes equipamentos religiosos. Todos e todas, de todos os lugares do planeta, estão em busca de respostas e saídas para esse mal-estar. Em decorrência disso, quando ainda era doutorando, as expectativas eram as mais altas possíveis para a expansão do turismo religioso não somente em Abadiânia e Planaltina, mas em todo o percurso que incluía cidades históricas como Corumbá de Goiás e Pirenópolis e pequenos distritos como Olhos D’Água e Abadiânia Velha. Inclusive era de interesse político o aprofundamento deste modelo econômico que mobilizava centenas de milhares de pessoas todos os anos.

É importante compreendermos o papel regional de cada cidade, mas também suas dinâmicas internas. Ambas estão intimamente relacionadas. O turismo religioso, no caso de Abadiânia que acompanhei de perto, foi o principal mobilizador da economia do município por aproximadamente três décadas. A diversificação econômica foi interrompida em decorrência do “sucesso” da Casa Dom Inácio Loyola, que recebia em média de 4,5 a 6 mil pessoas por semana de todos os lugares do planeta. Era comum encontrarmos pessoas com ensino fundamental concluído se comunicando em inglês ou espanhol. Incrível! Mas, com a queda do “João de Abadiânia”, ou melhor, João de Deus, tudo se alterou no município e os moradores estão agora com dificuldades de encontrar saídas para seus novos dilemas. O valor dos imóveis despencou, as pousadas estão vazias e o desemprego aumentou substancialmente. Do ponto de vista regional, é possível elencar desde a diminuição de passageiros internacionais no Aeroporto de Brasília e toda cadeia que subsidiava a movimentação das pessoas, como hotéis e pousadas, empresas de turismo, ônibus e taxis, restaurantes e lanchonetes, enfim, tudo foi afetado. Talvez para as metrópoles o impacto tenha sido pouco sentido, mas para Abadiânia foi avassalador.
Quando trata do grande e crescente número de shopping centers ao longo do entre-Metrópoles chama esse fenômeno de “explosão do Efeito Genérico”? Essa expressão dialoga com o conceito de não-lugar? Indica uma expansão da classe média urbana consumidora e o estabelecimento de práticas padronizadas e higienizadas de consumo e lazer?
Esta é uma questão complexa. O conceito de Efeito Genérico dialoga ao mesmo tempo que não dialoga com o conceito de não-lugar. É certo que os shoppings centers criam uma atmosfera comum, similar em todos os lugares do planeta, portanto, genérica. Neste sentido, se o conceito de não-lugar se referir ao que os intelectuais estadunidenses nomearam nos anos de 1970, espaços e infraestruturas generalizados, sim. No entanto, o conceito de não-lugar, em especial a partir de Marc Augé, não pode mais ser atribuído aos shopping centers do entre-Metrópoles. Os shopping centers do entre-Metrópoles são referenciais, históricos, e o mais contraditório em relação às asserções de Augé, identitários. Com a privatização dos espaços públicos e o sequestro da atmosfera pública do comércio de rua (mercados e lojas) por parte dos shoppings centers, estes passaram a ser os locais preferidos da classe média (no sentido marxista e no sentido ambíguo e contraditório do IBGE), os templos de adoração das mercadorias e os pontos de convergência e de circulação de capital. Nossa sociedade encara o consumo como o fim e não o meio para a vida, uma espécie de ansiolítico para acalmar seu espírito agitado ou doses de morfina para estancar temporariamente suas dores existenciais. Não é à toa que ao passo que se multiplicam os shopping centers se multiplicam também as farmácias e drogarias no entre-Metrópoles.

Isso transforma os shopping centers nos lugares por excelência da nova vida urbana no entre-Metrópoles, ainda que, conforme Lineu Castello, sejam lugares geneticamente modificados, diferentes daquele ideal já experimentado na história décadas ou séculos atrás. Nosso mundo mudou. Não para o melhor, mas mudou. Ou o encaramos como está para propormos saídas possíveis ao ponto de inventarmos um mundo completamente diferente do passado e do presente, ou lamentaremos em milhares páginas e litros de lágrimas, com saudosismo depressivo e vingativo, o passado perdido, esquecido ou mesmo abandonado, paradoxalmente, por nós mesmos. Hoje, depois da tese, enxergo a multiplicação dos shoppings centers como sintoma de uma causa maior. Precisamos examiná-la.
O sr. lembrou que Lucio Costa publicou “Brasília, Cidade que Inventei”. De fato, a cidade foi erguida por milhares de trabalhadores executando as ideias de, citando sua definição, “gênios” como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Joaquim Cardozo, Roberto Burle Marx e Athos Bulcão. Segundo sua percepção, o projeto político de Juscelino Kubitschek sempre foi um norte, ou esses artistas tinham completa liberdade criativa?
Quando me referi ao termo “gênios”, quis referenciar aqueles nomes recorrentes na historiografia e que se sobressaem na história da arquitetura de Brasília, gerando, inclusive, sombreamentos importantes sobre outros nomes e personagens. Mas, certamente, a recorrência destes nomes não é em vão. São, sem dúvidas, personagens fundamentais para a paisagem projetada e executada na capital federal. Por sua vez, havia forte alinhamento entre os ideais políticos de Kubitschek com estes arquitetos e artistas. Além do mais, a elite esclarecida do país da qual Kubitschek fazia parte advogava em favor do progresso nacional, ainda que pautada por uma compreensão de progresso em seu sentido positivista. A arquitetura, as engenharias, o urbanismo, as artes e o paisagismo seguiam essa compreensão e buscavam materializá-la, não só estruturada em termos de um projeto político, mas de ideal de civilização. A liberdade criativa estava, neste contexto, circunscrita aos princípios do modernismo racionalista, e neste repertório, sim, eles possuíam plena liberdade.