Por Geraldo Lima e Marcio Markendorf*
Especial para o Jornal Opção

Nanoconto é uma narrativa brevíssima, construída com no máximo duas linhas, e na qual se procura obter, conforme a escritora Graça Paulino “o máximo de expressividade com o mínimo de recursos”. Em gênero ficcional, de caráter minimalista, as informações sobre “onde”, “quando” e “quem” do acontecimento nem sempre são fornecidas, exigindo, portanto, um engajamento maior por parte do leitor ou da leitora durante o processo de leitura. Ou seja: a figura de quem lê é fundamental na construção final do texto.
O exemplo clássico de nanoconto é este, intitulado “O dinossauro”, de autoria do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Percebam que, embora breve e conciso, encerra expressiva narratividade e produz, no leitor, um efeito de profundo estranhamento. Afinal, por conta da abertura do texto, muitas perguntas podem ser lançadas acerca do incidente narrado por Monterroso e há variadas respostas diferentes. Segundo o escritor Marcelo Spalding, brevidade, concisão, narratividade e efeito são alguns dos elementos essenciais para que um texto possa ser considerado um miniconto, ou, no nosso caso aqui, um nanoconto.
Nesta edição do Opção Cultural, reunimos alguns autores e algumas autoras, do Brasil e de outros países, que têm produzido nanonarrativas e procurado publicá-las usando suportes e mídias alternativas ao livro físico. Aproveitando-se do vertiginoso fluxo de conteúdo digital da web, escritores/as de nanoficção usam as redes sociais, como Instagram, Twitter, Facebook etc., para apresentar seus trabalhos literários a um público leitor cada vez mais conectado nas mídias e tomado pelo excesso de informação.
O conjunto de nanocontos publicado aqui mostra o quanto de abordagens temáticas diferentes é possível desenvolver com uma estrutura narrativa tão reduzida. O humor, muitas vezes obtido com o uso da paródia, e o drama, seja da violência doméstica ou das ruas, somam-se ao fantástico, ao mistério, ao erótico etc., convidando os leitores a percorrerem, num curto espaço de tempo, essas veredas surpreendentes da nanoliteratura.
CÃO
Ele cria cachorros com muito amor e carinho e bate na mulher. Outro dia, a xingou de cadela.
DIABETES
Eu sempre gostei de você, meu doce.
[HÉLVERTON BAIANO, BA]
EXPIAÇÃO
Matou a família e foi ao culto.
FAVOR LER ANTES DE PERGUNTAR
Vendo Chevette Tubarão, R$50.000, cadáver incluso, fantasma ocasional.
[HERMES VERA, CE]
SEGUNDA ONDA
O país tomou um caldo.
FIM DA LINHA
– Essa é a última estação, senhora. Senhora? Senhora!
[MARCIO MARKENDORF, RS]
Era hora de dar um salto na vida. Escolheu a janela do 10° andar.
…
WORKAHOLIC
A cama entrou com o divórcio. Incompatibilidade de agendas.
[SAMIR MESQUITA, PR]
MÉTRICA
O eu-lírico se perdeu no poema. Só o acharam algumas quadras depois.
PSICOSE
Tanto tempo no chuveiro e já pensando: a conta vai ser uma facada.
[ANDRÉ RICARDO AGUIAR, PB]
FETICHE
Para bom entendedor, uma meia basta.
NUA
A fantasia mais ousada era tirar aquela máscara.
[IZABELA DROZDOWSKA-BROERING, POLÔNIA]
SOPA DE LETRINHAS
Já cmi a mtde.
GUERRA URBANA
Aviãozinho foi abatido em pleno voo
[ADRIANO SALVI, PR]
ZUMBIS
Quando o sinal tocou, todos acordaram.
ROTINA
Por falta de carta, o cão cochilou.
[CAMILA LOURENÇO, SC]
SURRA
Foi apanhar uma flor. Apanhou.
ESCRITOR
– O que foi?
– Estou passando por uma frase difícil.
[DANIEL VIANA, MG]
DETALHES
Vende-se vestido de noiva usado, ideal para reformar. Pequeno rasgo e mancha de sangue no abdome.
CONJUGAL
Minha mãe sempre caía da escada quando papai bebia.
[D. CELESTINO, SP]
Caiu da escada e foi para o andar de cima.
…
Deixou por escrito: me cremem. Não vou a enterros, nem morto.
[ADRIENNE MYRTES, PE]
PARTIDA
Meus olhos empapados assim que vi minha filha partir para a universidade. Ao menos seu cadáver servirá aos estudantes de medicina.
PROJEÇÃO
“Eu odeio todas, todas!”, disse ela antes de dar meia volta e sair correndo da casa de espelhos.
[ALESSANDRA BARCELAR, SP]
MAGIA
– Sou uma bruxa, te transformarei em sapo!
Não se conteve, beijou-a na boca. E foram felizes para sempre.
ESTRATÉGIA
Pela décima vez, serviu-lhe um copo de suco com uma pitadinha de ódio dentro.
[GERALDO LIMA, GO]
O GRANDE ROUBO
Quando acordou, nem mesmo o dinossauro estava lá.
COLEÇÃO
Para que você quer tanta faca, Jack?
[GABRIEL RAMOS, MÉXICO]
*Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista; Marcio Markendorf é escritor e professor universitário.
Adorei todos os títulos. Fantásticos.