28 poemas de Natal que são diamantes para o cérebro

19 dezembro 2021 às 00h00

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28 poetas mostram que o Natal pode ser “recriado” pelo poder daqueles que sabem fazer as palavras dançaram, pularem, gritarem e celebrarem
O Natal é, por certo, uma das épocas mais poéticas do ano (e da história). O clima, real ou fantasioso, de solidariedade e comunhão, favorece essa percepção. Ciente disso, o Jornal Opção, em parceria com a União Brasileira de Escritores-Seção Goiás, presidida pelo escritor Ademir Luiz, organizou uma coletânea de poemas inspirada pelo clima natalino e tudo que ele evoca.
Os poemas abordam o Natal de várias maneiras e estilos. São poemas criativos, que escapam ao lugar-comum ao tratar um tema sobre o qual aparentemente já se disse tudo. Os 28 poetas mostram, pelo contrário, que o Natal pode ser “recriado” pelo poder daqueles que sabem fazer as palavras dançaram, pularem, gritarem e celebrarem. A poesia é a eterna ressurreição do belo e, também, no novo. É a palavra, digamos assim, como origem da vida…
A coletânea vai sair em livro? É provável.
1
Nos ombros da cruz
Lêda Selma
Cristos em trapos
cristos famintos,
cristos descalços
cristos sem nome
cristos em falso
no rito da vida
no giro da lida
na roda indigente
de cristos-meninos,
arremedos de gente.
É Natal!
Cristos que buscam
um rumo, a esmo,
e no medo se escondem,
e nos becos se perdem,
e na dor se consomem.
Cristos que espiam
o arrastar das horas
e nas ruas, exaustos,
furtam escombros
de sonhos andrajos.
É Natal!
Cristos que fogem
das balas fardadas
de armas insanas,
das culpas urdidas,
mas morrem ao som
dos vis estampidos.
Cristos sem vida
nos guetos dos morros,
cristos nas valas
de sua própria sina.
É Natal!
De volta, a Estrela,
da alegria, o alarido,
retiram-se as nuvens
sorriem as luzes
esbatem-se as dores
refinam-se os sinos
em retinir festivo:
renasceu o Menino!
Sobre a toalha de linho,
a imponência da Ceia.
É Natal!
Cristos que vagam,
mendigam um pão
(olhar embaçado
de solidão e sombras),
ouvem repiques,
do cimo da torre,
em dó sustenido,
qual suplício de almas.
É Natal!
Na calçada imunda,
mastigam silêncios
e bênçãos negadas,
os cristos da cruz.
Sobre o chão estriado,
inclemência da noite,
e nas sobras do nada,
a ceia dos filhos!
É Natal!
Mas as mãos vazias,
calejadas de nãos,
desses cristos sozinhos,
sem manto, sem rosto,
acenam aos céus
como se em prece:
a luz da Estrela
é o olhar de Jesus!
É Natal!
2
Oração de Natal
Gilberto Mendonça Teles
Jesus, para o Natal minh’alma vos suplica
um silêncio de paz, uma quietude rica
de áureas recordações, de mística saudade,
de sossego, de calma e de serenidade…
Longe, para bem longe, o tumulto das gentes,
o burburinho insano e as vozes estridentes
da turba irracional!
Deixai-me ouvir os hinos,
as sagradas canções, o badalar dos sinos,
esses celestes sons que em minh’alma se adensam…
Entornai sobre mim a luz de vossa bênção
Espiritualizada… Arrancai de meu peito
O lúrido rancor com – néscio – me enfeito!
Jesus, fazei com que neste Natal eu possa
sentir por um momento a Excelsitude Vossa
no espírito cansado e cheio de saudade.
Insuflai em minh’alma as luzes da Bondade
e a minha fronte ornai de sonhos mais celestes…
Sejam-me a inspiração as dores que tivestes.
Somente para Vós seja o meu pensamento
voltado…
E, então no som nostálgico do vento,
no quérulo cantar das pequeninas aves,
no cicio feliz das orações suaves
e na festiva voz dos sinos vos verei
— simples como um Mendigo e altivo como um Rei!
(“Último poema de Alvorada”, 1955)
3
Todos os dias
Ubirajara Galli
O natal
deveria ser a colheita
de pêssegos maduros
nos pomares
de todas manhãs.
As mordidas dos gestos
nem sempre degustam
o verbo materializado
em Maria.
Quase ao vento
o advento
anunciado de João.
Mais de dois mil anos depois
ainda somos tímidas fagulhas
da luz parida em Belém.
As boas almas
São bolas vermelhas de natal
de transfigurados corações.
Em contínua observação
às minhas fraquezas
faço-me istmo
em direção a Cristo.
Seguro firme as mãos
da fagulha que sou
para não me perder
da esperança
que habita
os fraternais presépios
de Francisco.
Todos os dias
deveriam ser natais.
4
Natal de 2021
Maria de Fátima Gonçalves Lima
Chuvas em flores de verão
acordam as luzes
depois do espanto.
O menino desenha sonhos
natalinos nas nuvens do tempo.
A peste pinta quadros
da ausência-dor
borbulhante.
Enquanto isso,
o amarelo anuncia
a narrativa do corvo,
ali na esquina
do tempo.
O Natal resiste
no fundo da floresta humana
em pleno movimento.
5
Prece de Natal
Heloisa Helena de Campos Borges
Ah! Meu Menino!
Tu que já chegas medida
de Justiça e de Bondade
Tu que És infalível
no Teu entendimento
agora, que se festeja
o Teu Natal,
conversa comigo…
Conversa comigo
sobre linhas curvas
e linhas retas
sobre o que pode ser fim
ou começo
sobre fome do corpo
e fome do espírito
sobre matas
desertos
sobre o que pode
vir a ser
ou simplesmente
sobre o que Tu achares
que eu deva saber
conversa comigo…
Ah! Meu Menino!
Tu que És maior que tudo
alarga o meu sentir
preserva o meu discernimento
não me deixes afastar
do que Tu me dirias
Sim!
Mas se por atribulação
se por amargurados
desapontamentos
ficar difícil atender
esses pedidos meus
Ah! Meu Menino!
vela, vela por todos
moradores deste meu
imenso e desigual
Brasil!
6
Natal
Maria Elizabeth Fleury Teixeira
Mais um Natal que chega
Natal de dois mil e vinte e um.
Badalam os sinos da Igreja
O Presépio se ilumina
Na gruta nasce o Deus Menino
Cantam os fiéis com emoção
Chamando à prece, à oração.
No shopping as vitrines se enfeitam
De luzes e sons natalinos.
Papai-Noel sorridente
Com seu saco de presente
Barba branca e Ho! Ho! Ho!
Alegra adulto e criança
Dando vida ao sonho, esperança
Eternizando em postal
A alegria do NATAL!
7
O Natal dos homens
Edival Lourenço
Natal, o primeiro
Black Friday da cristandade.
Uma startup de redes sociais
fundada por anjos empreendedores
vendeu informações privilegiadas
a supostos reis de reinos incertos:
nasceria um novo rei
elementar e transcendente.
Patrocinado pela Lenovo, montou-se
um cursor celeste com o nome
de Estrela do Oriente, orientando
os supostos reis na busca do menino.
Receberam apoio e cobertura
com transmissão simultânea da NatGeo.
O cursor, com precisão, levou os reis
do Oriente mais remoto até Belém,
onde o Deus menino, alegria de menino e Deus,
entre estercos e animais adestrados, escoiceava
e sorria numa cocheira de aprisco.
Entre os badulaques e bugigangas
os reis levaram incenso, mirra e ouro,
num merchan dos mercadores fenícios.
A notícia espalhou-se feito fogo na palha
e animou os principais mercados do mundo.
As ações da bolsa romana tiveram fortes altas
e o dólar hebreu despencou para o pior nível.
Sentindo-se ameaçado, o rei Herodes
botou suas milícias em alerta
e, para contrapor à notícia,
lançou-se candidato à quinta reeleição.
Com a ajuda de pessoas e grupos aliados
o menino Deus sobreviveu, a duras penas,
no modo carne & osso, até os trinta e três.
Quando, enfim, caiu sob os poderes
De Pôncio Pilatos, sucessor de Herodes.
Virou Deus definitivo, no modo ressuscitado.
Como fator mercadológico,
o menino Deus nunca perdeu o vigor.
Jesus persiste customizado
ou produto de prateleira
na feira livre ou na banca da esquina!
8
Nestas festas de fim de ano
Aidenor Aires
Cumprimos solidárias promessas,
sonhos humanos de estimas fraterna
e desinteressado amor.
Invocamos os mitos amorosos de esperados profetas,
crentes nas possíveis manhãs de renascer.
Por momentos, enquanto é farto o pão,
embriagante o vinho, infinitas as luzes,
vivemos dias sem remorsos.
Não estão à nossa mesa os desterrados do mundo,
os desertados do amor.
Não vêm à ceia abastada
os miseráveis das ruas, os refugiados sem abrigo,
os despidos poetas padecentes de afeição.
Nossos gritos de exaltação,
nossas salvas e vivas não incluem a mudez
que cala a injustiça.
Fazemos votos de amor perene
e de perene encontro de corações e almas.
Nada disso nos absolve.
nada nos conduz
à utopia original que desenhamos
no abandono humilde de uma manjedoura de Belém.
Nada disso nos comove mais.
E de alguma cruz de atroz e luminosa memória
amanhã, outra vez, conciliados,
nos esqueceremos.
9
Aline e o presépio
Sônia Elizabeth
No centro da mesa (tosca) a manjedoura pobre.
Maria, José, Jesus Menino, um burrinho.
Ao redor, a messe parca colhida,
A duros suores, ferro e fogo,
Da terra. Chão pobre. Queimado, ressequido.
Chuva miúda, semente vencida.
Uma luz de vela em castiçal polido,
Prole imensa, olhos na ceia,
Cachorro e gato no mesmo espaço, contido.
Aline fecha os olhos. A oração começa.
Todos contritos, asseados, mãos postas.
Um novo rebento virá ao mundo.
A família sem sobrenome, brasão ou fartura.
“Noite Feliz, Noite Feliz. Ó Senhor, Deus de Amor…”
10
Soneto de Ano Novo
Emílio Vieira
Não deixarei meus olhos na distância
e não me mudarei de meu amor.
E não fecundarei a dor antiga
para nascer um outro de mim mesmo.
E não enfeitarei a minha árvore
de sonho azul ou de esperança vã.
E não inventarei um novo fruto
para fazer meu vinho embriagador.
Quero-te assim, surgida do amanhã
para viver, em ouro, a nova
idade
da aventura e do sonho – entre os abrolhos
e entre juras de amor – da nova vida.
E te darei minha alma num brinquedo
para as duas meninas dos teus olhos.
11
Natividade
Adalberto Queiroz
A luz piscando na vitrine exposta
às vésperas da noite de Natal
provoca olhares, mesmo assim desgosta:
é frio o brilho do esplendor frugal.
Entre os presentes não há mirra, incenso,
nem ouro, que há milênios, ao Menino,
Os sábios concederam, qual o senso
da analogia: manjedoura ou tino?
— Ali, mais nada — só mercadorias:
tristes vazios que a ganância cava
na alma extasiada dessas criancinhas,
com permanente nódoa, que não sara.
Pois o que é falso por fim negocia
o pai, que Cristo dera como Graça.
12
Sentimentos de Natal
Maria Helena Chein
Eis-me aqui, meu Sonho e Luz!
Destes abrolhos, Te olho, Jesus Menino,
na mansidão de Tua presença,
solo doce, trilha peregrina,
o sagrado na manjedoura,
onde bendigo a misericórdia do Teu Amor.
É desse Amor que fala e cala meu peito,
de cujas esquinas, as janelas se abrem
para o brilho da tarde e as esperas das estrelas.
É desse Amor, Jesus Menino, que preciso e quero,
para celebrar-Te com meus irmãos,
quase afogados de vazios e sofrimentos.
Em comunhão, busco alento, florescimento,
cantos de vidas que se atropelam,
desde antes de Tua chegada,
esperança inteira, santa e necessária.
Em meus escuros, acendo-me
no iluminado de Teu mistério,
humanidade e verdade reveladas,
Sonho e Luz deste Natal, Menino Jesus!
13
Imagens do Natal
Getúlio Targino Lima
Vi que aquele homem parou o carro
Para socorrer alguém.
Um desvalido qualquer
Da vida escarro.
Vi aquela mulher de poucos meios
Lutando por fazer comida o quanto fosse
Bastante a socorrer sofrimentos alheios
Via a criança dando a sua mãe.
Para entregar no abrigo
A uma outra carente
O seu melhor presente.
Notei, naquela família, o enorme respeito
À condição de vida que Eu lhe dei. Vi paz e mansidão.
Vi gratidão.
Vi pessoas ajoelhadas, em humilde rincão,
Orando ao Santo Pai e pedindo perdão.
E quanto às batalhas desta vida, desta liça,
Pedindo a Deus misericórdia
Ao invés de justiça!
Os ambientes não eram iluminados naquela noite,
Mas nos corações das pessoas havia muita luz,
Pois que era Natal, o verdadeiro
O Natal de Jesus!
14
Renascimento
Hélverton Baiano
Natal é tempo de nascer,
renascer
um ser melhor
que há em você.
Seja esse tempo
faça esse tempo
se enfeite pra ver
viver
esse agora mais bonito
que chega com alegria
com seu manto infinito
cheio de alegoria.
No Natal,
faça nascer
todo amor que ao outro
seja também pra você.
15
Natais de outrora
Elizabeth Caldeira Brito
Aqui, neve não há.
E o frio que brota
dos olhos vorazes
congelam sorrisos
que teimam silêncios.
Aqui, Noel não há.
E a ausência sentida,
na sombra da árvore,
que sonha saudades
de outros natais.
Aqui, a estrela não guia.
Seu cadente trajeto
espatifa horizontes
na geografia.
E do céu, antes aberto,
a saudade aproxima.
Invade o passado
e o trás para perto.
16
Rogativa de Natal
Antônio César Caldas Pinheiro
Senhor, neste Natal, quando a Estrela tingir o céu de luz,
ao desceres à manjedoura das almas puras e sedentas,
concede, Senhor, aos corações aos quais acalenta,
sentirem Tua presença, amado e meigo Jesus.
Ao adentrares os corações, ali, no mais profundo,
onde sentimentos plasmam a realidade da vida
e geram tanto a paz como a guerra no mundo,
santifica os corações. Que só ao amor deem guarida!
Sim, ó Deus feito homem, Deus-Menino, Salvador nosso!
Só o Teu amor é capaz de redimir, de tudo curar,
iluminar o caminho de nossa existência. E se pedir posso,
transforma os corações angustiados, tristes, sem crença.
Aumenta a nossa fé, nossa esperança, ensina-nos a amar
e a enxergar em tudo e em todos Tua divina presença!
17
Presépio
Solemar Oliveira
O Natal às vésperas, e ele sempre chega.
E o Folha se pergunta: a minha roupa, é de ontem?
Do que é feita? O menino espreita de seu berço ontem.
É toda de grama, eu sei.
Não quero passar só. Passo.
Um prosador sussurrou que o Natal é nada.
Eu não sei. Melhor vestir a túnica de domingo, não quero passar vergonha.
O bebê não chora, chora a mãe, modesta. As mães choram.
O pai, austero, erguido como poste, à direita.
O pai não escolhe lugar. Seu olhar, anteontem.
Faz a prece pro menino, já fez muitas, mas não crê. Obedece.
Vai à forra o tirano, olha de longe, desceu por acaso.
Quatro patas no cascalho.
Não tem chifres, como querem. Observa.
Vai ter com Ele amanhã. Conferência às quinze.
Amanhã é seu nome. Antigo.
A mãe chora. Às mães.
O Folha desliza entre mim e santuário,
Parece se lembrar que não respira.
Seus olhos invisíveis creem no menino.
De sua boca seca, só perguntas.
Quantos anos? São dois mil? Perdeu-se no tempo.
É Natal. Natalíneo. Com os trapos esmeraldas do Folha.
A mãe também chora por ele. O filho de outra.
Vinte e cinco é cinco vezes cinco.
Cinco também é a engrenagem.
No quintal, o dia já raiou. Deu num domingo.
Os olhos, breu, como a noite, dizem: eu vim, rendam glórias.
Minha roupa é de um ano.
Gravata escura, paletó de amanhã.
Uma calça, toda puída. São as traças.
O menino atento, abre os braços.
O Folha veste flores, agora.
E flutua ao redor, levado pelo vento.
Tá bonito. Elegante!
Eu sou seu, Folha, pobre diabo.
18
Natal, a luz que abraça os homens
Gabriel Nascente
(ofertá-lo ouso, com louvor, aos desembargadores e amigos Luiz Cláudio Veiga Braga, ,Itaney Francisco Campos e Ney Teles — por estarmos juntos na bateia do dia a dia, garimpando pedras de luz para os caminhos desta amizade).
I
Olá, meus bons concidadãos e amigos!
Natal rebrota da pureza dos horizontes
orvalhados de fraternidade e justiça.
Farturento. Tem pele crocante de
pernil assado, champanhe, com cerejas,
beijos, arroz a grega, pimenta e amor.
Cristo não morreu.
Dissipou-se. Virou Deus.
E nós rogamos seja isto verdade.
Tanto que um brilho de cascalho
ardendo nas orlas do desconhecido.
Cálice de estrelas.
Cristo é o cimo.
E Natal é dileção aberta por todos
nós amando um só aniversariante.
Aquele que, Nele, no peito
gerava (gerando) a usina da luz.
O homem Rei dos homens
Atleta universal de todas
as almas.
Teu sangue, eu vi,
escorreu de dentro das
palavras,
enquanto eu – sufocado pelos
coágulos do pranto – esculpia o
teu calvário na quilha teológica
do poema.
O homem Rei dos homens.
II
Natal eu em mim-menino
fabricando caminhõezinhos de madeira
em toca de um lugar ao sol.
Já sem pai,
já sem brinquedo,
(ali a morte quebrou o leme da vida)
E eu me debulhava em lágrimas
na loucura de teu Gólgota,
ó meu divino rabi,
pingando
sangue!
III
É tão bonito ver Natal
acordando crianças
no coração das vitrines.
É tão bonito ver Natal
numa gravata de presente,
ou numa multidão de homens enxugando
o sangrento suor das feridas do
Nosso Senhor Jesus Cristo.
É tão bonito Natal (que se pratica
o ano inteiro), com dádivas de
fraternidade, pão e comida às
mãos medicantes.
IV
Natal é quando os homens voltam
a ser infância novamente.
E o sonho dos meninos transborda
pelo reino dos presentes.
São suspiros de borboletas
alvoraçando as brisas da manhã.
Papai Noel é o deus da garotada
em seu trono de devaneios. Haja
ternura nos fios brancos de
teu sorriso, de barbas plumas
de cisne.
E nele, nos abraços dele,
a alegria é quente
como doce de maçãs.
V
Cristo, camarada de meus
silêncios espirituais.
Tu nascente para rastelar
a sujeira das almas. Não deu
certo. E foste parar na tragédia
da Cruz, todo ensanguentado
por nós, “animais da escuridão”.
Natal de todos os povos,
de amor universal
à Estrela de Belém.
Parabéns!
(Mansarda de beira de córgo, Inhumas, 24 de novembro de 2021)
19
Dia de sol
Luiz de Aquino
Vem, menina, à janela.
Tem um céu de muito azul
depois do tempo cinzento.
É um azul de ser-feliz.
Azul de pintar bandeira
e pintar felicidade.
É que um sol muito amarelo
fez-se vivo nesta tarde
pra secar as nossas ruas,
tirar a nuvem dos olhos
das meninas feit’ocê,
tão carentes de mais luz.
Fez-se um sol e fez-se a tarde
mais feliz que as já passadas.
Como estamos meio às vésperas
de um Natal de Nos’Senhor,
pensa agora que eu pedi
pra quem gosta de menina
este sol pra te alegrar.
21
Thiago Lima
Chegou dezembro, o tempo passou,
As luzes se acendem, é o natal do salvador.
Desse ano que nos foi dado, o tempo acabou.
Corre, faz compras! Confraterniza sem rancor!
A magia deste belo tempo, nossos erros apagou.
O amor do natal, vem da simplicidade do senhor!
Parte de uma vida, um ano se acabou,
Será que vivemos e sorrimos ou foi só dissabor?
Faz um breve exame, medita devagar,
Não perde esta preciosa oportunidade,
É o momento, o natal que te faz renascer.
Não pense duas vezes, não ouse hesitar.
É uma chance, recobra a sanidade!
Vamos, depressa, torna a viver!
22
Epístola de Pedrinho a Papai Noel
Delermando Vieira
Querido Papai Noel, ou melhor,
meu Pai do Céu: Aqui, quem escreve ao Senhor sou eu, Pedrinho, este pobre menino de rua, sem rumo, faminto e entregue às infectas unhas de uma sociedade extremamente cruel, capitalista, insensível e desigual.
Papai Noel, ou melhor,
meu Pai do Céu, venho agora, neste findar de ano, rogar-Te que me concedas esse nobre presente, ou seja, dá-me a graça de que a Humanidade se evolua e se transforme
noutra gente
melhor,
sem preconceitos, rancor e violência. Acima de tudo, que seja ela, ó Pai, dotada de vasta compreensão e sapiência,
capaz de erigir, erguer e fazer, deste Mundo,
um lugar de insofismável paz e amor profundo,
l o n g e,
bem longe mesmo,
do ódio, que jamais se extingue e se faz coeso,
às correntes da mais terrível maldição. Meu Pai do Céu, faze com que ela seja digna da salvação
eterna,
livre, talvez, da ignorância e fúria do absurdo. Às tragédias, às súplicas, que não seja laica, ausente ou, sequer, senhora de ouvidos surdos,
às lamentações e sofrimentos de outrem.
Senhor,
que seja ela, enfim, pacífica e ardente de amor,
como então, assim, a Poesia,
ao sopro e melodia
da Nona Sinfonia
de Beethoven!
Ó Pai do Céu,
me ouça, me ouve: Eu Te suplico e imploro! Edifica, pois, no obsclaro espírito do Homem a Suprema Graça da Luz de teu Nome!
Por favor,
ó Pai do Céu, eu Te suplico!
23
É Natal
Rosy Cardoso
Espalho-me no tempo
repetindo saudades a cada ano.
Como badalo de sino,
antecipo minha festa ao canto do galo.
Visto-me de vermelho e verde
no anseio de arrematar o calendário,
silenciando no andejo tempo
as energias azuis da cancioneira missa
da meia-noite anunciando que
o amor de Jesus será nosso.
No calçamento mosaicado e desregular,
em passadas lentas, a menina
poemava em evocações infantis:
passos dedilhados em pedras peregrinas,
filtrando universos na ordem do tempo e
cerzindo encantamentos pupilados nos cordões de brinquedos.
Enquanto a noite morava no presépio do menino Jesus,
festejando a árvore e os incensos,
da loja de brinquedos do Senhor Ovídio
suspensos fios coreografam Marias, Tonicos e bonecos de pano…
cavalos de pau, arcos, flechas e bolas de cobertão.
No alto do telhado as silentes estrelas anunciam
no ventre a boa nova ¬– um menino!
À clareza do som da harpa, violino e flautas
coros, cânticos e gotículas suspiram do céu
abençoando o ciclo das pétalas de minha crença no ciclo nazareno,
na ousadia e no sonho de dependurar na barba de Papai Noel
até o mexer do sol
na manjedoura de saberes do carpinteiro Deus.
24
Roupas natalinas
Jô Sampaio
Não me cobri de vestes novas
No Natal nem na virada do ano.
O que são os panos?
Cetim, veludo, algodão ou chamalote
São apenas motes,
Sortilégios e berloques
A espera de melhor sorte.
Chita, algodão ou organdi
e tudo o mais de que me esqueci
entre tantos tecidos para me cobrir
Não escondem minha nudez
Nem cobrem a insensatez
Desse conteúdo incerto
Das taças com que brindamos
A chegada de mais um ano.
Vejam minhas roupas…
Surradas, repetidas, desbotadas,
Expondo marcas passadas
Do tempo que já vivi.
Como serão os novos tempos?
Trarão outros matizes
Que tonalizem as cores
Das roupas que já vesti?
25
Ademir Hamú
Já encontrei o Natal
Na construção do vento
Que bole as águas do mar.
De permeio,
A fúria das andorinhas sem endereço,
À procura da estrela que as guiará para adorá-lo.
O avesso, a desordem habilitada,
Ninguém vê.
Ao outro lado,
Dão-se as costas.
Já vivi
A violência surda e sem rota
Dos que gargalharam
E não renovaram seus instantes.
Será que nenhuma esperança
Renascerá no nascimento d’Ele?
A força silenciosa, peregrina,
Permanecerá esquecida.
De concreto,
Prossegue a repetição patética e cansativa,
Num horizonte curto,
Onde se ignora a clemência calada dos infelizes.
26
Poema de Natal 2021
Miguel Jorge
Se pudéssemos renovar o Natal voltaríamos desse caminhar
De agora/ E, imóveis nos ares, contemplaríamos a terra/ Os homens de
Cada lado de sua dolorida dor/.
Se pudéssemos voltar sem fadiga das terras desses homens
De antigas falas, voltaríamos quem sabe, rever o tempo/
O templo verdeazul desses horizontes de prados e de planícies/
Quase perfeitas em nossa imaginação/.
(O mundo que nos chegava em pequenas passadas/ Indiferente às Noites andadas dos homens/ Rondadas em seus carros/ O chão que se Fez de pedra/ )
Se pudéssemos dividir este vazio/ Os rotos passos da peste/
Teríamos maiores viços nos olhos/ Mais vida no corpo/ E as coisas
Lá dos céus se faziam mais vivas/ em sopros de luz/.
Mas o Natal aquecido e belo cantado em cores/ Nos chega apressado
Entre as teias enganosas do comércio/ E apressado parte
Com seus acabamentos de barro/ O semear de aromas/ referendado em
Leito de flores/.
Já se vão ás preces aos céus/ Com temor e esperanças/ As silenciosas Canções guardadas no coração/ Haverá, quem sabe, alguma sintonia de Cantos e anjos/ De brilhos e cores atordoadas pelos ventos/
Então, se vê as folhas que caem/ Arquejadas de amarelos suspiros/ As Asas dos rios/ Cheios de perguntas e de saberes/ E mesmo que se Sozinho/ A solidão esquecida/ Aquece o peito/ E chora com o mundo Em trevas/ Traves de um mesmo destino/
Mas se brinda/ se blinda o natal em fervor de louvores que está por Chegar/ Se sonha melancolicamente com alguma coisa que lembre o Amor guardado dentro de nós/ E se pode sonhar mais com a obstinação dos santos que chegam de seus manjedouros caminhos/.
Das águas que bem se vê/ Das pedras que com o tempo mudam/ E Ficam por ali adormecidas como se fossem olhos caídos de outro céu/ De outro adormecer/ Distante de nossas falas/ E o Natal nos parece Agora um sonho de profundo pensamento em Deus menino/.
27
A ceia
Rafael Fleury
Quem pôr na ceia?
O menino ou o salpicão?
O melhor ou a inversão?
O alimento ou a miséria?
Quem oferta ou come o pão?
Para a grande festa que os homens fazem,
a festa de aniversário,
a ingente, a maior,
tentaram desconvidar,
simplesmente, Quem nasceu,
Quem, mais tarde, pereceu
— por causa velha, démodé, vencida —
por causa que inda chamam amor…
Alguém se lembra da dor?
Da dor se lembra quem nasce?
Este, sim, que se lembrou,
que ao nascer já se morria
pensando na Sua entrega qual pão
— não panetone: pão da vida…
Seria Ele a própria ceia,
entregue na última posta:
a santa, com os doze, feita,
mas não só para doze doada:
que para uma humanidade inteira
foi aquela partilhada,
tão singela, derradeira…
Mas tão grande, tão amada…
Tão singelo, tão primevo…
Ao nascer foi o doador…
Que veio como um menino,
pobre e frágil e enjeitado,
pequenino e já todo Amor…
Para dar-se veio a lume…
Para tanto se Lhe deu à luz…
Para tanto, muito tanto:
É que veio esse Jesus…
Noel só dá presentes — dizem —,
Mas de presente não se deu.
Dar-se aos homens de presente:
só mesmo o Filho de Deus.
Creiam ou não:
está posta a ceia.
Que se entrega além das passas,
das carnes, das rabanadas…
A ceia — um dia última —
se entrega sempre primeira
não em pratos, mas em gente:
Aquele que se incendeia.
Cada qual pode escolher
a ceia que quer comer.
A vazia ou a plena…
A opaca ou o fanal…
Só não se pode escolher
quem nascer no dia tal…
Sem vagas a tal detalhe…
Que nessa festa nasce Cristo.
E isso — só isso — é Natal.
28
Natal, de novo
Itaney Campos
Talvez devesses mesmo renascer, Menino!
Não para ser crucificado, não para pregar no deserto. Neste outro natal,
não estarias sozinho
no templo, ou nas estradas, ou no calvário.
Não te quedarias solitário em tua expiação infinita. Renascerias como o arauto das mudanças do homem
e da transformação das multidões sequiosas sobreviventes nas pontes, semáforos e viadutos.
Não te ornaria apenas o verbo, que muito vale,
mas também a espada,
que fundo penetra.
Ao teu lado, a fila de pobres e miseráveis,
além de orar,
se daria as mãos, resistindo ao tropel dos cavalos de Roma.
Afrontando as armaduras do reino do capital.
Nenhum companheiro te negaria
e os galos só cantariam para anunciar um novo alvorecer.
Quem sabe entre os zelotas obterias a fórmula sagrada de menor sofrimento às mães; de maior leveza aos pais;
de risos sem sombras aos meninos, donos do reino do céu;
A ceia não seria a última, mas de uma permanência singular
a unir os deserdados, os feridos e os assustados.
Não ascenderias,
perplexo e vestido de luz inconsútil
para infinitas paragens.
Permanecerias entre nós, com as chagas embora, — condição de perseverança,
mas acolherias a teu lado
os que se achavam enterrados nas grotas,
no limbo, no deserto,
por entre cobras e gafanhotos.
Talvez conviesse que voltasses, Nazareno,
agora sim para oferecer do teu pão e do teu vinho
aos humildes da terra,
para plantar a pedra de onde jorraria
abundante água para os sedentos,
frutas, para os famintos,
e dardos de fogo para as múmias em seus túmulos de bronze e calcária frigidez.
Não terias então sofrido, e morrido,
com pouco proveito
para nossa errática desumanidade.