28 poetas mostram que o Natal pode ser “recriado” pelo poder daqueles que sabem fazer as palavras dançaram, pularem, gritarem e celebrarem

O Natal é, por certo, uma das épocas mais poéticas do ano (e da história). O clima, real ou fantasioso, de solidariedade e comunhão, favorece essa percepção. Ciente disso, o Jornal Opção, em parceria com a União Brasileira de Escritores-Seção Goiás, presidida pelo escritor Ademir Luiz, organizou uma coletânea de poemas inspirada pelo clima natalino e tudo que ele evoca.

Os poemas abordam o Natal de várias maneiras e estilos. São poemas criativos, que escapam ao lugar-comum ao tratar um tema sobre o qual aparentemente já se disse tudo. Os 28 poetas mostram, pelo contrário, que o Natal pode ser “recriado” pelo poder daqueles que sabem fazer as palavras dançaram, pularem, gritarem e celebrarem. A poesia é a eterna ressurreição do belo e, também, no novo. É a palavra, digamos assim, como origem da vida…

A coletânea vai sair em livro? É provável.

1
Nos ombros da cruz
Lêda Selma

Cristos em trapos

cristos famintos,

cristos descalços

cristos sem nome

cristos em falso

no rito da vida

no giro da lida

na roda indigente

de cristos-meninos,

arremedos de gente.

 

É Natal!

 

Cristos que buscam

um rumo, a esmo,

e no medo se escondem,

e nos becos se perdem,

e na dor se consomem.

Cristos que espiam

o arrastar das horas

e nas ruas, exaustos,

furtam escombros

de sonhos andrajos.

 

É Natal!

 

Cristos que fogem

das balas fardadas

de armas insanas,

das culpas urdidas,

mas morrem ao som

dos vis estampidos.

Cristos sem vida

nos guetos dos morros,

cristos nas valas

de sua própria sina.

 

É Natal!

 

De volta, a Estrela,

da alegria, o alarido,

retiram-se as nuvens

sorriem as luzes

esbatem-se as dores

refinam-se os sinos

em retinir festivo:

renasceu o Menino!

Sobre a toalha de linho,

a imponência da Ceia.

 

É Natal!

 

Cristos que vagam,

mendigam um pão

(olhar embaçado

de solidão e sombras),

ouvem repiques,

do cimo da torre,

em dó sustenido,

qual suplício de almas.

 

É Natal!

 

Na calçada imunda,

mastigam silêncios

e bênçãos negadas,

os cristos da cruz.

Sobre o chão estriado,

inclemência da noite,

e nas sobras do nada,

a ceia dos filhos!

 

É Natal!

 

Mas as mãos vazias,

calejadas de nãos,

desses cristos sozinhos,

sem manto, sem rosto,

acenam aos céus

como se em prece:

a luz da Estrela

é o olhar de Jesus!

 

É Natal!

2

Oração de Natal

Gilberto Mendonça Teles

Jesus, para o Natal minh’alma vos suplica

um silêncio de paz, uma quietude rica

de áureas recordações, de mística saudade,

de sossego, de calma e de serenidade…

Longe, para bem longe, o tumulto das gentes,

o burburinho insano e as vozes estridentes

da turba irracional!

Deixai-me ouvir os hinos,

as sagradas canções, o badalar dos sinos,

esses celestes sons que em minh’alma se adensam…

Entornai sobre mim a luz de vossa bênção

Espiritualizada… Arrancai de meu peito

O lúrido rancor com – néscio – me enfeito!

 

Jesus, fazei com que neste Natal eu possa

sentir por um momento a Excelsitude Vossa

no espírito cansado e cheio de saudade.

Insuflai em minh’alma as luzes da Bondade

e a minha fronte ornai de sonhos mais celestes…

Sejam-me a inspiração as dores que tivestes.

Somente para Vós seja o meu pensamento

voltado…

E, então no som nostálgico do vento,

no quérulo cantar das pequeninas aves,

no cicio feliz das orações suaves

e na festiva voz dos sinos vos verei

— simples como um Mendigo e altivo como um Rei!

(“Último poema de Alvorada”, 1955)

3

Todos os dias

Ubirajara Galli

O natal

deveria ser a colheita

de pêssegos maduros

nos pomares

de todas manhãs.

 

As mordidas dos gestos

nem sempre degustam

o verbo materializado

em Maria.

 

Quase ao vento

o advento

anunciado de João.

 

Mais de dois mil anos depois

ainda somos tímidas fagulhas

da luz parida em Belém.

 

As boas almas

São bolas vermelhas de natal

de transfigurados corações.

 

Em contínua observação

às minhas fraquezas

faço-me istmo

em direção a Cristo.

 

Seguro firme as mãos

da fagulha que sou

para não me perder

da esperança

que habita

os fraternais presépios

de Francisco.

 

Todos os dias

deveriam ser natais.

4

Natal de 2021

Maria de Fátima Gonçalves Lima

Chuvas em flores de verão

acordam as luzes

depois do espanto.

 

O menino desenha sonhos

natalinos nas nuvens do tempo.

 

A peste pinta quadros

da ausência-dor

borbulhante.

 

Enquanto isso,

o amarelo anuncia

a narrativa do corvo,

ali na esquina

do tempo.

 

O Natal resiste

no fundo da floresta humana

em pleno movimento.

5

Prece de Natal

Heloisa Helena de Campos Borges

Ah! Meu Menino!

Tu que já chegas medida

de Justiça e de Bondade

Tu que És infalível

no Teu entendimento

agora, que se festeja

o Teu Natal,

conversa comigo…

 

Conversa comigo

sobre linhas curvas

e linhas retas

sobre o que pode ser fim

ou começo

sobre fome do corpo

e fome do espírito

 

sobre matas

desertos

sobre o que pode

vir a ser

ou simplesmente

sobre o que Tu achares

que eu deva saber

conversa comigo…

 

Ah! Meu Menino!

Tu que És maior que tudo

alarga o meu sentir

preserva o meu discernimento

não me deixes afastar

do que Tu me dirias

Sim!

 

Mas se por atribulação

se por amargurados

desapontamentos

ficar difícil atender

esses pedidos meus

 

Ah! Meu Menino!

vela, vela por todos

moradores deste meu

imenso e desigual

Brasil!

6

Natal

Maria Elizabeth Fleury Teixeira

Mais um Natal que chega

Natal de dois mil e vinte e um.

Badalam os sinos da Igreja

O Presépio se ilumina

Na gruta nasce o Deus Menino

Cantam os fiéis com emoção

Chamando à prece, à oração.

No shopping as vitrines se enfeitam

De luzes e sons natalinos.

Papai-Noel sorridente

Com seu saco de presente

Barba branca e Ho! Ho! Ho!

Alegra adulto e criança

Dando vida ao sonho, esperança

Eternizando em postal

A alegria do NATAL!

7

O Natal dos homens                         

Edival Lourenço

Natal, o primeiro

Black Friday da cristandade.

 

Uma startup de redes sociais

fundada por anjos empreendedores

vendeu informações privilegiadas

a supostos reis de reinos incertos:

nasceria um novo rei

elementar e transcendente.

 

Patrocinado pela Lenovo, montou-se

um cursor celeste com o nome

de Estrela do Oriente, orientando

os supostos reis na busca do menino.

Receberam apoio e cobertura

com transmissão simultânea da NatGeo.

 

O cursor, com precisão, levou os reis

do Oriente mais remoto até Belém,

onde o Deus menino, alegria de menino e Deus,

entre estercos e animais adestrados, escoiceava

e sorria numa cocheira de aprisco.

 

Entre os badulaques e bugigangas

os reis levaram incenso, mirra e ouro,

num merchan dos mercadores fenícios.

 

A notícia espalhou-se feito fogo na palha

e animou os principais mercados do mundo.

As ações da bolsa romana tiveram fortes altas

e o dólar hebreu despencou para o pior nível.

 

Sentindo-se ameaçado, o rei Herodes

botou suas milícias em alerta

e, para contrapor à notícia,

lançou-se candidato à quinta reeleição.

 

Com a ajuda de pessoas e grupos aliados

o menino Deus sobreviveu, a duras penas,

no modo carne & osso, até os trinta e três.

Quando, enfim, caiu sob os poderes

De Pôncio Pilatos, sucessor de Herodes.

Virou Deus definitivo, no modo ressuscitado.

 

Como fator mercadológico,

o menino Deus nunca perdeu o vigor.

Jesus persiste customizado

ou produto de prateleira

na feira livre ou na banca da esquina!

8

Nestas festas de fim de ano

Aidenor Aires

Cumprimos solidárias promessas,

sonhos humanos de estimas fraterna

e desinteressado amor.

Invocamos os mitos amorosos de esperados profetas,

crentes nas possíveis manhãs de renascer.

Por momentos, enquanto é farto o pão,

embriagante o vinho, infinitas as luzes,

vivemos dias sem remorsos.

Não estão à nossa mesa os desterrados do mundo,

os desertados do amor.

Não vêm à ceia abastada

os miseráveis das ruas, os refugiados sem abrigo,

os despidos poetas padecentes de afeição.

Nossos gritos de exaltação,

nossas salvas e vivas não incluem a mudez

que cala a injustiça.

Fazemos votos de amor perene

e de perene encontro de corações e almas.

Nada disso nos absolve.

nada nos conduz

à utopia original que desenhamos

no abandono humilde de uma manjedoura de Belém.

Nada disso nos comove mais.

E de alguma cruz de atroz e luminosa memória

amanhã, outra vez, conciliados,

nos esqueceremos.

9

Aline e o presépio

Sônia Elizabeth

No centro da mesa (tosca) a manjedoura pobre.

Maria, José, Jesus Menino, um burrinho.

Ao redor, a messe parca colhida,

A duros suores, ferro e fogo,

Da terra.   Chão pobre.  Queimado, ressequido.

Chuva miúda, semente vencida.

Uma luz de vela em castiçal polido,

Prole imensa, olhos na ceia,

Cachorro e gato no mesmo espaço, contido.

 

Aline fecha os olhos. A oração começa.

Todos contritos, asseados, mãos postas.

Um novo rebento virá ao mundo.

A família sem sobrenome, brasão ou fartura.

 

“Noite Feliz, Noite Feliz. Ó Senhor, Deus de Amor…”

10

Soneto de Ano Novo

Emílio Vieira

Não deixarei meus olhos na distância

e não me mudarei de meu amor.

E não fecundarei a dor antiga

para nascer um outro de mim mesmo.

 

E não enfeitarei a minha árvore

de sonho azul ou de esperança vã.

E não inventarei um novo fruto

para fazer meu vinho embriagador.

 

Quero-te assim, surgida do amanhã

para viver, em ouro, a nova

idade

da aventura e do sonho – entre os abrolhos

 

e entre juras de amor – da nova vida.

E te darei minha alma num brinquedo

para as duas meninas dos teus olhos.

11

Natividade

Adalberto Queiroz

A luz piscando na vitrine exposta

às vésperas da noite de Natal

provoca olhares, mesmo assim desgosta:

é frio o brilho do esplendor frugal.

Entre os presentes não há mirra, incenso,

nem ouro, que há milênios, ao Menino,

Os sábios concederam, qual o senso

da analogia: manjedoura ou tino?

— Ali, mais nada — só mercadorias:

tristes vazios que a ganância cava

na alma extasiada dessas criancinhas,

com permanente nódoa, que não sara.

Pois o que é falso por fim negocia

o pai, que Cristo dera como Graça.

12

Sentimentos de Natal

Maria Helena Chein

Eis-me aqui, meu Sonho e Luz!

Destes abrolhos, Te olho, Jesus Menino,

na mansidão de Tua presença,

solo doce, trilha peregrina,

o sagrado na manjedoura,

onde bendigo a misericórdia do Teu Amor.

 

É desse Amor que fala e cala meu peito,

de cujas esquinas, as janelas se abrem

para o brilho da tarde e as esperas das estrelas.

É desse Amor, Jesus Menino, que preciso e quero,

para celebrar-Te com meus irmãos,

quase afogados de vazios e sofrimentos.

 

Em comunhão, busco alento, florescimento,

cantos de vidas que se atropelam,

desde antes de Tua chegada,

esperança inteira, santa e necessária.

 

Em meus escuros, acendo-me

no iluminado de Teu mistério,

humanidade e verdade reveladas,

Sonho e Luz deste Natal, Menino Jesus!

13

Imagens do Natal

Getúlio Targino Lima

Vi que aquele homem parou o carro

Para socorrer alguém.

Um desvalido qualquer

Da vida escarro.

Vi aquela mulher de poucos meios

Lutando por fazer comida o quanto fosse

Bastante a socorrer sofrimentos alheios

Via a criança dando a sua mãe.

Para entregar no abrigo

A uma outra carente

O seu melhor presente.

Notei, naquela família, o enorme respeito

À condição de vida que Eu lhe dei. Vi paz e mansidão.

Vi gratidão.

Vi pessoas ajoelhadas, em humilde rincão,

Orando ao Santo Pai e pedindo perdão.

E quanto às batalhas desta vida, desta liça,

Pedindo a Deus misericórdia

Ao invés de justiça!

Os ambientes não eram iluminados naquela noite,

Mas nos corações das pessoas havia muita luz,

Pois que era Natal, o verdadeiro

O Natal de Jesus!

14

Renascimento

Hélverton Baiano

Natal é tempo de nascer,

renascer

um ser melhor

que há em você.

 

Seja esse tempo

faça esse tempo

se enfeite pra ver

viver

esse agora mais bonito

que chega com alegria

com seu manto infinito

cheio de alegoria.

 

No Natal,

faça nascer

todo amor que ao outro

seja também pra você.

15

Natais de outrora

Elizabeth Caldeira Brito

Aqui, neve não há.

E o frio que brota

dos olhos vorazes

congelam sorrisos

que teimam silêncios.

 

Aqui, Noel não há.

E a ausência sentida,

na sombra da árvore,

que sonha saudades

de outros natais.

 

Aqui, a estrela não guia.

Seu cadente trajeto

espatifa horizontes

na geografia.

 

E do céu, antes aberto,

a saudade aproxima.

Invade o passado

e o trás para perto.

16

Rogativa de Natal

Antônio César Caldas Pinheiro

Senhor, neste Natal, quando a Estrela tingir o céu de luz,

ao desceres à manjedoura das almas puras e sedentas,

concede, Senhor, aos corações aos quais acalenta,

sentirem Tua presença, amado e meigo Jesus.

 

Ao adentrares os corações, ali, no mais profundo,

onde sentimentos plasmam a realidade da vida

e geram tanto a paz como a guerra no mundo,

santifica os corações. Que só ao amor deem guarida!

 

Sim, ó Deus feito homem, Deus-Menino, Salvador nosso!

Só o Teu amor é capaz de redimir, de tudo curar,

iluminar o caminho de nossa existência. E se pedir posso,

 

transforma os corações angustiados, tristes, sem crença.

Aumenta a nossa fé, nossa esperança, ensina-nos a amar

e a enxergar em tudo e em todos Tua divina presença!

17

Presépio

Solemar Oliveira

O Natal às vésperas, e ele sempre chega.

E o Folha se pergunta: a minha roupa, é de ontem?

Do que é feita? O menino espreita de seu berço ontem.

É toda de grama, eu sei.

Não quero passar só. Passo.

 

Um prosador sussurrou que o Natal é nada.

Eu não sei. Melhor vestir a túnica de domingo, não quero passar vergonha.

 

O bebê não chora, chora a mãe, modesta. As mães choram.

 

O pai, austero, erguido como poste, à direita.

O pai não escolhe lugar. Seu olhar, anteontem.

Faz a prece pro menino, já fez muitas, mas não crê. Obedece.

 

Vai à forra o tirano, olha de longe, desceu por acaso.

Quatro patas no cascalho.

Não tem chifres, como querem. Observa.

Vai ter com Ele amanhã. Conferência às quinze.

Amanhã é seu nome. Antigo.

 

A mãe chora. Às mães.

 

O Folha desliza entre mim e santuário,

Parece se lembrar que não respira.

Seus olhos invisíveis creem no menino.

De sua boca seca, só perguntas.

Quantos anos? São dois mil? Perdeu-se no tempo.

 

É Natal. Natalíneo. Com os trapos esmeraldas do Folha.

 

A mãe também chora por ele. O filho de outra.

 

Vinte e cinco é cinco vezes cinco.

Cinco também é a engrenagem.

No quintal, o dia já raiou. Deu num domingo.

Os olhos, breu, como a noite, dizem: eu vim, rendam glórias.

 

Minha roupa é de um ano.

Gravata escura, paletó de amanhã.

Uma calça, toda puída.  São as traças.

 

O menino atento, abre os braços.

O Folha veste flores, agora.

E flutua ao redor, levado pelo vento.

Tá bonito. Elegante!

Eu sou seu, Folha, pobre diabo.

18

Natal, a luz que abraça os homens

Gabriel Nascente

(ofertá-lo ouso, com louvor, aos desembargadores e amigos Luiz Cláudio Veiga Braga, ,Itaney Francisco Campos e Ney Teles — por estarmos juntos na bateia do dia a dia, garimpando pedras de luz para os caminhos desta amizade).

I

Olá, meus bons concidadãos e amigos!

Natal rebrota da pureza dos horizontes

orvalhados de fraternidade e justiça.

Farturento. Tem pele crocante de

pernil assado, champanhe, com cerejas,

beijos, arroz a grega, pimenta e amor.

 

Cristo não morreu.

Dissipou-se. Virou Deus.

 

E nós rogamos seja isto verdade.

Tanto que um brilho de cascalho

ardendo nas orlas do desconhecido.

 

Cálice de estrelas.

Cristo é o cimo.

 

E Natal é dileção aberta por todos

nós amando um só aniversariante.

Aquele que, Nele, no peito

gerava (gerando) a usina da luz.

 

O homem Rei dos homens

Atleta universal de todas

as almas.

 

 

 

Teu sangue, eu vi,

escorreu de dentro das

palavras,

enquanto eu – sufocado pelos

coágulos do pranto – esculpia o

teu calvário na quilha teológica

do poema.

 

O homem Rei dos homens.

II

Natal eu em mim-menino

fabricando caminhõezinhos de madeira

em toca de um lugar ao sol.

 

Já sem pai,

já sem brinquedo,

(ali a morte quebrou o leme da vida)

 

E eu me debulhava em lágrimas

na loucura de teu Gólgota,

ó meu divino rabi,

pingando

sangue!

III

É tão bonito ver Natal

acordando crianças

no coração das vitrines.

 

É tão bonito ver Natal

numa gravata de presente,

ou numa multidão de homens enxugando

o sangrento suor das feridas do

Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

É tão bonito Natal (que se pratica

o ano inteiro), com dádivas de

fraternidade, pão e comida às

mãos medicantes.

IV

Natal é quando os homens voltam

a ser infância novamente.

E o sonho dos meninos transborda

pelo reino dos presentes.

São suspiros de borboletas

alvoraçando as brisas da manhã.

 

Papai Noel é o deus da garotada

em seu trono de devaneios. Haja

ternura nos fios brancos de

teu sorriso, de barbas plumas

de cisne.

E nele, nos abraços dele,

a alegria é quente

como doce de maçãs.

V

Cristo, camarada de meus

silêncios espirituais.

Tu nascente para rastelar

a sujeira das almas. Não deu

certo. E foste parar na tragédia

da Cruz, todo ensanguentado

por nós, “animais da escuridão”.

 

Natal de todos os povos,

de amor universal

à Estrela de Belém.

 

Parabéns!

(Mansarda de beira de córgo, Inhumas, 24 de novembro de 2021)

19

Dia de sol

Luiz de Aquino

Vem, menina, à janela.

Tem um céu de muito azul

depois do tempo cinzento.

É um azul de ser-feliz.

 

Azul de pintar bandeira

e pintar felicidade.

É que um sol muito amarelo

fez-se vivo nesta tarde

pra secar as nossas ruas,

tirar a nuvem dos olhos

das meninas feit’ocê,

tão carentes de mais luz.

 

Fez-se um sol e fez-se a tarde

mais feliz que as já passadas.

Como estamos meio às vésperas

de um Natal de Nos’Senhor,

pensa agora que eu pedi

pra quem gosta de menina

este sol pra te alegrar.

21

Thiago Lima

Chegou dezembro, o tempo passou,

As luzes se acendem, é o natal do salvador.

Desse ano que nos foi dado, o tempo acabou.

Corre, faz compras! Confraterniza sem rancor!

 

A magia deste belo tempo, nossos erros apagou.

O amor do natal, vem da simplicidade do senhor!

Parte de uma vida, um ano se acabou,

Será que vivemos e sorrimos ou foi só dissabor?

 

Faz um breve exame, medita devagar,

Não perde esta preciosa oportunidade,

É o momento, o natal que te faz renascer.

 

Não pense duas vezes, não ouse hesitar.

É uma chance, recobra a sanidade!

Vamos, depressa, torna a viver!

22

Epístola de Pedrinho a Papai Noel

Delermando Vieira

Querido Papai Noel, ou melhor,

meu Pai do Céu: Aqui, quem escreve ao Senhor sou eu, Pedrinho, este pobre menino de rua, sem rumo, faminto e entregue às infectas unhas de uma sociedade extremamente cruel, capitalista, insensível e desigual.

 

Papai Noel, ou melhor,

meu Pai do Céu, venho agora, neste findar de ano, rogar-Te que me concedas esse nobre presente, ou seja, dá-me a graça de que  a Humanidade se evolua e se transforme

noutra gente

melhor,

sem preconceitos, rancor e violência. Acima de tudo, que seja ela, ó Pai, dotada de vasta compreensão e sapiência,

 

capaz de erigir, erguer e fazer, deste Mundo,

um lugar de insofismável paz e amor profundo,

l    o    n    g    e,

bem longe mesmo,

do ódio, que jamais se extingue e se faz coeso,

 

às correntes da mais terrível maldição. Meu Pai do Céu, faze com que ela seja digna da salvação

eterna,

livre, talvez, da ignorância e fúria do absurdo.  Às tragédias, às súplicas, que não seja laica, ausente ou, sequer, senhora de ouvidos surdos,

 

às lamentações e sofrimentos de outrem.

 

Senhor,

que seja ela, enfim, pacífica e ardente de amor,

 

como então, assim, a Poesia,

ao sopro e melodia

da Nona Sinfonia

 

de Beethoven!

 

Ó Pai do Céu,

me ouça, me ouve: Eu Te suplico e imploro! Edifica, pois, no obsclaro espírito do Homem a Suprema Graça da Luz de teu Nome!

 

Por favor,

ó Pai do Céu, eu Te suplico!

23

É Natal

Rosy Cardoso

Espalho-me no tempo

repetindo saudades a cada ano.

Como badalo de sino,

antecipo minha festa ao canto do galo.

Visto-me de vermelho e verde

no anseio de arrematar o calendário,

silenciando no andejo tempo

as energias azuis da cancioneira missa

da meia-noite anunciando que

o amor de Jesus será nosso.

No calçamento mosaicado e desregular,

em passadas lentas, a menina

poemava em evocações infantis:

passos dedilhados em pedras peregrinas,

filtrando universos na ordem do tempo e

cerzindo encantamentos pupilados nos cordões de brinquedos.

Enquanto a noite morava no presépio do menino Jesus,

festejando a árvore e os incensos,

da loja de brinquedos do Senhor Ovídio

suspensos fios coreografam Marias, Tonicos e bonecos de pano…

cavalos de pau, arcos, flechas e bolas de cobertão.

No alto do telhado as silentes estrelas anunciam

no ventre a boa nova ¬– um menino!

À clareza do som da harpa, violino e flautas

coros, cânticos e gotículas suspiram do céu

abençoando o ciclo das pétalas de minha crença no ciclo nazareno,

na ousadia e no sonho de dependurar na barba de Papai Noel

até o mexer do sol

na manjedoura de saberes do carpinteiro Deus.

24

Roupas natalinas

Jô Sampaio

Não me cobri de vestes novas

No Natal nem na virada do ano.

O que são os panos?

 

Cetim, veludo, algodão ou chamalote

São apenas motes,

Sortilégios e berloques

A espera de melhor sorte.

 

Chita, algodão ou organdi

e tudo o mais de que me esqueci

entre tantos tecidos para me cobrir

Não escondem minha nudez

Nem cobrem a insensatez

Desse conteúdo incerto

Das taças com que brindamos

A chegada de mais um ano.

 

Vejam minhas roupas…

Surradas, repetidas, desbotadas,

Expondo marcas passadas

Do tempo que já vivi.

 

Como serão os novos tempos?

Trarão outros matizes

Que tonalizem as cores

Das roupas que já vesti?

25

Ademir Hamú

Já encontrei o Natal

Na construção do vento

Que bole as águas do mar.

De permeio,

A fúria das andorinhas sem endereço,

À procura da estrela que as guiará para adorá-lo.

O avesso, a desordem habilitada,

Ninguém vê.

Ao outro lado,

Dão-se as costas.

Já vivi

A violência surda e sem rota

Dos que gargalharam

E não renovaram seus instantes.

Será que nenhuma esperança

Renascerá no nascimento d’Ele?

A força silenciosa, peregrina,

Permanecerá esquecida.

De concreto,

Prossegue a repetição patética e cansativa,

Num horizonte curto,

Onde se ignora a clemência calada dos infelizes.

26

Poema de Natal 2021

Miguel Jorge

Se pudéssemos renovar o Natal voltaríamos desse caminhar

De agora/ E, imóveis nos ares, contemplaríamos a terra/ Os homens de

Cada lado de sua dolorida dor/.

 

Se pudéssemos voltar sem fadiga das terras desses homens

De antigas falas, voltaríamos quem sabe, rever o tempo/

O templo verdeazul desses horizontes de prados e de planícies/

Quase perfeitas em nossa imaginação/.

(O mundo que nos chegava em pequenas passadas/ Indiferente às Noites andadas dos homens/ Rondadas em seus carros/ O chão que se Fez de pedra/ )

 

Se pudéssemos dividir este vazio/ Os rotos passos da peste/

Teríamos maiores viços nos olhos/ Mais vida no corpo/ E as coisas

Lá dos céus se faziam mais vivas/ em sopros de luz/.

 

Mas o Natal aquecido e belo cantado em cores/ Nos chega apressado

Entre as teias enganosas do comércio/ E apressado parte

Com seus acabamentos de barro/ O semear de aromas/ referendado em

Leito de flores/.

 

Já se vão ás preces aos céus/ Com temor e esperanças/ As silenciosas Canções guardadas no coração/ Haverá, quem sabe, alguma sintonia de Cantos e anjos/ De brilhos e cores atordoadas pelos ventos/

Então, se vê as folhas que caem/ Arquejadas de amarelos suspiros/ As Asas dos rios/ Cheios de perguntas e de saberes/ E mesmo que se Sozinho/ A solidão esquecida/ Aquece o peito/ E chora com o mundo Em trevas/ Traves de um mesmo destino/

Mas se brinda/ se blinda o natal em fervor de louvores que está por Chegar/ Se sonha melancolicamente com alguma coisa que lembre o Amor guardado dentro de nós/ E se pode sonhar mais com a obstinação dos santos que chegam de seus manjedouros caminhos/.

Das águas que bem se vê/ Das pedras que com o tempo mudam/ E Ficam por ali adormecidas como se fossem olhos caídos de outro céu/ De outro adormecer/ Distante de nossas falas/ E o Natal nos parece Agora um sonho de profundo pensamento em Deus menino/.

27

A ceia
Rafael Fleury
Quem pôr na ceia?
O menino ou o salpicão?
O melhor ou a inversão?
O alimento ou a miséria?
Quem oferta ou come o pão?

Para a grande festa que os homens fazem,
a festa de aniversário,
a ingente, a maior,
tentaram desconvidar,
simplesmente, Quem nasceu,
Quem, mais tarde, pereceu
— por causa velha, démodé, vencida —
por causa que inda chamam amor…

Alguém se lembra da dor?
Da dor se lembra quem nasce?

Este, sim, que se lembrou,
que ao nascer já se morria
pensando na Sua entrega qual pão
— não panetone: pão da vida…

Seria Ele a própria ceia,
entregue na última posta:
a santa, com os doze, feita,
mas não só para doze doada:
que para uma humanidade inteira
foi aquela partilhada,
tão singela, derradeira…
Mas tão grande, tão amada…

Tão singelo, tão primevo…
Ao nascer foi o doador…
Que veio como um menino,
pobre e frágil e enjeitado,
pequenino e já todo Amor…
Para dar-se veio a lume…
Para tanto se Lhe deu à luz…
Para tanto, muito tanto:
É que veio esse Jesus…

Noel só dá presentes — dizem —,
Mas de presente não se deu.
Dar-se aos homens de presente:
só mesmo o Filho de Deus.

Creiam ou não:
está posta a ceia.
Que se entrega além das passas,
das carnes, das rabanadas…
A ceia — um dia última —
se entrega sempre primeira
não em pratos, mas em gente:
Aquele que se incendeia.

Cada qual pode escolher
a ceia que quer comer.
A vazia ou a plena…
A opaca ou o fanal…
Só não se pode escolher
quem nascer no dia tal…
Sem vagas a tal detalhe…
Que nessa festa nasce Cristo.
E isso — só isso — é Natal.

28

Natal, de novo

Itaney Campos

Talvez devesses mesmo renascer, Menino!

Não para ser crucificado, não para pregar no deserto. Neste outro natal,

não estarias sozinho

no templo, ou nas estradas, ou no calvário.

Não te quedarias solitário em tua expiação infinita. Renascerias como o arauto das mudanças do homem

e da transformação das multidões sequiosas sobreviventes nas pontes, semáforos e viadutos.

Não te ornaria apenas o verbo, que muito vale,

mas também a espada,

que fundo penetra.

Ao teu lado, a fila de pobres e miseráveis,

além de orar,

se daria as mãos, resistindo ao tropel dos cavalos de Roma.

Afrontando as armaduras do reino do capital.

Nenhum companheiro te negaria

e os galos só cantariam para anunciar um novo alvorecer.

Quem sabe entre os zelotas obterias a fórmula sagrada de menor sofrimento às mães; de maior leveza aos pais;

de risos sem sombras aos meninos, donos do reino do céu;

A ceia não seria a última, mas de uma permanência singular

a unir os deserdados, os feridos e os assustados.

Não ascenderias,

perplexo e vestido de luz inconsútil

para infinitas paragens.

Permanecerias entre nós, com as chagas embora, — condição de perseverança,

mas acolherias a teu lado

os que se achavam enterrados nas grotas,

no limbo, no deserto,

por entre cobras e gafanhotos.

Talvez conviesse que voltasses, Nazareno,

agora sim para oferecer do teu pão e do teu vinho

aos humildes da terra,

para plantar a pedra de onde jorraria

abundante água para os sedentos,

frutas, para os famintos,

e dardos de fogo para as múmias em seus túmulos de bronze e calcária frigidez.

Não terias então sofrido, e morrido,

com pouco proveito

para nossa errática desumanidade.