Poemas de Heloisa Helena, Lêda Selma, Luiz de Aquino, Ítalo Campos, Sandra Maria, Maria Helena Chein, Edival Lourenço, Antônio César, Solemar Oliveira
Irrequieta, e com sua capacidade de agregar, a poeta e prosadora Lêda Selma fez o convite para que 15 criadores escrevessem poemas sobre Goiânia. Todos os convidados responderam positivamente (dois enviaram poemas publicados em livros, o que não os desmerece em nada). São poemas de homenagem a uma cidade que, aos trancos e barrancos, completa no domingo, 24, oitenta e oito anos de vida. Quase um século. Trata-se de uma cidade ainda nova.
Goiânia praticamente reinventou o Estado de Goiás, que, a partir da construção, se modernizou e hoje é a nona maior economia do Brasil. Pode-se sugerir que, sem Goiânia, Brasília não existiria. A capital goiana é uma espécie de inspiradora — mais do que mãe — da capital nacional.
Os poetas são espécies de mágicos das palavras. Eles fazem as palavras dançarem, como se bailarinas fossem. Ao modo deles, também reinventam o mundo e, no caso, Goiânia. Há, por assim dizer, uma Goiânia construída pelas palavras dos poetas, que, a rigor, são arquitetos do belo.
1
Parabéns, Goiânia!
Heloisa Helena Campos Borges
Que bom poder olhar por entre as nuvens
pensar naquele tempo e rever
na solidão dos campos as imagens
de um sonho audacioso acontecer.
O vento a vadiar na paisagem
soprava a terra refrescando o sol
redemoinho rubro sem paragem
corria pelo céu em caracol.
Agora o tempo é outro e triunfante
entrega para nós em cor e luz
uma cidade linda, tão galante,
que a tantos faz sorrir, muitos seduz.
Goiânia dos poetas é canção
Goiânia é amor, é coração.
2
Goiânia
Ítalo Campos
Perdoe-me, Goiânia, por lhe abandonar tão cedo.
É que o medo, maior que as distâncias, arremessou-me para longe.
Eu ainda criança, você tão jovem.
Eu, espinha-na-cara, sua face tão Rosa. Lago.
Suas ruas convergentes, dezenas,
não dissiparam meus medos.
Minhas caminhadas pela solidão das ruas
acordavam fantasmas,
Desterravam dos cemitérios o fogo fátuo,
fétido, de um General Costa.
Abandonei você tão viçosa, sedutora,
coberta de segredos que eu quisera
desvelar.
Você, amadurecida já escolhia seus amantes
a peso de diamantes e cavalos.
Eu e meu pangaré invadíamos seus currais Jóqueis,
Jaó, Oásis, numa sequidão de afetos.
De Lyceu a Ateneu, com a sofreguidão de lhe agarrar
com minhas erupções de face.
Meu desejo era amar você, deitar no seu colo.
Perdoe-me por lhe abandonar, pelo medo, pela
Saudade!
Perdoe-me por lhe deixar aos salteadores,
ao mau gosto, aos feitores que lhe abusam
disfarçados em novos ricos e modernos.
Perdoe-me. Quero você em sua ancianidade
mesmo que nosso Lago não seja Rosas,
que as esquinas estejam modificadas.
Quero você.
Quero você neste meu tempo maduro
com o desejo de um menino,
e fantasias de um moleque.
3
Goiânia, mãe de garras afiadas
Sandra Maria
A famosa frase de Franz Kafka
sobre sua cidade natal,
“Prague never lets you go…
this dear little mother has sharp claws” —
Praga nunca deixa você partir…
esta querida mãezinha
tem garras afiadas –
me inspira, hoje, aniversário de Goiânia.
Pelos seus anos vividos,
minha amada mãe adotiva,
sua filha mineira se curva em agradecimento
pelas boas-vindas
à menina de cinco anos de então,
quando você ainda era uma jovenzinha,
linda e promissora.
Você me abraçou, então,
e hoje sou eu
quem te enlaço em meus braços,
com suas mudanças,
sua cultura e sua história,
suas boas partes e suas partes ruins,
seus jardins e árvores de flores
e seus meses de clima seco,
seus bairros nobres
e seus setores abandonados,
seus colégios de excelência
e suas escolas sucateadas,
suas avenidas bem traçadas
e suas ruas esburacadas,
seus grandes escritores
e seus filhos analfabetos,
suas academias de letras e suas prisões,
suas casas de arte e seus barracos.
Você me deu educação e diplomas,
me deu trabalho e oportunidades,
me deu amigos,
uma família e um lar,
em contraponto a tantos
que pouco ou nada têm.
Que suas garras afiadas,
minha Goiânia-Mãe,
continuem fincadas nas minhas costas,
me apertando em seu peito,
pois no seu aconchego
quero envelhecer
e dele nunca partir.
4
Goiânia
Maria Helena Chein
Seu crescer
era meu nascer.
A cidade se tangia
de verde e água,
no mês de janeiro
espantado com trovões,
pequis e mangas
e bebia o mistério
da estação flutuante
de raças, rezas, raízes.
Criaturas se aconchegavam
em matinas e labutas,
deixando para a tarde morna
conversas de alpendre,
sonhos nas cadeiras
esparramadas nas calçadas.
Noite anônima de vinho,
suspiros e vozes
devorava corpos
prensados em cada célula,
essência de cada alma.
Rumos recém-cobertos de asfalto
desembocavam-se nas praças
de amarelos, bancos e lâmpadas.
Criaturas vertiam segredos,
consumiam fantasias,
e se esqueciam em esquinas e botecos,
bandeirantes do ouro, couro
em selva de empórios e andorinhas.
Misturados às missas,
espigões subiam,
buzinas sorviam o silêncio.
Barracos, andaimes,
concretos, máquinas
explodiam-se nas palmas do meio-dia,
lavrando minguados trocados,
entre mármore e cimento.
Flutuando em bairros e travessas,
a cidade tecia o seu agora.
Seu agora
é meu entardecer.
Provo cores,
friezas e avanços,
recolho ao sol
fartura da terra,
o homem e sua calma,
o homem e seu medo.
Respiro o jogo dos dias
em trabalhos, rugas, aceites,
troco a casa pelo apartamento,
voto no político mais devoto
e floresço com jardins e verões.
Anônimos desvendam planaltos,
poetas bebem estrelas,
amantes mastigam gemidos
em cristais do mesmo garimpo.
Provo sua seara
de oferendas e bonanças
e me desnorteio em assombros
pela violência da paisagem
de aço, terror e fome
e me desnorteio em amores
pelo milagre da paisagem
de árvores, pássaros e homens.
5
Meu torrão de açúcar
Edival Lourenço
Quando a língua atinge o ápice
do recôncavo de minha boca
para articular o circunflexo
da palavra Goiânia
no seu étimo nasalado
do planalto em que moro
é como se desmoronasse
um torrão de açúcar sonoro
pelo céu do palato e espalhasse
pelos vales recônditos da boca
de papilas e alvéolos
com doces resvalos no espírito
de quem dorme sonhando alto
e acorda a levitar, inebriado
com o povoado-metrópole
dando suporte aos desejos,
perfumes e flores aos delírios.
Goiânia, em seu nome
é que moro e ao mesmo
tempo me dissemino.
Em seu nome, Goiânia,
é que me reorganizo!
6
Goiânia
Elizabeth Caldeira Brito
Pedro por mim se apaixonou
sonhou o sonho sonhado.
Planejou-me capital moderna,
pulsando o coração no cerrado.
Não tinha esta vida agitada…
Era tranquila, ruas vazias…
Bangalôs, casas, quintais,
pessoas a cultivar amigos.
Hoje vertiginosa metrópole,
capital da beleza e flores
artérias entupidas de carros
apressados, resguardando amores.
Aos oitenta, balzaquiana
cuidando presente e futuro.
Nem me dei por tamanha mudança!
— Onde perdi minha infância?
— Em que espaço ficou meu ar puro?
(Do livro “Dimensões do Viver”. Goiânia, Kelps)
7
19
Geraldo Coelho Vaz
Falo de Goiânia em construção.
Da notícia que varou o tempo.
Dos habitantes primeiros, sertanejos, carregando enxada de sonhos,
de felicidade no olhar.
Mãos calejadas,
carros de bois sonorizando
e rasgando a terra,
plantando e regando
a semente da ilusão
no sonho-esperança.
(Do livro: “Goiânia-69”)
8
XXXIX
Alcione Guimarães
Agora, o sol se interpõe
entre o silêncio e o som
e fios de luzes
se enlaçam
num bordado de penumbra rubra.
Em estilhaços de pedra te vejo
quartzo
e ao teu disfarce, belo e seco,
meus olhos se embaçam.
(Do livro: “Zuarte”)
9
Caminhos
Solemar Oliveira
A cidade criança, uma criança.
Alcança os limites do senão.
Enquanto sonha,
abraça sua gêmea no futuro
A cidade adolescente
ressente entre montes,
nomes e circunstâncias
os desígnios do passado.
A cidade adulta amadurece.
Amanhece em meio a semáforos e casas verticais.
Entre outras, repousa improvável
nos braços do presente.
Goiânia, os perfumes de setembro.
A cidade é cada passo de seus entes,
uma pessoa e seus encontros,
os sonhos de Pedro,
os delírios de Pio,
o conjunto de suas flores.
Emoldurada entre o amarelo e o lilás.
Flores!
Também vermelhas.
Goiânia, a cidade.
A criança de concreto.
O Art Déco e a ingenuidade
de sua modernidade tardia.
A jovem que espreita
a mulher, cidade.
10
Goiânia morena
Lêda Selma
Goiânia morena
de corpo esguio
e ancas largas,
de manhãs soltas ao vento,
de tardes acaloradas,
de ventre escancarando
a prenhez de sol e de flores.
Nas tardes, sempre faceira,
com os desejos flamantes,
Goiânia goiana, amante,
dos poetas, das poetisas,
das noites tão luzidias,
a queimar emoções fortuitas
em seu braseiro de estrelas.
Balzaquiana-menina,
de pele sempre suada,
Goiânia das madrugadas,
das parcerias com a lua,
da irradiação de amores,
dos sonhos azuis, viajores,
dos humores de poesia.
Goiânia de lascivas formas,
dos cabelos de flamboiã,
dos bem-te-vis, beija-flores,
das praças e dos jardins,
morena de olhos dourados,
que ao esposar Goiás
se fez terra-mulher .
11
Goiânia, venerável senhora
Antônio César Caldas Pinheiro
Desde os capitães-generais almejada,
a mudança da capital se fez realidade
pela intrepidez de Pedro Ludovico.
A bucólica Campinas acolhe e abraça a cidade planejada.
Urge construir, urge transformar,
é o trabalho a impulsionar Goiás
e a fomentar o progresso.
Goianos, brasileiros de alhures,
de diversos rincões a adotam como sua.
Surgem as ruas, praças, logradouros,
ao mesmo tempo em que as
oportunidades e sonhos, carreando a esperança de muitos.
E Goiânia cresce. Bela, engalanada,
qual joia rara desponta incrustada na campina.
No Batismo Cultural se apresenta ao Brasil.
Batiza-se, a que jamais fora pagã,
com sinal indelével,
sacramento de fé e cultura louçã.
Hoje, senhora madura,
acolhe, abraça e cativa.
Goiânia ressurge sempre, qual a Fênix do mito.
Renova-se qual hierático rito,
celebrando sua história, epopeia e pujança,
na luta constante em prol de Goiás.
Goiânia é farol telúrico de litúrgico esplendor
no coração do Brasil, é o porto seguro
que o coração almeja.
12
Divagar na noite
Luiz de Aquino
A cidade traz vícios de vida.
Vicejam cores nos canteiros
mas as flores não cantam, Cartola!
E é noite.
A cidade tem traçado avançado,
femininas esquinas
de não se encontrarem as fêmeas:
preferem a paz
das paisagens nos bares.
A cidade congrega solidões.
Gente soturna
de música e ruídos nos bares noturnos.
A cidade preserva um princípio inusitado:
aqui
as paralelas se encontram.
— Goiânia é cheia de infinitos.
13
Revivência
Luiz de Aquino
Tenho tempo
pra reviver vivências.
Mona Lisa, moça livre,
noite insone (Cesinha viveu na zona!).
Um Anjo Azul
reina sobre o Lago
das Rosas,
a madrugada reinventa a vida.
Há poesia, inocência e boemia.
Goiânia dorme, espera:
adolescente renascente em gris,
cãs precoces, sonhos revividos.
Quero acordar outra vez
em plena Pedezesseis.
14
Terra de muitas águas
Zanilda Freitas
Terra de muitas águas
Sou Goiânia, sou menina moça.
Sou terra de muitas águas, daí
meu nome charmoso.
Pequenina eu era e cresci junto
à velha Campininha, minha irmã.
Nos traços de Attilio, tornei-me bela!
Edifícios foram delineando ruas
e avenidas, praças floridas, parques
aconchegantes. Uma fonte de águas
coloridas, um coreto, um Palácio verde
que cintila ao Sol.
Sou rainha do Centro Oeste,
Sou orgulho do povo Goiano!
Trago guardados mistérios e belezas,
lembranças de uma época dourada!
Sou Goiânia Sou amada!
15
Princesinha do Cerrado
Getulio Targino Lima
Humanismo e progresso, lado a lado,
Caminham nestas ruas e avenidas
Que, como artérias vivas, coloridas,
Cortam teu lindo corpo desenhado.
Flores, jardins e bosques, o esmerado
Proveito das paisagens mais queridas…
O teu céu, tuas praças, quanto agrado
A enfeitar nossas vindas, nossas idas…
A cultura, a ciência, a arte, o esporte,
O todo que perfaz teu meigo porte:
A reta, as curvas, teu perfil amado,
Tudo proclama o amor, a paz, o gosto
Pela vida, estampados no teu rosto,
Goiânia, princesinha do cerrado!
16
Um bolo de lágrimas pro aniversário de Goiânia
Gabriel Nascente
I
Goiânia,
O que tens para comemorar, não comemoro.
Sou filho de outra Goiânia
(que já não existe mais dentro de
Goiânia)
Heroizada por Pedro, és fantasma, elefanta de vidro e cinzas
de uma geração de radiâncias e telurismo.
Goiânia, eu já rasguei a iconografia sentimental que guardava de ti:
(aquela Goiânia menina que eu carregava no bolso de um poema).
II
Goiânia,
Eu nasci de tuas entranhas cheirando a óleo de construções, mas haviam homens que bebiam cerveja com a inocência da lua no colo.
E o cri cri do dos grilos no silêncio Indevessável daquelas noites tachanadas de estrelas.
Meu Deus, que nostalgia! Para onde emigraram aqueles míseros músicos da relva?
Ó escureza de lembranças no coração engarrafado!
Goiânia, que arquivo lacrimoso de primaveras és tu na prateleira de minha memória?
Meu livro de ventos, e de infâncias que me escrevem cartas, nodoadas pelo cocô dos passarinhos.
Ver-te agora me faz friúme.
Tu, musa do orvalho, alteza do chão.
Eu vim de ti, e de tuas luzes confundidas com a valsa das mariposas, depois das chuvas.
III
Mas os dentes de ferro (e eletrônicos) da civilização assassina fizeram-te parir outra Goiânia:
bela e monstrenga, com cara de prostituta do capitalismo imobiliário.
Tu não és mais inofensiva como a siriema do cerrado. Nem tens as axilas cheirando a cajuzinhos do campo.
O rio meia ponte está enfermo. E o Botafogo, emparedado. Teus bosques massacrados pelos tratores da ambição política.
Mão de governo é mão de algoz, onde toca, destrói tudo. E depois vai embora deixando mosquitais de bandidos em teus rastros.
Os trogloditas do poder bombardearam relíquias de patrimônio arquitetônico.
IV
O meu aperto de mão está vazio: é pedra
Vai-te embora Goiânia, me deixa em paz.
Parabéns ao Jornal Opção pela divulgação da cultura.
Parabéns e obrigada ao Euler Belém por encampar projetos culturais e divulgar a poesia e a prosa feitas em Goiás. Goiânia é a própria Poesia, e nós, poetisas e poetas, festejamos seus 88 anos.
Sinto-me honrada por compor esta belíssima homenagem aos 88 anos de Goiânia.
Parabéns ao jornal. Parabéns à Leda Selma pela iniciativa.