As 13 maiores duplas sertanejas de todos os tempos
18 julho 2015 às 13h13

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Valor histórico, proposta estética e representatividade pelo tempo de estrada são alguns dos critérios que incluíram e também deixaram importantes duplas de fora
Ademir Luiz
Especial para o Jornal Opção
Meu pai, o senhor Adair Luiz da Silva, praticamente só escutou música sertaneja a vida toda. Desconhece ou despreza solenemente outros gêneros. Suas raízes rurais foram tema do documentário “O Homem do Morro Feio (terra não se vende, se puder é comprar)”, disponível no YouTube. Observei-o atentamente durante a catarse coletiva gerada pela trágica morte do cantor urbano sertanejo universitário Cristiano Araújo.
Sempre que apareciam imagens de arquivo com apresentações do falecido ou de algum sertanejo contemporâneo homenageando-o, ele comentava: “Mas isso é muito ruim!”. Por ser um homem do campo e não um dândi cosmopolita como Zeca Camargo fica impossível patrulhá-lo, lhe negando o direito de criticar e expor a indigência artística de grande parte da atual geração de “artistas” sertanejos.
Farejando um bom tema para um artigo, perguntei-lhe: “Do que o senhor gosta?”. Não, ele não respondeu “churrasco, bom chimarrão, fandango, trago e mulher, é disto que o que velho gosta, é isso que o velho quer”. O resultado foi uma longa conversa, onde surgiram os mais diversos nomes. A maioria do passado, claro, trata-se de um saudosista. Mas nem sempre. Não nega por antecipação os novos valores, se são de fato talentosos ou interessantes. É admirador, por exemplo, da jovem dupla Mayck &; Lyan, dos violeiros sul-mato-grossenses Batô & Fernando e da cantora Paula “Sandy 2.0” Fernandes (da música também).
Inspirado nessa conversa, mas indo além dela, para não ficar restrito ao gosto pessoal de um indivíduo, por mais entendedor que seja, elaborei uma lista pragmática do que seriam as 13 maiores duplas sertanejas de todos os tempos. Maiores, não necessariamente melhores. O resultado surgiu de uma complexa equação envolvendo valor histórico, influência, permanência, proposta estética e representatividade em seu período de atuação. Por esses critérios, infelizmente, ficaram de fora duplas importantes como Zilo &; Zalo, Zico & Zeca, Cacique & Pajé, Mococa & Moraci, Palmeira & Biá, Zé do Rancho & Zé do Pinho e Silveira & Silveirinha; boas duplas femininas como Irmãs Freitas, Irmãs Galvão e As Marcianas; cafonas legais como Duduca & Dalvan, Matogrosso & Matias e João Mineiro & Marciano; e mesmo estrelas platinadas como Leandro & Leonardo e João Paulo & Daniel. Duplas competentes da atualidade, como Victor & Leo (não consigo me lembrar de outra), também, por ainda não terem estrada suficiente.
Por focar somente duplas, não foram inclusos personagens fundamentais como Renato Teixeira, Rolando Boldrin, a grande dama Inezita Barroso; e trios como o Da Vitória, o Parada Dura e Os Filhos de Goiás.
1 – Tião Carreiro & Pardinho
Para muitos, e eu concordo, trata-se da melhor dupla caipira de todos os tempos. Mais do que artistas, estão no domínio das lendas. Tião Carreiro foi o Pelé dos violeiros, sendo impecável em todos os fundamentos de sua arte. Pardinho é seu Coutinho, o melhor e mais entrosado parceiro que o Rei do Futebol teve nos anos de ouro do Santos. Entre seus muitos clássicos estão “Pagode em Brasília”, “Rio de Lágrimas” e a insuperável interpretação de “Rei do Gado”.
2 – Tonico & Tinoco
Tornaram-se sinônimo de dupla caipira, protagonizando filmes e comandando o célebre programa de televisão “Na Beira da Tuia”. Numa justa homenagem, estrelaram um episódio do prestigiado programa “Ensaio” da TV Cultura, lançado em DVD, onde relembraram suas vidas e carreira. Muitas de suas músicas entraram para o imaginário coletivo, como “Cana Verde”, “Baile na Roça” e “Chico Mineiro”.
3 – Zé Carreiro & Carreirinho
Foi a primeira dupla citada por Adair Luiz quando lhe perguntei quais eram as melhores. Realmente, nem sempre são lembrados como mereciam. O repertório com pérolas como “Peito Sadio”, “Canoeiro” e “Pagode” comprava que estão entre os grandes.
4 – Belmonte & Amaraí
Talvez a mais lírica e romântica entre as duplas caipiras da velha guarda. Seu repertório está repleto de músicas sobre amores perdidos e saudades de um campo que não existe mais. Destaca-se nesse rosário de lamentações “Saudade de minha terra”, “Lágrimas da Alma” e “Esquina do Adeus”.
5 – Pedro Bento & Zé da Estrada
Dupla fortemente influenciada pela música mexicana. Inclusive no visual, ostentando grandes chapéus e coletes pretos de mariachis. Entre seus melhores trabalhos estão “Mágoas de boiadeiro”, “Boneca Cobiçada” e a saga épica “Os Três Boiadeiros”.
6 – Liu & Leo
Uma das duplas com a carreira mais longeva e aclamada da lista. Em seu vasto repertório só não aprovo a gravação da fraca “O Rei do Café”, dispensável resposta para “O Rei do Gado”, que apesar de tudo fez sucesso. Felizmente, para compensar essa bobagem, Liu & Leo possuem no currículo obras de arte como “O Ype e o Prisioneiro”, “Sementinha” e a impagável “Prato do Dia”.
7 – Cascatinha & Inhana
Casamento perfeito de vozes. Influenciaram diversas gerações de duplas compostas por um cantor e uma cantora. Nenhuma chegou ao mesmo nível. Cascatinha & Inhana, apesar do estilo brejeiro, conseguiam imprimir certa sofisticação a músicas que facilmente poderiam resvalar no cafona. Essa habilidade pode ser observada nas gravações que fizeram de “Flor do Cafezal”, “Colcha de Retalhos” e “Índia”.
8 – Pena Branca & Xavantinho
Artistas intuitivos de extrema sofisticação, os irmãos Pena Branca & Xavantinho conquistaram o respeito de medalhões da MPB, como Chico Buarque e Milton Nascimento. Fizeram interpretações definitivas de clássicos como “Cio da Terra”, “Calix Bento” e “Cuitelinho”, talvez o mais belo tema recolhido do folclore brasileiro.
9 – Léo Canhoto & Robertinho
Inovadores estéticos, foram os principais responsáveis por incorporar batidas de rock no sertanejo. Também inovaram no visual, ostentando cabelos longos e óculos escuros. O disco que gravaram interpretando rádionovelas de faroeste é impagável como diversão descompromissada. Entre seus tiros certeiros estão “O Último Julgamento”, “O Lobisomem” e a hilariante “História de um azarado”.
10 – Milionário & José Rico
Espécie de Raul Seixas do sertanejo. Mesmo quem não gosta de rock conhece e cantarola músicas do Raul. Mesmo quem não gosta de sertanejo conhece e, por reflexo condicionado, cantarola músicas de Milionário & José Rico. Em todo caso, é preciso respeitar uma dupla que mereceu estrelar um filme dirigido pelo único cineasta que se habilitou como imortal da Academia Brasileira de Letras, Nelson Pereira dos Santos, o longa-metragem “Estrada da Vida” (1979). Entre suas mais ricas interpretações estão “Sonho de um caminhoneiro”, “Duas camisas” e, claro, “Estrada da Vida”.
11 – Chrystian & Ralf
Conhecidos pela afinação e senso de humor, adotaram sem pudores o estilo “cowboy do asfalto”, ajudando a divulgar o sertanejo entre a classe média urbana, que até então se envergonhava de consumir músicas de duplas mais antigas. Ao mesmo tempo, sempre fizeram questão de exaltar os pioneiros do gênero, como quando homenagearam Tião Carreiro na regravação que fizeram do clássico “Amargurado”. Com eles se tornou elegante e “cult” gostar de modas de viola. Seus melhores momentos incluem “Boiada”, “Hino de Reis” e “A Lenda do Caipora”.
12 – Chitãozinho & Xororó
Os irmãos Mozart da música sertaneja. Verdadeiros meninos prodígios, começando a carreira na infância (o primeiro disco oficial é de 1970). Foram os maiores responsáveis pela massificação do gênero, urbanizando o sertanejo ao amalgamá-lo de forma definitiva com a música romântica. Abriram as portas das rádios FM’s e TV com a música “Fio de Cabelo”, a partir de 1982. Privilegiar timbres agudos virou tendência desde então, influenciando inclusive o Sertanejo Universitário. Dividem opiniões, os puristas nem sempre aprovam, mas a importância histórica da dupla é inquestionável. Entre seus hits estão “No rancho fundo”, “Somos assim” e “Falando às Paredes”.
13 – Zezé di Camargo & Luciano
Amados e odiados na mesma proporção. São freqüentemente acusados de serem os precursores da mediocridade reinante no atual cenário sertanejo. Os gritos de Zezé, as veias saltando do pescoço, entraram para o anedotário. O fato é que conquistaram o status de super-stars, chegando a gravar com Julio Iglesias, e certa respeitabilidade cultural quando do lançamento do bom filme biográfico “2 Filhos de Francisco”. Da trilha sonora do filme, saiu um de seus bons momentos, “No dia em que sai de casa”. Vale lembrar a regravação de “Serafim e seus filhos” e, para ódio de muitos, o hit pegajoso “É o amor”. Na dúvida, escutem na versão da Maria Bethania.
Menção Honrosa
14 – Pirilampo e Saracura
Sim, essa dupla não existe. São personagens da novela “O Rei do Gado”. Mas a parceria entre o talentosíssimo violeiro Almir Sater e o mestre do carisma Sérgio Reis não poderia ser ignorada. Suas versões de “Boiadeiro errante”, “Magoa de boiadeiro” e, claro, “O Rei do Gado” são excepcionais, dignas dos mestres que os inspiraram.
Ademir Luiz é doutor em História pela Universidade Federal de Goiás e professor da Universidade Estadual de Goiás (UFG). Realizou pós-doutorado em Poéticas Visuais e Processos de Criação. Docente do programa de mestrado interdisciplinar Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER).
