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O recém-eleito prefeito de Nova York, Zohran Mamdani, abriu seu discurso de vitória com uma provocação direta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: “Donald Trump, já que sei que está assistindo — aumente o volume.”

A frase foi recebida com aplausos e marcou o tom desafiador do discurso. Mamdani, de 34 anos, falou a uma multidão no Brooklyn e afirmou que sua vitória simboliza o início de uma “geração de mudanças” que rejeita frontalmente as políticas do presidente. “Se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é a cidade que o elegeu.”

Ao se dirigir diretamente a Trump, Mamdani transformou a celebração local em um ato nacional de resistência política. A fala sugere que Nova York será, novamente, o epicentro da oposição a um governo conservador — assim como foi nos anos 2010 e 2020.

Um prefeito com discurso de movimento

Mamdani não se limitou a agradecer apoiadores ou falar de gestão municipal. Seu discurso foi ideológico, mobilizador e simbólico, semelhante aos comícios de movimentos sociais. “Esta noite, demos um passo do velho para o novo.”

Ele definiu sua administração como o início de uma “nova era”, prometendo uma “visão ousada” em vez de desculpas. Entre os compromissos centrais, destacou:

  • Congelamento de aluguéis para enfrentar o custo de vida;
  • Transporte municipal gratuito;
  • Acesso universal a creches.

“No centro dessa visão estará a agenda mais ambiciosa para enfrentar a crise do custo de vida que esta cidade já viu desde Fiorello La Guardia.”

A referência ao lendário prefeito Fiorello La Guardia — lembrado por políticas públicas progressistas durante a Grande Depressão — reforça a tentativa de Mamdani de se posicionar na tradição reformista e popular de Nova York.

Um discurso de classe: “esta cidade é sua democracia também”

Outra marca da fala foi o apelo à classe trabalhadora e aos imigrantes, grupos com os quais Mamdani construiu sua trajetória política. Ele recordou a greve de fome que fez ao lado de motoristas de táxi endividados, anos antes, em frente à Prefeitura de Nova York.

“Fiz uma greve de fome de 15 dias com meu irmão Richard, um taxista. Meu irmão, estamos na Prefeitura agora.”

E completou: “Esta cidade é a sua cidade. E esta democracia também é sua.”

Esses trechos sintetizam a identidade de Mamdani como político de base, com linguagem direta, afetiva e inclusiva — um contraste com o estilo corporativo de prefeitos anteriores como Eric Adams e Bill de Blasio.

Análise: a vitória que desafia o centro e o topo

A vitória de Zohran Mamdani representa um ponto de inflexão no progressismo norte-americano. Ele é o primeiro prefeito muçulmano e socialista da história de Nova York, e ascende em um contexto nacional de polarização intensificada por um segundo mandato de Trump.

O discurso de vitória foi desenhado para posicionar Nova York como trincheira política contra Washington. Ao mesmo tempo, foi uma mensagem ao Partido Democrata, pressionando-o a se reconectar com trabalhadores, imigrantes e jovens eleitores desiludidos com a moderação do establishment.

A retórica de Mamdani ecoa líderes como Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders, mas com um componente simbólico ainda mais forte: ele fala como alguém que viveu a precariedade e o deslocamento, não apenas como representante.

Sua eleição também revela uma transformação demográfica e cultural: uma Nova York mais diversa, mais jovem e mais receptiva a pautas como o transporte público gratuito e a moradia acessível.

No plano nacional, a fala tem o potencial de revitalizar a ala progressista democrata e de transformar o prefeito em porta-voz natural da oposição urbana a Trump, algo que pode se expandir para 2026 e 2028.

Quem é Zohran Mamdani

O novo prefeito de Nova York, Zohran Mamdani, representa uma ruptura histórica na política americana. Aos 34 anos, ele se tornou o primeiro muçulmano e socialista a comandar a maior cidade dos Estados Unidos, encarnando uma virada geracional e ideológica em um país novamente governado por Donald Trump. Filho do renomado acadêmico ugandense Mahmood Mamdani e da cineasta Mira Nair, ele nasceu em Kampala, Uganda, e cresceu entre a África e os Estados Unidos, carregando consigo uma identidade híbrida que atravessa continentes, culturas e lutas.

Formado em Estudos Africanos pela Bowdoin College, Mamdani iniciou sua trajetória política como organizador comunitário no bairro do Queens, onde viveu de perto a realidade de trabalhadores imigrantes, motoristas de táxi e inquilinos ameaçados por despejo. Foi ali que construiu as bases de sua militância, associando causas locais a um discurso de transformação estrutural. Em 2020, elegeu-se deputado estadual pelo Queens, apoiado pelo movimento dos Socialistas Democráticos da América (DSA) — a mesma ala progressista que impulsionou nomes como Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders.