‘Chega de visitantes indesejados!’, protestam moradores de cidades afetadas pelo ‘Overturismo’
15 julho 2024 às 17h47
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*Ycarim Melgaço
“Vão embora, turistas! Chega de visitantes indesejados!” Essas palavras, que podem parecer exageradas ou até hostis à primeira vista, estão se tornando cada vez mais comuns nas vozes e cartazes dos moradores de várias cidades europeias afetadas pelo “overturismo”.
Esse fenômeno, que poderia ser chamado de turismo de massa, eu diria, “turismo de manada”, resulta de voos cada vez mais baratos e hospedagens acessíveis, como os do tipo Airbnb. Curiosamente, segundo uma startup francesa, a Murmuration, 80% dos turistas visitam apenas 10% dos destinos mundiais, famosos cartões postais, atualmente considerados, locais “instagramáveis”. Aliás, um modelo de negócio amplamente explorado pela geração Z.
Há pouco tempo, cidades turísticas como Barcelona, na Espanha, Veneza, na Itália, e Amsterdã, na Holanda, estavam vazias por conta dos “lockdowns” da Covid-19, que afetaram principalmente os setores de hospedagem e gastronomia. No entanto, com a retomada das atividades a partir de 2023, uma demanda reprimida por viagens vem despejando hordas de turistas nessas cidades, considerados pela população local como invasores que ameaçam a qualidade de vida. Isso é o “overturismo”.
Ao andar pelas ruas de Barcelona, é impossível ignorar os grafites e protestos que ecoam um sentimento de frustração dos moradores. O charme catalão, que uma vez atraía visitantes ávidos por cultura e história de várias partes do mundo, agora se afoga em multidões que superlotam cada canto da cidade. Desde as Olimpíadas de 1992, que posicionaram Barcelona no mapa do turismo global, o fluxo de turistas não parou de crescer.
Se, por um lado, essas políticas estratégicas agradam o setor de serviços e o mercado de viagens, por outro, para os moradores, essa notoriedade trouxe um alto custo: aluguel exorbitante, infraestrutura sobrecarregada e cotidiano perturbado por hordas de visitantes. Barcelona tem implementado diversas medidas para minimizar o impacto do turismo excessivo e aliviar a crise habitacional enfrentada pela cidade. Entre as principais medidas, estão a proibição de novos aluguéis de curta temporada em áreas centrais, no modelo Airbnb, e um aumento da taxa turística.
Em Veneza, outro cartão-postal, a situação é talvez ainda mais dramática. Navios de cruzeiros, que antes atracavam na cidade, agora enfrentam restrições impostas pelo governo italiano desde agosto de 2021. No entanto, ainda há navios ancorando nas proximidades e disponibilizando barcos para levar os passageiros ao centro histórico, despejando milhares de turistas que, por algumas horas, consomem o que a cidade tem a oferecer e, depois, partem, deixando para trás uma população local exausta e uma cidade que luta para manter sua identidade e sustentabilidade cultural e ambiental.
Para minimizar o impacto do turismo em Veneza, a cidade adotou várias medidas, incluindo a taxa de entrada de €5 para visitantes diurnos, implementada em abril de 2024. A taxa é aplicada em dias de maior movimento, conhecidos como “dias de adesivo preto”, que incluem feriados e finais de semana específicos entre abril e julho. Além disso, a Sala de Controle Inteligente, um modelo de “smart city” chamado “Venice Smart Control Room”, coleta dados sobre o número de turistas, seus movimentos, suas nacionalidades e os impactos no transporte público e no tráfego, permitindo uma gestão mais eficaz do turismo.
Em Amsterdã, a história se repete. Os famosos canais e as charmosas ruas, que outrora formavam o coração pulsante de uma comunidade vibrante, agora são palco de uma batalha silenciosa. De um lado, o turismo desenfreado; do outro, os esforços dos moradores para preservar seu modo de vida. A cidade, que já viu sua população ser duplicada pelo número de turistas, busca desesperadamente encontrar um equilíbrio. Para combater o “overturismo” e “desturistar” os locais visitados, Amsterdã tem implementado várias políticas. O objetivo? Manter o visitante, mas de forma menos impactante, garantindo que o encanto da cidade seja preservado para todos.
Entre as principais medidas, destacam-se a redução do limite de diárias para o Airbnb, de 60 para 30 dias por ano, e a obrigatoriedade de registro dos imóveis para aluguel de curto prazo. A cidade também incentiva os turistas a visitarem locais mais distantes das áreas centrais, aumentando as taxas de hotelaria e introduzindo um imposto para turistas que desembarcam de navios de cruzeiro, além de redistribuir eventos culturais e festivais para fora do centro da cidade.
O “overturismo” não é apenas um problema econômico ou logístico. Trata-se também de uma questão profundamente humana e ambiental. Afeta a qualidade de vida das populações locais e, muitas vezes, agride o meio ambiente. No entanto, não devemos “desturistificar” um local por isso. Sendo assim, urge encontrar um meio-termo, no qual os benefícios do turismo possam ser aproveitados sem sacrificar o cotidiano dos moradores locais.
Quando ouvimos o grito: “Vão embora turistas!”, o que realmente está sendo pedido é que o turismo (e o turista) seja mais consciente, respeitoso e equilibrado. O desafio está lançado: transformar a pressão do turismo em uma força edificante – e não destruidora – do que há de mais precioso nas cidades. Isso só será possível ao ouvir e valorizar as vozes daqueles que vivem e amam esses lugares.
*Ycarim Melgaço é doutor em Geografia pela USP e pós-doutor em Economia pela Unicamp.