Ucrânia vai receber controverso armamento dos EUA

08 julho 2023 às 13h47

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Pela primeira vez desde o início da guerra, os Estados Unidos decidiram fornecer bombas de fragmentação à Ucrânia em resposta a um pedido de Kiev. O anúncio oficial foi feito nesta sexta-feira, 7, e faz parte de um pacote de auxílio militar ao país no valor de 800 milhões de dólares.
A informação inicialmente foi divulgada por fontes do governo americano ouvidas pela Associated Press sob condição de anonimato. Posteriormente, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, confirmou a notícia, e o presidente Joe Biden também discutiu sobre o assunto.
As bombas de fragmentação, também conhecidas como cluster, liberam uma quantidade de projetos ou fragmentos menores que se espalham em uma grande área, aumentando assim seu potencial destrutivo.
No entanto, devido ao fato de nem todos os subprojéteis serem liberados após uma explosão serem detonados, as organizações de defesa dos direitos humanos reprovam o uso desse tipo de arsenal. Isso ocorre porque os fragmentos não detonados representam um risco para os civis, mesmo quando não há mais conflito militar em uma determinada região, envolvendo essas áreas em verdadeiros campos minados.
Por causa desse perigo, o uso de bombas de fragmentação foi proibido pelo tratado assinado por 111 países em 2008. No entanto, Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e Brasil não são signatários desse acordo internacional.
O fornecimento das bombas de fragmentação atende a uma demanda da Ucrânia, que recentemente lançou uma contraofensiva para tentar recuperar territórios ocupados pelas tropas de Vladimir Putin.
Tanto russos quanto ucranianos têm usado bombas de fragmentação, e observadores internacionais afirmam que a Rússia tem usado indiscriminadamente contra alvos civis desde o início da invasão em meados de 2022, conforme investigação da Anistia Internacional.
A ONG Cluster Monitor Coalition relata que, desde o início da guerra, pelo menos 689 ucranianos foram mortos por bombas de fragmentação apenas no primeiro semestre do ano passado. As Nações Unidas (ONU) pediram à Ucrânia e à Rússia que evitem o uso de bombas de fragmentação.
Falha de explosão
Enquanto o Comitê Internacional da Cruz Vermelha afirma que esses capturados têm uma alta taxa de falha de explosão, chegando a até 40% em alguns casos, emissários do governo norte-americano argumentam que a taxa de falha das bombas que foram enviadas à Ucrânia seria inferior a 3%, muito abaixo do equipamento utilizado pelos russos.
No entanto, uma reportagem do New York Times contesta os números fornecidos pelas autoridades norte-americanas e sugere que a taxa de falha pode superar os 14%.
Durante um briefing no Pentágono na última quinta-feira, um membro das Forças Armadas norte-americanas afirmou que as bombas de fragmentação poderiam ajudar a Ucrânia a romper as linhas de blindados russos e atingir uma multiplicidade de alvos a até 300 milhas de distância. O general Mark Milley justificou o fornecimento dizendo: “Os ucranianos pediram, outros países europeus forneceram, os russos estão usando”.
O conselheiro de segurança, Jake Sullivan, também defendeu o envio das bombas ao falar com jornalistas nesta sexta-feira. “A Ucrânia se comprometeu com os esforços de desminagem pós-conflito para mitigar qualquer dano potencial aos civis e isso será necessário independentemente de os Estados Unidos fornecerem essas munições ou não por causa do seu uso generalizado pela Rússia”.
“Reconhecemos que as munições de fragmentação criam um risco de danos a civis devido a munições não detonadas. É por isso que adiamos a decisão o máximo que pudemos. [Mas] há também um enorme risco de danos civis se tropas e tanques russos romperem as posições ucranianas e tomarem mais território ucraniano e subjugarem mais civis ucranianos porque a Ucrânia não tem artilharia suficiente. Isso é intolerável para nós”, completou.
Em uma entrevista à CNN na sexta-feira, o presidente Joe Biden declarou que o fornecimento dessas bombas foi uma “decisão difícil”. No entanto, ele foi eventualmente provocado a enviar as armas porque Kiev necessita de munição em sua contraofensiva.
“Os ucranianos estão ficando sem munição”, disse. “Ou eles têm as armas para parar os russos agora – impedi-los de parar a ofensiva ucraniana nessas áreas – ou não têm. E eu acho que eles precisavam delas.”
A deputada ucraniana Oleksandra Ustinova defende que os militares devem desarmar minas em várias áreas do território recuperado da Rússia. Além disso, ela argumenta que durante esse processo eles também poderiam recolocar quaisquer munições não detonadas provenientes de bombas de fragmentação utilizadas contra as tropas russas.
Otan e Alemanha
Na sexta-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), declarou que a aliança militar não possui uma posição definida em relação às bombas de fragmentação. Embora mais de dois terços dos 30 países-membros tenham assinado a proteção internacional para proibir o uso desse tipo de armamento, Stoltenberg afirmou que a decisão de utilizá-los ou não cabe a cada país convidado dentro da aliança.
A Alemanha, que também é signatária do tratado, deixou claro que não fornecerá munições desse tipo à Ucrânia, mas evitou entrar em confronto aberto com a decisão dos Estados Unidos. A Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, reiterou nesta sexta-feira que a Alemanha mantém seu compromisso com o acordo.
Por sua vez, o porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit, procurou contextualizar a posição americana. “A Ucrânia usa munições para proteger seus civis”, disse. “Também precisamos lembrar que a Rússia já usou bombas de fragmentação em larga escala ao longo de uma guerra de agressão contra a Ucrânia que viola a lei internacional.”
De acordo com as Nações Unidas, o número de civis mortos no conflito ultrapassa 9.000, incluindo mais de 500 crianças e adolescentes. É importante ressaltar que esses números provavelmente são maiores se levarmos em conta os casos não registrados oficialmente.