Apesar das celebrações em Gaza, Tel Aviv e pelo mundo, talvez este não seja o fim da guerra. O Hamas continua muito bem armado e incrustado por toda a Faixa de Gaza. Este não é, nem mesmo, o início do fim do conflito, mas é uma luz que se acende em meio às trevas que compõem inteiramente essa tragédia e ilumina o caminho que sinaliza o fim do sofrimento infernal imposto aos reféns — vivos, mortos e às suas famílias — que, há dois anos, aguardam a volta para casa.

O cessar-fogo, mesmo que temporário, pode ser o momento tão aguardado por milhares de reservistas convocados para não mais lutar numa guerra traumática. A trégua, ainda que frágil, é a única esperança palpável que acena para o fim da agonia de mais de dois milhões de palestinos — agora sem-teto —, mas é também a luz que reacende a possibilidade de discussões diplomáticas que pavimentem o caminho para uma paz definitiva e para o estabelecimento, também definitivo, do Estado Palestino.

Utopia? Talvez. Mas é o que se tem neste momento. No entanto, se há um fim que esse armistício tão peculiar anuncia, é o do isolamento norte-americano no cenário internacional e sua volta triunfal ao caldeirão chamado Oriente Médio. O presidente dos Estados Unidos ainda não alcançou a paz definitiva, mas conseguiu restaurar algo que, há tempos, se acreditava perdido: a Pax Americana.

Não é preciso ser um expert para entender, claramente, que a guerra em Gaza está longe do fim, mesmo que, taticamente, tenha sido paralisada. O acordo, sabiamente costurado pelo genro de Donald Trump e ex-assessor especial da Casa Branca, Jared Kushner, estabelece, já de início, que esta é apenas a primeira fase, cujo foco principal é a libertação dos reféns israelenses em troca de prisioneiros palestinos e a retirada parcial do exército do enclave.

Assim que a troca estiver concluída, terá início uma nova rodada de negociações — certamente a mais complicada —, pois trata do desarmamento do Hamas, da entrada de uma força internacional na Faixa de Gaza, do estabelecimento de um governo transitório formado por tecnocratas e da neutralização absoluta de qualquer ameaça imposta pelo grupo.

O plano Trump prevê que o grupo terrorista entregue as armas e, em seguida, retire-se de Gaza. O que todos desejam é que os horrores desta guerra fiquem para trás e que os acertos finais sejam estabelecidos sem a mínima possibilidade de o conflito voltar a emergir.

O acordo é, sem dúvidas, o triunfo da diplomacia coercitiva. Ao apoiar Israel incondicionalmente nas negociações, Donald Trump potencializou a força militar do Estado judeu e dos Estados Unidos ao prometer ao grupo terrorista nada menos que o “inferno” caso não aceitasse o acordo. Assim como fez com o Irã, Trump ameaçou usar a força da única superpotência militar do planeta para atingir seu objetivo.

Desde a era Clinton, os americanos haviam deixado de lado a tática do uso da força em conversas de paz. Trump preferiu não cometer o mesmo erro. Para ele, diálogo sem ação não tem sentido, e a demonstração de poder em momentos cruciais é a garantia do sucesso.

O Hamas teve de ceder à pressão do mundo árabe e libertar os reféns. As Forças de Israel cumpriram sua parte ao retroceder e retirar parte das tropas da Faixa de Gaza. Mas o grupo terrorista continua ali e, neste momento, está muito mais ocupado em combater novas milícias — que enxergam em sua fragilidade o momento ideal para tomar o poder no território palestino — do que no embate com o exército israelense.

A luta do Hamas é para sobreviver à guerra de atrito contra grupos que ele mesmo criou, treinou e financiou — criaturas que agora se voltam contra o criador. Ao encarar o desafio de deter quem se atreve a tomar o poder na Faixa de Gaza, o grupo terrorista palestino deixa evidente que não pretende sair dali.

E, assim como já fez tantas vezes em outros acordos de paz, deverá mentir — de forma considerada descarada pelo Ocidente, mas aceitável e ratificada pela sharia, a lei islâmica —, que não considera um haram (pecado) o muçulmano mentir para sobreviver a alguma ameaça. Por isso, é certo que o Hamas fará parecer que aceitou a imposição de Trump ao “desaparecer” do mapa durante a reconstrução internacional da Faixa de Gaza, para, então, emergir e restaurar o poder que muitos acreditam ter perdido.

O terrorismo sabe que a guerra contra o terror é uma luta perpétua. O Hamas sempre volta.

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