Foi publicado, nesta terça-feira, 17, o relatório mais recente da Missão Internacional Independente de Determinação dos Fatos sobre a República Bolivariana da Venezuela, grupo que faz parte das Nações Unidas. O documento, apresentado em Genebra, aponta uma “intensificação da repressão, que ocorre, simultaneamente, de forma generalizada e seletiva” no regime ditatorial de Nicolás Maduro. Choques elétricos, socos, asfixia com sacos plásticos, privação de sono, violência sexual e imersão em água fria foram alguns dos métodos de tortura utilizados nos presos políticos apontados pelo relatório. 

Uma das relatoras do documento, Patricia Tappatá Valdez, informou, ao Globo, que “tudo o que aconteceu após 28 de julho [data das eleições presidenciais] teve o objetivo de intimidar a população”. 

Valdez conta que “um dos pontos mais importantes do novo relatório é a conclusão de que existe um ataque generalizado e sistemático contra a população civil”. No documento, é possível ver que  “a missão tem motivos razoáveis para acreditar que algumas das violações dos direitos humanos investigados durante esse período representam uma continuidade da mesma linha de conduta que a missão caracterizou em relatórios anteriores como crimes contra a Humanidade”.

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“Essas violações não foram o resultado de eventos isolados ou aleatórios, mas fazem parte de uma série de eventos cometidos na implementação de um plano coordenado para silenciar, desencorajar e sufocar a oposição ao governo do presidente Maduro”, continuam no relatório. 

Depois da divulgação dos resultados do pleito, feito pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), indicando nova vitória de Maduro, vários jovens foram presos. Os familiares desses jovens, alguns menores de idade, têm denunciado as práticas de tortura. Advogados de ONGs venezuelanas colocam a detenção de adolescentes como uma das novidades na nova etapa do regime. 

“Recebemos relatos de torturas, mas ainda não foram feitas denúncias. As pessoas têm medo”, conta Alfredo Romero, da Foro Penal, ao Globo.

Importante ressaltar que apenas países aliados do governo de Maduro confirmaram os resultados das eleições venezuelanas, como a Turquia, o Irã, a Rússia e a China. Países vizinhos na América Latina, entidades internacionais que acompanharam o pleito, além de países da América do Norte e da Europa, não reconheceram os resultados pois não receberam as cédulas usadas na votação. A oposição no país acusou fraude. 

Desrespeito aos Direitos Humanos

Romero explica que o isolamento dos presos é um dos pontos centrais na repressão adotada pelo regime de Maduro. As primeiras informações vieram à tona após contato dos familiares com esse preso, ou até a soltura de alguns. 

Theany Urbina, mãe de Miguel Urbina, que foi detido em 2 de agosto, afirma a veículos da imprensa local: “os rapazes dizem que aplicaram choques elétricos neles”. Theany continuou dizendo que  “tem uma coisa que chamam de ‘capuz de cebolinha’, que é quando colocam a cabeça de uma pessoa dentro de um saco plástico com gás lacrimogêneo”.

Miguel está atualmente detido em uma prisão de Caracas, acusado de terrorismo. Todos os presos após o 28 de julho, sem exceção, enfrentam as mesmas acusações e condições de cárcere. A mãe do jovem afirma que as torturas aplicadas têm como objetivo obrigá-lo a gravar um vídeo confessando práticas terroristas contra o governo.  

Marino Alvarado, diretor do Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea), garante que as torturas estão acontecendo em diversos estados do país, tanto em prisões quanto em delegacias. “Os primeiros relatos que estamos recebendo confirmam as torturas. A Venezuela está entrando em uma nova etapa em termos de repressão”, concluiu.

Segundo o documento publicado pela ONU, os agentes da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) e do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) são os responsáveis diretos pelas torturas. 

Terrorismo

Alvarado destaca três pontos inéditos no plano de perseguição política: a quantidade de adolescentes presos, 100% dos detentos acusados de terrorismo e a quase totalidade dos presos passam dias desaparecidos. O diretor do Provea afirma que “qualquer pessoa que seja percebida como crítico” é alvo do governo de Maduro.

“ Além dos detentos, suas famílias também sofrem maus-tratos. Sabemos de homens e mulheres obrigados a ficarem nus e revistados de forma violenta antes das visitas”, afirma Alvarado.

O  líder estudantil e juvenil do partido político Bandeira Vermelha, John Álvarez, é usado como exemplo no relatório da missão da ONU. “Álvarez foi preso em 30 de agosto de 2023 e, no mesmo dia de sua prisão foi transferido para uma delegacia de polícia em Caracas, onde foi submetido a tortura física e sexual. Álvarez recebeu golpes e choques elétricos nos órgãos genitais e em outras partes do corpo para forçá-lo a implicar vários dirigentes sindicais, políticos e jornalistas em atos ilegais. Em consequência das torturas a que foi submetido, Álvarez sofre “consequências físicas”, diz o documento.