‘EUA podem pôr tropas em Israel se Hezbollah apoiar o Hamas’, diz goiano na inteligência militar americana

11 outubro 2023 às 18h04

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Antônio Caiado é um goiano que atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009, e foi o primeiro brasileiro a receber o “Distinguished Honor Grad”, honraria de destaque entre militares de alta patente. Atualmente lotado na 36ª divisão de infantaria como senior advisor, Antônio Caiado atua na área de inteligência, analisando informações úteis para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.
Nesta quarta-feira, 11, em entrevista ao Jornal Opção, o oficial analisou as recentes movimentações no conflito entre o estado de Israel e o grupo terrorista palestino do Hamas. Antônio Caiado fez ainda uma avaliação do contexto, das brechas na inteligência dos países que permitiram a articulação do ataque aos civis israelenses e, por último, fez um prognóstico do conflito.
Italo Wolff — O conflito pode escalar com a entrada de forças americanas?
Antônio Caiado — Os Estados Unidos não têm intenção de colocar tropas em Israel, a não ser que outra nação apoie o Hamas. A intenção do exército americano é fornecer ajuda, como fez em apoio a Ucrania. Hoje, chegou a Israel o maior navio de guerra do mundo, o USS Gerald R. Ford, para apoio de operações marítimas e aéreas, além de carregamento de armas e munição.
O exército americano aprendeu com a experiência no Iraque e Afeganistão os perigos de invadir território inimigo. Entrar em solo é fácil, mas sair é muito difícil. Podemos fazer operações especiais, até para resgatar americanos presos pelo Hamas, mas isso só será feito se for possível e com segurança. Não se arrisca sem chance de vitória.
Mas o conflito pode escalar, por exemplo, com a entrada do Hezbollah. No Líbano e Síria, essa organização paramilitar numerosa que ganhou estrutura, treinamento e recursos ao ajudar ditadores a se manter no poder. Já se espera que este conflito seja longo hoje, mas, com a entrada do Hezbollah, a guerra pode escalar muito e pedir por intervenção de outras partes.
O próprio Líbano e Síria não têm interesse de se envolver na guerra, mas atuaram financiando o Hezbollah de forma que se tornaram parte do conflito. Se esse grupo fundamentalista islâmico xiita transnacional atacar Israel, a coisa muda de figura.


Como o Hamas conseguiu organizar um ataque tão brutal sem ser detectado pela inteligência do Mossad ou a inteligência americana?
Os EUA têm uma base enorme no território da Jordânia, vizinho à Palestina, onde estive em 2021. Os esforços de inteligência são concentrados ali, na região da Transjordânia e Cisjordânia. Temos, desde 1973, uma base próxima ao Monte Sinai, ao lado da Faixa de Gaza, mas seu objetivo são missões para garantir a paz entre Egito, Israel e Palestina. Em Gaza, a maior parte da vigilância é feita por Israel.
Há tratados de colaboração entre Estados Unidos e Israel, com o compartilhamento de informações, mas os países não repassam todos os dados que obtém, e não sabemos se Israel poderia ter prevenido o ataque. A questão é: monitorar grupos terroristas é muitíssimo complicado.
Conseguimos muitas informações sobre as atividades do Hamas, mas não sabemos o que é confiável. O Hamas é uma “organização desorganizada”; não há estruturas fixas ou hierarquia rígida no repasse de ordens. Não podemos dizer “todos os terroristas pegam informações desta fonte”, ou “esse cara é quem manda”. Nós temos inteligência em toda a região, mas nem tudo é confiável.
Temos que compreender que o Hezbollah e o Hamas estão sempre planejando, sempre querendo promover atentados. Mas eles dependem das circunstâncias. O que houve foi o alinhamento das contingências. As pessoas tentam culpar os militares de Israel, sem entender que não se pode colocar tensão prolongada sobre as tropas. Os militares passam até cerca de 90 dias mobilizados, de prontidão, sem um objetivo. Depois disso, a moral cai. Eles precisam saber o que estão buscando atingir. É impossível deixar soldados de prontidão atentos à Gaza o tempo todo.
E que circunstâncias foram essas que precipitaram o ataque?
Nos últimos 60 dias, quando os EUA começaram negociações com Arábia Saudita, Joe Biden se encontrou com o príncipe Mohammad bin Salman e propôs o reconhecimento do estado de Israel em troca do aumento das defesas da Arabia Saudita. Após essas conversas, Bin Salman afirmou que a Arábia Saudita se aproximava da “normalização” de Israel e seu programa nuclear civil (enriquecimento de material nuclear para fins de produção de energia) avançou muito nas últimas 3 semanas. Esse foi o início do aumento das tensões.
A Arabia Saudita é o pais mais rico que defende a Palestina e a sinalização positiva a Israel pareceu aos palestinos um momento perigoso de perda de aliados. Faz parte dos interesses dos Palestinos evitar conversas entre o mundo árabe e Israel. O conflito é uma forma de pressionar os sauditas a apoiar o lado árabe e, logo, se opor novamente a Israel.
Há outros fatores que precipitaram o ataque. Há, por exemplo, a política interna Israelense, pois Benjamin Netanyahu fez reformas impopulares no Judiciário e enfrenta perda de apoio. O Iran também está irritado, porque os Estados Unidos apreenderam há cinco meses um navio iraniano carregado de armas e munições que ia em direção ao Yemen. Na semana passada, os EUA doaram as armas e mais de um milhão de munições para a Ucrânia. Isso criou o clima de represália; o Iran, que financia o Hamas, apoiou o ataque.

O que deve acontecer nas próximas semanas?
Israel vai invadir Gaza, não tenha dúvidas. Os ataques aéreos promovidos até agora tiveram a intenção de assustar a população para que os civis sejam evacuados. Mas o objetivo central de Israel é ocupar a Faixa de Gaza e tomar o território em definitivo. Infelizmente, quem vai sofrer é o civil palestino.
Para o exército que invade, não há como diferenciar civis de terroristas. A morte dos inocentes vai acontecer, é inevitável e muito triste. A população já está sofrendo há dois dias sem água, comida e eletricidade. É um povo que sofre desde antes, na verdade, em seus campos de refugiados, em pobreza extrema. São nesses lugares onde nascem os soldados radicalizados do Hamas e Hezbollah; pessoas criadas com profundo ódio aos seus opressores e com fé extremada.
Israel deve derrotar o Hamas? Isso é possível?
Eliminar o Hamas significa acabar com seu financiamento, com seu fornecimento de armas, treinamento e telecomunicações. Onde seus soldados conseguiram treinamento? A Faixa de Gaza é um território pequeno, monitorado 24h por dia; é impossível que eles tenham aprendido a usar lançadores de granadas ali, sem que Israel percebesse. Mas o mundo islâmico é grande, esses soldados do Hamas podem ter sido treinados na Líbia, Síria, Egito. Agiram de forma muito profissional, o que significa que foram financiados de alguma forma.
Eu particularmente acredito que há homens de fora do Hamas infiltrados em Gaza, que planejaram e executaram o ataque. Quem tem interesse no conflito? Há diversas entidades e pessoas que enriquecem com a opressão dos civis, infelizmente. Gente que ganha dinheiro para doações humanitárias, ou muçulmanos que captam e encaminham dinheiro para a causa da libertação palestina. Essas pessoas não vivem em Gaza, mas gerenciam e lucram com isso de suas casas na Europa ou em Dubai.
Como há doações para a libertação do povo palestino, existe também interesse no sofrimento e exploração desses palestinos. Como não há como acabar com o Hamas sem matar inocentes no caminho, há interesse em financiar o Hamas e provocar conflitos para captar recursos para a causa Palestina.


Qual a solução possível?
Não há solução fácil ou rápida. A saída ideal é a dos dois estados, com a criação de nações independentes. Entretanto, a Palestina não tem territórios contíguos – há um trecho na Cisjordânia e outro isolado em Gaza. Só isso já é uma grande complicação. Os israelenses acreditam ainda que a criação de um estado nacional palestino ofereceria um ambiente seguro para o desenvolvimento de grupos terroristas como o Hamas.
Há também a solução do estado único; um país único em que palestinos e israelenses pudessem conviver em paz e respeitando uns aos outros. É a solução em que Israel investe e, apesar de utópica e aparentemente depender de um milagre, pode estar se aproximando. Caso a Faixa de Gaza seja ocupada, talvez a integração dos territórios se torne mais próxima.
O fato é que Gaza jamais será o que era novamente, mas a mudança de sua forma de governar é necessária. A Cisjordânia não é fundamentalista, é um estado secular formado por diversas pessoas discordantes que governam em prol da causa da libertação palestina. Me parece uma forma de governo mais racional, que oferece mais soluções para o problema.