Ycarim Melgaço*

A cidade de Dubai, com sua grandiosidade digna de um parque temático da Disney, onde cada edifício é uma manifestação de ostentação e esplendor, foi surpreendida por uma tempestade apocalíptica em 16 de abril de 2024. Sim, ali, onde o sol escaldante habitualmente reina sobre um deserto implacável e as chuvas são uma raridade, a tempestade trouxe um prelúdio sinistro quando o céu finalmente desabou. Com suas ruas e avenidas completamente alagadas, a “fabulosa” cidade dos sonhos instantaneamente mergulhou na escuridão. Dubai não estava preparada para enfrentar tal volume de água de uma só vez, já que não possui sistema de drenagem pluvial.

Nessa tormenta, uma das portas de entrada mais importantes para o mundo, o aeroporto de Dubai, transformou-se em um palco de caos e desespero. Apenas em 2023, 87 milhões de passageiros fizeram uma parada no Aeroporto Internacional de Dubai. É assombroso pensar que este aeroporto foi recentemente classificado como o segundo maior em movimento do mundo e o maior em passageiros internacionais. No entanto, mesmo diante dessa impressionante estatística, a cena de caos e desespero que agora se desenrola nos corredores deste gigante aeroporto destaca a fragilidade humana diante das forças da natureza.

O dilúvio tomou conta do saguão deste imenso aeroporto, transformando corredores e esteiras de bagagem em um cenário de naufrágio em vez de um ambiente aeroportuário. Com água por todos os lados, a cena mais se assemelhava a um desastre marítimo do que a um terminal de aviação. Os passageiros, recém-chegados de voos, muitos deles turistas encantados pela extravagância arquitetônica de Dubai, foram recebidos não pela prometida magia da cidade, mas sim por uma tempestade dentro do próprio terminal, onde resgatar suas bagagens tornou-se uma tarefa quase impossível, em meio à escuridão e à água turva.

Enquanto relâmpagos cortavam o céu noturno e trovões ecoavam como o prenúncio de uma batalha iminente, as equipes terrestres lutavam desesperadamente para manter a ordem em meio ao dilúvio implacável. As pistas de pouso e decolagem, normalmente palcos de uma coreografia precisa de aviões, tornaram-se lagos temporários, refletindo as luzes de emergência em uma cena sinistra. Para os passageiros presos neste inferno aquático, escapar para as ruas inundadas da cidade além dos portões do aeroporto era uma perspectiva assustadora, pois até mesmo o deserto se transformara em mar, engolindo carros e pedestres em um curso voraz.

Diante da magnitude da tempestade e da subsequente crise, a Emirates, a principal companhia aérea de Dubai, encontrou-se envolta em um turbilhão de caos e desespero. Mesmo sendo reconhecida pelo serviço de bordo exemplar e pela frota imponente, incluindo o majestoso Airbus A380, a maior aeronave de passageiros do mundo, a empresa quase perdeu o controle sobre os passageiros em seus voos, enquanto a disfuncionalidade se espalhava por todos os aspectos de sua operação.

O descompasso com a equipe, aliado às ruas transformadas em rios, não só impediu a chegada dos funcionários, incluindo tripulação, ao aeroporto, mas também interrompeu o fluxo de suprimentos vitais, no caso, alimentos. O resultado foi uma falha total na logística, deixando a Emirates em um impasse. Sem precedentes, a tempestade não estava nos planos estratégicos de Dubai ou da própria companhia aérea, exigindo uma abordagem criativa para superar os obstáculos.

No meio desse caos, o renomado serviço de bordo da Emirates, parte essencial da experiência de voo, foi duramente afetado pela quebra na cadeia logística, deixando milhares de passageiros famintos e desamparados no aeroporto inundado. A Emirates enfrentou um desafio sem precedentes, operando 490 voos diários e servindo em média 149 refeições por minuto. A interrupção desse fluxo crucial de alimentos e serviços essenciais mergulhou a companhia aérea em uma crise operacional de grandes proporções.

Para lidar com o caos, a Emirates foi forçada a reorganizar completamente seu cronograma de voos, desviando passageiros e alocando recursos de forma desesperada. É a gestão operacional colocada a toda prova, pior que qualquer concorrência de mercado. Assim, a empresa lançou mão de medidas extraordinárias para tentar garantir o bem-estar dos passageiros afetados, reservou 12 mil quartos de hotel para acomodação de passageiros e emitiu 250 mil vales-refeições para aliviar a fome e o desconforto. Mas…onde comer?! Restaurantes e lanchonetes do terminal, estavam ficando à míngua, sem suprimentos.

Em meio a essa desordem total, a Emirates ainda lutava para manter a integridade de sua reputação e o conforto de seus clientes, enquanto enfrentava uma situação que desafiava até mesmo os limites de sua capacidade de resposta. Assim, a tempestade não apenas inundou as ruas de Dubai, mas também lançou a empresa aérea em um redemoinho de demanda operacional de emergência.

O que está por trás das fortes chuvas em Dubai   

Analisar as fortes chuvas em Dubai é uma tarefa desafiadora, dada a localização da região em uma área árida da Península Arábica, onde tempestades são eventos extremamente raros. A precipitação intensa observada em 16 de abril de 2024 foi um fenômeno excepcional que surpreendeu tanto os residentes quanto os especialistas em clima. Entre as possíveis explicações para esse evento incomum está a prática da semeadura de nuvens, uma técnica em que substâncias como o iodeto de prata são dispersas nas nuvens para estimular a formação de gotículas de água e, consequentemente, precipitação.

Embora os Emirados Árabes Unidos tenham empregado essa técnica desde a década de 1990, geralmente resultando apenas em chuvas leves e localizadas, o volume e a intensidade das chuvas de abril de 2024 estão além do que poderia ser causado apenas por essa prática. O Centro Meteorológico Nacional dos Emirados Árabes Unidos rapidamente descartou a possibilidade de que a semeadura de nuvens fosse responsável por essa tempestade, destacando a sua limitada eficácia em desencadear chuvas significativas. Além disso, os especialistas observaram que as mudanças climáticas globais podem desempenhar um papel importante nesse evento extremo.

O aumento das temperaturas globais devido às emissões de gases de efeito estufa pode levar a uma maior evaporação da água dos oceanos, resultando em mais umidade disponível na atmosfera para formação de tempestades. Embora seja difícil atribuir diretamente as chuvas intensas em Dubai às mudanças climáticas, é uma possibilidade que não pode ser descartada e merece ser investigada mais profundamente.

Em resumo, a questão pluviométrica em Dubai é complexa e multifacetada, envolvendo uma combinação de fatores naturais e possivelmente antropogênicos. Enquanto a semeadura de nuvens é uma técnica utilizada na região, sua capacidade de desencadear tempestades tão intensas é questionável. As mudanças climáticas globais também podem ter contribuído para esse evento extremo, destacando a importância de estudos adicionais sobre o impacto das mudanças climáticas na região e a necessidade de medidas de adaptação e mitigação. No entanto, mesmo com essas análises, permanecem questões sem respostas definitivas.

Independentemente das razões por trás desse evento extremo no deserto, o Aeroporto de Dubai, conhecido como um dos principais hubs de aviação do mundo, viu sua reputação abalada. Isso levanta preocupações sobre sua confiabilidade e capacidade de lidar com desafios meteorológicos extremos no futuro. Fica evidente a necessidade de medidas de contingência mais robustas e investimentos em infraestrutura resiliente para se adaptar às realidades de um clima em constante mudança.

Ycarim Melgaço | Foto: Jornal Opção

A tempestade serve como um aviso claro de que é necessário tomar medidas eficazes para proteger o clima, caso contrário, enfrentaremos consequências cada vez mais severas. O custo do descaso já está sendo pago, e a tempestade em Dubai é apenas mais um lembrete disso.

*Ycarim Melgaço é doutor em Geografia Humana (USP), pós-doutor em Economia (Unicamp) e em Administração de Organizações (FEARP-USP). É professor do MDPT-PUCGO. YouTube Tur Análise.