A atuação de grupos militares privados, normalmente ligados a assuntos políticos ilícitos, têm gerado preocupação mundial. Essa atuação, inclusive, foi tema de uma conferência no Panamá, organizada pelo Departamento de Estado dos EUA, com a participação de acadêmicos, representantes de organismos internacionais, do setor de segurança e de autoridades da região. 

Empresas como o Grupo Wagner, famoso pela guerra na Ucrânia, e a CTU Security, responsável por assassinar o presidente do Haiti em 2021, empregam cerca de 2,4 milhões de pessoas que, frequentemente, operam fora da lei. Segundo números oficiais, o setor ostenta 16 mil empresas.

Um dos pontos levantados no encontro realizado no início do mês de dezembro foi a necessidade de não tratar o setor de segurança como uma entidade única. Afinal, ele engloba desde companhias com veteranos de guerra e armas pesadas, como o Wagner, até firmas pequenas que fornecem vigilantes para mercados em localidades no interior da Guatemala ou do Brasil. 

Muitos operam seguindo normas internacionais sobre direitos humanos, além das regras locais. Entre as funções mais requisitadas estão a proteção de áreas de exploração econômica, como minas e poços de extração de petróleo, e a segurança de políticos. 

Colômbia reforçou atuação 

Mas nem sempre é possível estabelecer onde começa e onde termina uma atividade legal. A existência de mercenários é quase tão antiga quanto a humanidade. Com o século XX, vieram as leis para regular e banir os mercenários, mas o fim da Guerra Fria e o desmantelamento de conceito de soberania em várias regiões foram o convite para uma “repaginação”, agora sob a alcunha de “empresas de prestação de serviços militares”. Neste contexto, a Colômbia serviu como um celeiro para a expansão do setor. 

Em meio à guerra contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), já extintas, Bogotá flexibilizou regras para a formação de grupos locais de segurança em áreas rurais, que não era raro se fundiam com milícias maiores, a mais famosa delas as  Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), desmanteladas em 2006. 

A grande quantidade de combatentes armados, treinados e mal pagos foi um presente para as empresas militares privadas, que no começo do século já prosperavam em vários cantos do planeta. Em 2016, uma estimativa da Faculdade Real Dinamarquesa de Defesa afirmou que um em cada quatro combatentes na Guerra do Afeganistão (2001-2021) era ligado a uma companhia particular. 

Além do magnicídio no Haiti, onde 26 colombianos participaram da operação, cidadãos do país em empresas militares privadas foram acusados de envolvimento no golpe que depôs Manuel Zelaya em 2009, em Honduras. Desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado, centenas de colombianos deixaram suas casas rumo ao front, combatendo as forças russas em troca de dólares. 

A questão econômica é um fator crucial para o recrutamento nas companhias militares. Um tema que provocou discussões acaloradas na conferência foi sobre como definir e controlar as operações das empresas, seja na contratação, seja na oferta dos serviços. 

Estabelecer quando a linha da legalidade é cruzada é igualmente complexo, uma vez que muitas têm sede em países a milhares de quilômetros de distância e conseguem burlar sistemas de monitoramento de voos e registros fiscais usando companhias de fachada. 

A sociedade civil, voz importante para denunciar abusos, é calada por intimidações, agressões e, algumas vezes, assassinatos. E as autoridades podem ser coniventes com empresas, seja por elas atuarem em regiões onde o Estado não tem qualquer tipo de controle, seja por interesses próprios. Não bastassem as complexidades regionais, em 2019 surgiram indícios de que um player do setor de segurança privada fincou posição na América Latina. 

O Grupo Wagner, fundado por Yevgeny Prigojin, iniciou operações na Venezuela, país com o qual o Kremlin nutre boas relações. Uma das missões seria a proteção de Nicolás Maduro, depois que alguns drones com explosivos foram detonados perto do local onde ele discursava, em 2018. 

O ato foi considerado tentativa de homicídio. Juan Requesens, um dos acusados, foi condenado a oito anos de prisão, mas libertado em um acordo com os EUA, em outubro. Na conferência, foi difícil não relacionar a presença do grupo, hoje ativo na Ucrânia, na Síria e em uma série de nações africanas, com a crise instaurada pelo governo de Maduro sobre o Essequibo, região da Guiana reivindicada por Caracas. 

Embora opinem que a chance de um envolvimento da organização em uma hipotética invasão seja baixa, os debatedores apontaram que o apoio poderia ocorrer de outras formas, como treinamento ou táticas para burlar sanções. 

Melhor cenário

Mas há um cenário mais plausível. Em 2024, a Venezuela deve realizar eleições sob pressão por uma votação livre e sob ameaça de protestos, especialmente se a principal candidata opositora, María Corina Machado, não concorrer. Em julho, ela foi inabilitada por 15 anos, e mesmo assim recebeu 93% dos votos nas primárias da oposição. 

A votação foi suspensa pelo Supremo Tribunal, dominado pelo chavismo. Uma eventual instabilidade poderia justificar o emprego do Wagner como apoio à repressão estatal. Um cenário que aproximaria a organização transnacional, braço militar do Kremlin e alvo de sanções em dezenas de países, dos grupos irregulares de segurança que encontraram na América Latina um porto seguro para suas operações.