Tathyane Melo

Em um esforço conjunto para combater a crescente degradação do Cerrado e seus impactos no abastecimento de água, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) firmaram um acordo com o Instituto Cerrados. O objetivo é desenvolver um mapa que identifique as áreas prioritárias para a conservação dos recursos hídricos no bioma do Centro-Oeste, reforçando a importância do Cerrado para o equilíbrio hídrico do Brasil e a preservação das principais bacias hidrográficas do país.

A importância do Cerrado no cenário hídrico brasileiro

Conhecido como o “berço das águas”, o Cerrado tem um papel importante no fornecimento de água para o Brasil. O bioma abastece oito das doze principais bacias hidrográficas do país, incluindo a Amazônica, a do São Francisco e a do Paraná. Em uma carta aberta à ministra Marina Silva, o diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, destacou que mais de 90% da água que corre no rio São Francisco vem desse bioma. Além disso, toda a água que abastece o Pantanal e o rio Parnaíba também se origina no Cerrado, assim como cerca de 60% do volume hídrico que alimenta a hidrelétrica de Itaipu.

“Cerca de 40% da água potável do Brasil vem do Cerrado, o dobro da contribuição da Amazônia; cerca de 40% da energia elétrica do país é produzida com as águas do Cerrado”, afirmou Salmona. Segundo o diretor do Instituro Cerrados, com sua vasta contribuição para a irrigação e produção agrícola, o Cerrado é fundamental para a manutenção das commodities brasileiras, que dependem desse ciclo hídrico.

Iniciativa de mapeamento de áreas prioritárias para conservação

Diante desse cenário, o acordo entre o Ministério do Meio Ambiente, a ANA e o Instituto Cerrados busca orientar ações de conservação com base em dados científicos. O projeto, denominado Áreas Prioritárias para Conservação de Água do Cerrado (APCAC), tem como meta identificar as áreas mais vulneráveis e importantes para a proteção dos recursos hídricos. A iniciativa envolve a criação de um mapa detalhado que destacará as regiões que necessitam de conservação, restauração e monitoramento, priorizando o provimento de água.

O diretor do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, complementou: “Este trabalho sozinho não resolverá o problema do Cerrado, mas sem ele também não teremos a solução. Esperamos que com esse passo possamos colaborar mais para geração de outras alternativas para manutenção do Cerrado e de seus Povos”.

João Pedro Cicatelli, biólogo e engenheiro ambiental, explica ao Jornal Opção como esse mapeamento pode ser uma ferramenta essencial para enfrentar os desafios da degradação ambiental e as mudanças climáticas que ameaçam o Cerrado e, consequentemente, o abastecimento de água em várias regiões do Brasil.

Cicatelli enfatiza que o Cerrado é um bioma vulnerável, com características semiáridas, que o tornam propenso à desertificação acelerada. Para ele, o desenvolvimento de um mapa detalhado dessas áreas prioritárias é uma ferramenta crucial. “Com um mapa detalhado sobre uma certa área, é possível acessar informações de forma imediata. Isso facilita a elaboração de planos e estratégias que permitem a restauração, ou até mesmo a recuperação da área, caso haja o empenho para tal”, afirma.

Questionado sobre os critérios mais importantes na definição dessas áreas prioritárias, Cicatelli destaca a necessidade de uma abordagem abrangente. “Devemos tratar o assunto como um todo. Quando falamos de meio ambiente, não tratamos de casos isolados, e sim, do panorama total, que engloba solo, atmosfera, fauna e flora”, explica. Segundo ele, ao observar os aspectos físicos, químicos e biológicos de uma área, é possível identificar quais regiões estão mais degradadas e, com isso, elaborar planos de ação eficazes.

Ele ressalta que a integração do mapa com outras políticas ambientais é fundamental. “O correto seria aplicar essas políticas de forma ampla, não se restringindo a áreas específicas, mas contemplando o Cerrado como um todo”, afirma. A abordagem sistêmica considera a interconexão entre diferentes ecossistemas e garante uma estratégia mais abrangente para a conservação do bioma.

O impacto do desmatamento e a necessidade de restauração

O desmatamento é uma das principais ameaças ao Cerrado, contribuindo diretamente para as mudanças climáticas e para a alteração do ciclo hidrológico. Cicatelli explica que o desmatamento causa problemas como a compactação do solo, o que impede a retenção de água e prejudica os aquíferos subterrâneos. “A compactação do solo afeta a infiltração de água e impede a vegetação de crescer, o que, por sua vez, causa a extinção de espécies vegetais e animais que dependem dessas áreas”, destaca.

Além disso, a falta de vegetação contribui para o aumento das temperaturas, o que agrava a erosão do solo e intensifica os riscos de incêndios. “Com a morte da flora, temos também um maior aquecimento do solo, o que aumenta o índice de erosão hídrica e aérea, causando falhas geológicas e disseminando partículas que prejudicam outras regiões além do Cerrado”, explica o especialista.

A restauração das áreas degradadas é vista como uma das poucas soluções viáveis para reverter esse quadro. Cicatelli ressalta que, ao promover a recuperação da vegetação nativa, é possível restabelecer o ciclo hidrológico natural, o que ajuda a conservar as bacias hidrográficas e a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “O meio ambiente é um sistema extremamente complexo. O desequilíbrio em uma parte gera um efeito dominó em todo o ecossistema”, alerta.

Atraso nas chuvas e o impacto na biodiversidade

O desmatamento e o uso excessivo de recursos hídricos também têm atrasado o início da temporada de chuvas no Cerrado, fenômeno que afeta drasticamente a biodiversidade e os recursos hídricos do bioma. “A utilização de recursos hídricos sem acompanhamento da devida regulação, especialmente no agronegócio, reduz a área de contato pela qual a evaporação da água acontece”, afirma Cicatelli.

João Pedro Cicatelli encerra a entrevista ressaltando a urgência de ações coordenadas para frear a degradação do Cerrado. Para ele, é essencial que políticas públicas integrem as diferentes dimensões do problema ambiental, promovendo uma recuperação que envolva todos os setores da sociedade. “O que acontece no Cerrado afeta não só o Centro-Oeste, mas o Brasil como um todo”, conclui.