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Parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis fazem parte de um modelo urbanístico conhecido como “cidade-esponja”. A proposta busca reter a água da chuva no próprio espaço urbano, reduzindo enchentes, filtrando poluentes e assegurando reservas para períodos de estiagem.

O conceito foi desenvolvido pelo arquiteto chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e fundador do escritório Turenscape, que morreu na noite de terça-feira, 23, em um acidente aéreo no Pantanal, em Mato Grosso do Sul. Considerado um dos maiores arquitetos paisagistas do mundo, Yu deixa como legado uma das ideias mais inovadoras do urbanismo contemporâneo.

Origem da ideia

A noção de cidade-esponja ganhou força após uma tragédia em Pequim, em 2012, quando chuvas intensas provocaram a morte de quase 80 pessoas. Enquanto boa parte da capital chinesa ficou submersa, a Cidade Proibida — construída séculos antes com um sofisticado sistema de drenagem — permaneceu seca.

O episódio reforçou a crítica de Yu: as cidades modernas dependem demais de infraestrutura de concreto, canos e bombas, mas negligenciam soluções baseadas na natureza (SbN), capazes de infiltrar, limpar e reaproveitar a água no ambiente urbano.

A partir daí, a China passou a investir fortemente em projetos de cidade-esponja, planejados para absorver o excesso de chuva e liberar a água de forma gradual, reduzindo enchentes e fortalecendo a resiliência hídrica em períodos de seca.

Como funcionam as cidades-esponja

O modelo se baseia em um conjunto de estratégias integradas que redesenham a infraestrutura urbana para funcionar em harmonia com os ciclos naturais da água. Entre as principais medidas estão:

  • Parques alagáveis: áreas verdes que podem ser inundadas temporariamente durante cheias. Além de funcionarem como reservatórios, se tornam espaços de lazer no período seco, aumentando a biodiversidade urbana.
  • Telhados verdes: coberturas vegetadas em prédios e casas, que reduzem a quantidade de água direcionada ao sistema de drenagem, regulam a temperatura local e melhoram a qualidade do ar.
  • Calçamentos permeáveis: pisos porosos que permitem que a água infiltre no solo em vez de escoar para bueiros.
  • Praças-piscina: espaços de lazer ou esportivos que podem acumular água da chuva temporariamente, como a praça Benthemplein, em Roterdã (Holanda).
  • Bioswales (valetas verdes de infiltração): canais lineares com vegetação que filtram e absorvem a água da chuva, comuns em projetos nos EUA e na China.
  • Rios renaturalizados: substituição de barreiras de concreto por margens vegetadas, permitindo que cursos d’água recuperem sua função natural de absorver e armazenar cheias.

Exemplos pelo mundo

  • China: parques como Yanweizhou (Jinhua) e Yongning (Taizhou) se tornaram referências ao substituir muros de contenção por áreas verdes que reduzem inundações.
  • Holanda: Roterdã criou praças-piscina que armazenam milhões de litros de água em dias de tempestade.
  • Dinamarca: Copenhague implementou calçamentos permeáveis em espaços públicos após enchentes devastadoras em 2011.
  • Estados Unidos: Nova York construiu parques à beira do East River para conter inundações e proteger bairros vulneráveis.
  • Tailândia: Bangcoc abriga o parque Chulalongkorn, com sistema subterrâneo de reservatórios temporários.

Debate no Brasil

No Brasil, o tema voltou ao centro da discussão após as enchentes históricas no Rio Grande do Sul em 2024, que deixaram milhares de pessoas desabrigadas.

Atualmente, a principal aposta ainda são os “piscinões”, grandes reservatórios de concreto que acumulam água de maneira passiva, mas que apresentam problemas como mau cheiro e acúmulo de lixo. Projetos inspirados no modelo de cidade-esponja ainda são incipientes e restritos a iniciativas pontuais.

Urbanistas defendem que a adoção de infraestruturas verdes é crucial para a adaptação climática das cidades brasileiras, especialmente diante do aumento da frequência de eventos extremos como chuvas intensas e estiagens prolongadas.

Legado de Kongjian Yu

Yu projetou centenas de parques e espaços urbanos em mais de 70 cidades e foi um dos principais consultores do governo chinês para políticas de adaptação climática. Seu conceito de cidade-esponja não apenas inspira soluções técnicas, mas também propõe uma mudança de mentalidade: enxergar a água não como inimiga, mas como elemento vital a ser integrado ao tecido urbano.

Com sua morte, interrompe-se a trajetória de um dos arquitetos mais influentes do urbanismo contemporâneo, mas seu trabalho segue como referência global para metrópoles que buscam formas mais sustentáveis de conviver com a água.

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