As chuvas atípicas que o estado tem registrado desde o ano passado não surtiram efeito na situação hídrica de Goiânia. Atualmente, 76 (90%) dos 85 cursos d’água que correm pela capital estão em situação crítica devido à poluição desenfreada dos mananciais, conforme o Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo). 

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Responsáveis por abastecer 641 bairros, os locais sofrem com a ação humana, como a canalização, assoreamento e descarte irregular de lixo e resíduos, fazendo com que eles corram sérios riscos de serem soterrados. Para se ter uma ideia, por dia, a Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) retira, em média, 500 kg de lixo dos cursos d’água. 

O gerente do órgão ligado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), André Amorim, explica que o problema, que pode ser observado no Ribeirão João Leite e no Rio Meio Ponte, é antigo – remetendo desde a fundação da capital, em 1993. 

“A construção da cidade foi engolindo esses córregos e ribeirões que existiam, mas não existem mais. O assoreamento destes locais acaba matando o manancial. Temos um córrego canalizado que passa por baixo do Tribunal de Justiça de Goiás. Quando tem uma chuva forte, costuma inundar algumas partes dele. É uma situação bastante complicada”, afirmou. 

André também reforça que a canalização dos cursos d’água é outro problema grave na capital. Isso porque, conforme ele, a ação é como se fosse um “sepultamento” do manancial. 

A canalização, aliada a impermeabilização do solo, inclusive, são um dos principais fatores de um dos problemas crônicos e mais conhecidos da capital: os alagamentos. Sem ter para onde correr, devido ao “desaparecimento” dos mananciais, a água da chuva se acumula pelas ruas e avenidas de Goiânia durante o período chuvoso.

“A população não tem cuidado desses recursos. Isso não é uma tarefa apenas do poder público, mas de todos de forma geral. São problemas crônicos e críticos. Temos observado dia após dia os nossos mananciais sendo usados como depósito de lixo e logo eles param de correr”, afirmou.

Plano para limpeza 

O gerente do Cimehgo conta que é necessário um plano diretor de recuperação para reverter a situação vivida pelos mananciais da capital. Porém, o custo para operar tal ação seria alto, sendo necessária a contribuição do principal mal dos mananciais: a população. 

O titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA), Luziano Carvalho, reforça a afirmação de André. Para ele, o setor público, empresarial e coletividade são os principais responsáveis por efetivar ações de combate à poluição e recuperação dos cursos d’água.   

“Temos que mudar a cultura. Acredito que os mananciais têm salvação, mas é preciso remover essas fontes poluidoras. Ou seja, empreendimentos potencialmente poluidores. Eles devem e precisam existir, mas de forma legal, devidamente licenciados e monitorados”, contou.

Luziano diz que o indivíduo que descarta resíduos ou lixo nos mananciais, poluindo os cursos d’água e afetando diretamente a fauna é a flora da região, pode pegar uma pena de até cinco anos de prisão. Há ainda a modalidade culposa, quando não há intenção de poluir. Neste caso, a pena pode chegar a um ano de detenção. 

“A poluição é extremamente prejudicial. Ela impacta e destrói a fauna e a flora. Proteger o meio ambiente é proteger a saúde humana, preservar a vida humana. Podemos dizer que a natureza é a dignidade humana”, ressaltou. 

Nascentes correm risco

A falta de proteção aos recursos hídricos também é refletida nas nascentes de Goiânia. Um levantamento feito junto ao Sistema de Informações Geográficas de Goiânia (Siggo) demonstra que pelo menos 20 nascentes da cidade não possuem a condição que garante a sua manutenção, como o respeito à sua área de proteção permanente (APP) quanto a existência de mata ciliar com vegetação nativa. 

De acordo com o Plano Diretor de Goiânia, toda nascente deve ter uma APP de 100 metros de raio. Ou seja, não é possível realizar ocupação urbana nesse perímetro, que deve ser preservado com a mata nativa. No entanto, há assentamentos nas nascentes dos córregos Vitória, situado no Parque das Laranjeiras, e Guanabara, no Jardim Guanabara. 

“Há 20 anos lutamos para proteger o meio ambiente da construção em zonas de preservação. No Parque Cascavel, por exemplo recuperamos uma nascente, mas o córrego foi assoreado. Recuperamos o Parque Macambira Anicuns, mas foi construída uma rua em cima. O Cascavel vem sendo prejudicado deste sua implantação, com construções de prédios, redes pluviais que direcionam as águas da chuva para o córrego. Há ainda formação de erosões e, consequentemente, de assoreamento”, disse o delegado.

Poluição traz riscos à saúde 

O professor e tecnólogo em gestão ambiental, Danillo Cunha, diz que o consumo de água não tratada ou com problemas de qualidade pode dar origem a doenças prejudiciais à saúde humana que, inclusive, podem levar à morte. Entre elas estão: diarreia, febre tifoide, hepatite A, leptospirose, cólera e infecções intestinais, causadas por bactérias como Escherichia coli e Salmonella sp.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição das águas provoca mais de 500 mil mortes anuais a nível global. Os principais poluentes da água incluem bactérias, vírus, parasitas, fertilizantes, pesticidas, medicamentos, nitratos, fosfatos, plásticos, resíduos fecais e até substâncias radioativas. Estes elementos nem sempre tingem a água e, por conta disso, a poluição hídrica pode ser invisível. 

“É fundamental garantir o tratamento adequado da água potável e dar acesso a esse recurso para toda a população. É importante garantir ainda o tratamento dos esgoto de forma adequada, preservar as nascentes e usar de forma racional e sustentável o recursos hídrico, para garantirmos a disponibilidade e a qualidade da água”, disse Danillo.

Limpeza e manutenção 

Os mananciais, fontes e espelhos d´água passam por manutenção e limpeza todos os meses, sendo que o trabalho é realizado pela Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Por dia, são retirados cerca de 500 kg de lixo destes locais. 

O total corresponde a menos de 28% dos 1.800 kg de lixo que a cidade produz diariamente, mas já é o suficiente para prejudicar a continuidade dos cursos hídricos, das suas margens e a flora e fauna que habita os locais. 

O trabalho consiste na roçagem e poda do mato e árvores, além de retirada de lixo e entulhos nos córregos. Nas fontes, a Comurg usa os produtos químicos adequados para manter a qualidade do PH da água e retirar todos os resíduos. A companhia afirma que são removidos todos os meses um volume expressivo de entulhos, móveis e eletrodomésticos. 

“Sacos e sacolas de plásticos com lixo domésticos são os principais resíduos encontrados dentro dos leitos. Além disso, há também muitos objetos como camas, geladeiras, cadeiras, colchões e sofás. Todos os locais são contemplados de forma alternada”, explicou por meio de nota.