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Advogados eleitorais e criminalistas ouvidos pelo Jornal Opção repercutem a decisão do ministro Alexandre de Moras, do Supremo Tribunal Federal (STF), de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL). Para alguns dos especialistas consultados, existem indícios de excessos de poder e ainda abusos de autoridades, entretanto, comentam que houve precedentes parecidos para a decisão em desfavor a Bolsonaro, como o processo criminal da Lava-Jato que encarcerou o atual presidente da república, Luiz Inácio Lula (PT), em 2018.

Para Pedro Miranda, advogado criminalista e presidente da Associação Pela Ordem, — grupo que oferece assistência a classe — a decisão monocrática de Moraes pode ser configurada como prisão de ofício, o que, segundo o especialista, é vedado na legislação. Segundo Miranda, este tipo de decisão deve vir a partir de uma provocação da Procuradoria Geral da República (PGR), sendo uma “extrapolação daquilo que está ao alcance de qualquer juiz no Brasil.”

Da mesma forma, afirma que a decisão que levou a prisão do ex-gestor veio sem a individualização da conduta do processo por se basear em manifestações feitas por terceiros, o que está além do controle de Bolsonaro. “O ex-presidente Bolsonaro não pode ser responsabilizado por atos de terceiros. Em nenhum momento o presidente vai ter controle sobre o que a militância divulga, ou tipo de conduta destes apoiadores — e o ministro cita essas mesmas condutas [de outros] na decisão.”  

Uma das possíveis extrapolações da Justiça, segundo o advogado, pode ser os avanços sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pela quebra de dados pessoais nas diversas ordens judiciais expedidas pelo magistrado. Porém, acredita que é um tema “secundário”, quando Moraes já teria “violado a Constituição Federal em inúmeros momentos.”

Bolsonaro de tornozeleira eletrônica | Foto: Divulgação/Assessoria de Jair Bolsonaro

As medidas cautelares e abusos de poder

Enquanto isso, Thiago Costa, advogado criminal, entende que a prisão domiciliar serviu como uma prisão preventiva, o que possui respaldo na lei. Na mesma medida, pontua que as medidas cautelares impostas ao ex-presidente são problemáticas e podem ser consideradas abusivas. Contudo, entende que só deve haver uma verdadeira análise da prisão domiciliar se observar pela legalidade das medidas cautelares, com isso, atesta que houve rompimentos naquilo que foi imposto, mesmo a decisão possa ser considerada como polêmica. 

“As medidas cautelares são para evitar alguma interferência no processo ou para a preservação da ordem pública, da ordem econômica. Existem vários requisitos que permitem a implementação de medidas cautelares”, explica. “Contudo, o Alexandre de Moraes aplicou medidas cautelares bastante polêmicas e problemáticas porque as medidas cautelares não foram muito claras. Em um ele fala que Bolsonaro pode dar entrevistas, mas trechos dessas entrevistas não podem ser utilizadas.”

Relação com processo da Lava-Jato

Por causa destes tropeços, Costa e Miranda acreditam que houve excessos e abusos de poder por parte do ministro do STF, o que pode acarretar uma ação de abuso de autoridade no STF. Para ambos, a aceleração da Ação Penal extrapola os limites constitucionais do Supremo e podem levar à nulidade do processo no futuro — da mesma forma como ocorreu na ação da Operação Lava-Jato.

Quando questionados, ambos acreditam que houve abusos de poder que descredibilizar o processo criminais do ex-gestores da república, mas que o tratamento legal foi similar diante destas medidas. Para Miranda, por exemplo, “tanto a prisão do Lula quanto a prisão do Bolsonaro são ilícitas” e os dois tiveram os seus direitos e garantias violados. 

Lula quando foi preso | Foto: Eduardo Anizelli/FolhaPress

“Eu entendo que hoje o Alexandre de Morais está para a direita, assim como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol estavam para a esquerda”. Ele afirma que Moraes, assim como Moro e Dellagnol no caso Lula, “descumpriram inúmeras determinações da Constituição Federal”, “passaram por cima de determinações da legislação brasileira, da Constituição.”  

A avaliação também é compartilhada por Marina Almeida, advogada eleitoral que representou a defesa de Bolsonaro na ação de cassação e inelegibilidade. Ela acredita na possibilidade de nulidade da Ação Penal caso “o clima político mudar em algum momento”. “Se o clima político mudar em algum momento, a gente tem, nesse caso do Bolsonaro, nulidades parecidas com as que a gente tinha no caso do Lula”

Apesar dessas possibilidades, o advogado eleitoral Danúbio Remy observa divergências no tratamento dado a ambos os acusados: Lula foi investigado por corrupção enquanto ex-presidente, ao passo que Bolsonaro responde por tentativa de golpe de Estado e crimes contra o Estado Democrático de Direito durante o exercício do mandato.

Para Remy, as ameaças ao Estado democrático por parte de apoiadores de Bolsonaro configura como uma validade ao processo que inclui o ex-gestor como um dos principais réus da ação penal. 

“É um absurdo ver um senador da república falar que vai quebrar Brasília. E foi esse tipo de manifestação, esse tipo de sujeição à população e instigação ao crime que levou ao atentado ao estado democrático-direito do dia 8 de janeiro, que levou o Jair Bolsonaro ao estado que está”, aponta. “Então eu vejo a medida bastante proporcional, bastante dirigida e bastante jurídica, no ponto de vista científico.”

Possível fim da inelegibilidade de Bolsonaro

Por outro lado, Marina conta ao Jornal Opção que Bolsonaro pode, ou não, voltar para a política com base em recursos que não foram pautados no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo a advogada, constam 16 ações contra Bolsonaro que poderiam causar inelegibilidade, sendo dois recursos de duas ações referentes a reuniões com embaixadores e a passeata do 7 de setembro em análise no STF, o que, segundo Marina, podem passar por um “clima político”. 

Enquanto isso, Marina revela que outras ações no âmbito do TSE e dependem de que a diretoria paute as ações rescisórias. 

“Das ações que sobraram, eu imagino que umas quatro já tenham sido julgadas improcedentes. Então, a gente tem hoje uma que tá em instrução, ainda tá produzindo prova”, esclarece. “Tem mais três que estão com pedido de pauta pela ministra Isabel Gallotti, mas a ministra Carmen não quis pautar os processos, mesmo com o pedido da ministra relatora — isso sinaliza que o TSE não quer bater o martelo nessas ações agora”, afirma.

Para a especialista, o processo mira o cliente como excepcional dentro do que foi argumentado na decisão da prisão domiciliar, especificamente a proibição do uso das redes sociais por terceiros. “É algo muito excepcional, especialmente em um contexto de preservação da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais. Ele não descumpriu diretamente a ordem que lhe foi imposta — que era a proibição de usar suas próprias redes sociais. O que fez foi uma manifestação de agradecimento às pessoas que se manifestavam em apoio ao seu nome. Nada que, a meu ver, configure incentivo a um movimento social antidemocrático”.

Racha no Supremo

Da mesma forma, Marina compartilha da avaliação dos colegas sobre a influência da imposição da Lei Magnitsky no contexto da ação penal em causar um possível racha no Supremo. Para Marina e Thiago, existe uma divergência na avaliação dos magistrados quanto ao apoio a Moraes e aos impactos políticos.

Contudo, Miranda acredita que a imposição da lei pode beneficiar a esquerda tendo em vista as pesquisas eleitorais que apontam um incremento na opnião de Lula desde o anúncio com os ataques anteriores do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) sobre o Brasil.

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