A Verdadeira força da Rússia é a sua propaganda
04 janeiro 2024 às 15h06

COMPARTILHAR
Antônio Caiado*
Ao contrário do que pensam muitos analistas no mundo ocidental, as forças armadas da Rússia não são isso tudo que eles apregoam. Quando analisamos de forma isenta os últimos conflitos nos quais esse país se envolveu, chegamos à conclusão que parte de um erro básico de se confundir quantidade com qualidade. Nenhum exemplo ilustra melhor esse fato do que a guerra na Ucrânia e a incapacidade do “gigante” russo em tomar a capital Kiev após mais de um ano do conflito. Por outro lado, a Rússia mantém ainda dos tempos da União Soviética uma estrutura de propaganda bem organizada e, na realidade, é aí que se encontra a verdadeira força deles.
A recente incursão da Força Aérea da Ucrânia, que resultou no ataque a um navio russo na Crimeia, destaca de maneira contundente as fragilidades que permeiam as forças armadas russas. Este evento, somado ao episódio de abril de 2022, no qual os ucranianos afundaram um navio russo utilizando o avançado míssil R-360 Neptune, desenvolvido internamente, lança luz sobre uma realidade que vai além da retórica exaltada. Ao analisarmos imparcialmente os desdobramentos recentes, torna-se evidente que a Rússia enfrenta desafios significativos em traduzir sua suposta grandiosidade militar em eficácia operacional.
O conflito na Ucrânia serve como um microcosmo revelador das verdadeiras limitações das forças armadas russas. A desorganização, a falta de treinamento apropriado e os desafios logísticos enfrentados pelas tropas russas contrastam com a narrativa de uma potência militar imbatível. A persistência dessas fraquezas destaca a necessidade premente de uma análise mais criteriosa das capacidades reais do aparato militar russo.
Ao desvendar o mito da supremacia militar russa, é imperativo reconhecer o papel crucial desempenhado pela estrutura de propaganda bem organizada herdada da União Soviética. Enquanto a Rússia projeta uma imagem de poderio militar global, a aplicação prática dessas capacidades no campo de batalha muitas vezes deixa a desejar. A manipulação eficaz da percepção global, aliada à ênfase inadequada na quantidade em detrimento da qualidade, contribui para uma avaliação equivocada por parte dos observadores internacionais.
É necessário destacar as deficiências estruturais que comprometem a eficácia operacional das forças armadas russas. A falta de um corpo de oficiais altamente treinado, a conscrição desigual resultando em baixa moral, a fuga de talentos e as barreiras à inovação devido a um sistema autocrático e corrupção endêmica são fatores cruciais que impactam o desempenho militar real. Tudo isso ocorre por causa das décadas que o país viveu sob o jugo do comunismo, um sistema que há muito tempo provou a sua ineficiência, e tendo em vista a performance militar russa, continua demonstrando, embora a posteriori, a sua incapacidade frente ao sistema da liberdade e livre iniciativa.
Na realidade, o Kremlin sabe muito bem das suas limitações, e é por esse motivo que eles sempre se valeram da ilusão e do engodo (leia-se contra-informação) para fazer frente aos Estados Unidos durante a Guerra Fria. E engana-se quem pensa que esta guerra acabou. Mestres do blefe, a Rússia sempre aponta o passado de Putin como agente da KGB, mas não falam que o seu trabalho no órgão de espionagem foi irrelevante, como foi mostrado em um documentário do History Channel.
Há alguns anos, os russos lançaram um portal de notícias em português chamado “Sputnik Brasil”, que funciona basicamente como um foco de disseminação de propaganda russa. E por mais que eles postem notícias do Brasil e do mundo em geral, é sempre a partir de um ponto de vista russo, o que evidentemente significa anti-liberal e anti-ocidental. Para citar um exemplo, a invasão à Ucrânia foi noticiada pelos russos como um combate ao neo-nazismo no país. Essa tática faz com que implicitamente todos aqueles que apoiam a Ucrânia sejam vistos como pessoas de extrema-direita, mas ninguém lembra que a Rússia não dá direitos plenos à população LGBTQIA+, e até hoje minorias étnicas são discriminadas no país.
Mas infelizmente, os analistas do Ocidente parecem comprar cada vez mais a narrativa russa. A título de curiosidade, há pouco tempo tive em minhas mãos um livreto de propaganda comunista produzido na antiga União Soviética e chamado “Que es el marxismo-leninismo?”. Escrito em espanhol mesmo com o objetivo de disseminar essa ideologia perniciosa na América Latina. O livro foi publicado em 1987 e trazia dados de 1986 falando sobre os sucessos da União Soviética no campo social, econômico e tecnológico. Quatro anos depois a União Soviética entrou em colapso e deixou de existir.

Os analistas ocidentais precisam superar a ilusão da grandiosidade militar russa baseada apenas em números impressionantes, como por exemplo 900 mil homens na ativa contra 200 mil da Ucrânia. De que adiantou o poderio do navio Moskva, maior da Rússia, contra o míssil Neptune da “insignificante” Ucrânia? Tudo isso são lembretes contundentes de que a qualidade, a inovação e a adaptabilidade são tão essenciais quanto a quantidade de recursos. Uma compreensão mais precisa das vulnerabilidades reais das forças armadas russas é fundamental para o desenvolvimento de estratégias políticas mais eficazes por parte dos Estados Unidos e de seus aliados, especialmente em apoio à Ucrânia.
*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.
