As negociações encampadas pela Enel para a venda da distribuidora em Goiás – a antiga Celg Distribuição (Celg-D) – movimentaram o meio político e trouxeram para discussão quais os reflexos da decisão para o Estado. O governador Ronaldo Caiado (União Brasil) informou nesta sexta-feira, 23, que a concessionária vendeu a distribuição de energia para a empresa Equatorial Energia. O chefe do executivo goiano disse que a venda está ligada ao fato da atual empresa energética não prestar um serviço de qualidade. Notas feitas pelas duas empresas dizem que o acordo foi no valor de R$ 1,6 bilhão. A Equatorial assumiu a dívida de R$5,7 bilhões.

Na avaliação de especialistas do setor, esse movimento da Enel teve como base os ganhos econômicos e desprezo pelos impactos sociais ou na qualidade do fornecimento de energia – serviço considerado essencial para sociedade. A notícia das negociações da Enel com outras empresas causou preocupação ao governo do Estado. A irritação do governador era com a falta de transparência em relação à venda do controle societário da empresa em Goiás. Na visão da gestão estadual, a venda da empresa não estava ligada somente à lucratividade com o negócio, mas também se deve ao fato da Enel estar distante de honrar compromissos acertados quando o contrato foi assinado.

Em maio deste ano, durante reunião no Ministério de Minas e Energia (MME), em Brasília, Caiado retomou críticas à Enel e disse que a situação era insustentável. “Como uma empresa como a Enel pode alegar que não tem conhecimento da legislação brasileira?”, questionou o governador. “Eles estão agindo na clandestinidade”, apontou, ao citar a falta de transparência, até mesmo, junto aos órgãos de controle, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Caiado defendeu a participação no processo de transferência de controle, para dar mais transparência e não perder de vista a atenção às carências do setor em Goiás.

Mesmo que ela não fosse vendida neste ano, a Enel iria perder a concessão por descumprimento de normas regulatórias, a partir de fevereiro de 2023. Segundo a Aneel, a Enel é a terceira pior empresa de distribuição de energia elétrica do país. Já a Equatorial é responsável pela distribuição de energia nos estados do Maranhão, Pará, Piauí, Alagoas, Rio Grande do Sul e Amapá. Segundo o ranking da Aneel, a Equatorial no Pará ocupa a sétima posição entre as melhores distribuidoras do país. Porém, as unidades do Maranhão e Rio Grande de Sul ocupam as duas últimas posições.

Em nota existente no site da empresa, consta ainda que ela assume R$ 5,7 bilhões em empréstimos já existentes para a Enel. O pagamento do valor deve ser feito em um ano. Apesar da promessa de investimento em tecnologia para otimizar o serviço do setor em Goiás, a empresa não conseguiu cumprir com esse objetivo, além de ter provocado uma crise energética no estado.

Caiado lamentou o descumprimento da Enel em relação as exigências estabelecidas. “Exigimos que [a Enel] cumprisse tudo aquilo que havia assinado no contrato no momento da compra da Celg. E, mesmo assim, eles não cumpriram. Mas, como eles tinham um contrato por cinco anos, nós vimos que eles foram prorrogando dia a dia. Mas estávamos ali insistindo, cobrando mais. Quando eles viram que ia para a caducidade, ou seja, o cancelamento do contrato, eles rapidamente venderam para a Equatorial”, afirmou.

O deputado estadual Alysson Lima (PSB), candidato a deputado federal, lembrou que o Procon Goiás instaurou, em 2021, um processo administrativo contra a Enel por má prestação de serviço. “A Enel foi multada em R$ 62.115.208,17, a maior multa já aplicada à empresa, em função da prestação inadequada de serviços aos cidadãos goianos e, mesmo assim, insistiu em não cumprir com as metas estabelecidas continuando a má prestação de serviços”, afirmou ao Jornal Opção.

Para ele, a situação caótica do fornecimento de energia elétrica, além de gerar inúmeros prejuízos aos produtores rurais, empresários e cidadãos comuns, desacelerou o crescimento da economia do nosso País. De acordo com o parlamentar, a crise gerada pela concessionária energética desestimulou novas empresas a estarem no estado, afetando até mesmo emprego e renda da sociedade.

O engenheiro civil, doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp, ex-professor de UFMG e atual titular da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Carlos Barreira Martinez, disse ao Jornal Opção, em entrevista anterior sobre a fragilidade do contrato de concessão da empresa, que o correto seria a Enel devolver a empresa ao estado e então a Celg ir novamente para um leilão. “Mas isso depende do contrato. E se for um contrato mal feito – e tudo indica que é – o estado ficará no prejuízo, pois a empresa comprou, promoveu a valorização e agora vende por um valor bem mais alto”, argumenta.

A venda da antiga Companhia Energética de Goiás (Celg) por R$ 2,187 bilhões para a empresa italiana Enel foi realizada no dia 14 de fevereiro de 2017, durante a então gestão do ex-governador Marconi Perillo (PSDB). O estado recebeu R$ 1,1 bilhão, enquanto o restante do valor foi passado para a Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras).

A Celg era a empresa mais antiga e duradoura de Goiás, criada em 1955 na gestão de Pedro Ludovico. Considerada um orgulho pelos goianos, mas entrou em negociação para concessão no decorrer do governo do tucano Marconi Perillo. A negociação sempre esteve ligada a polêmicas por trazer prejuízos tanto aos goianos quanto ao Estado. Isso porque, além de ficar sem o seu maior patrimônio, os goianos herdaram dívidas da empresa.

Histórico

Já no segundo mês do primeiro ano do governo Caiado, em 2019, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) instalou oficialmente a Comissão Parlamentar de Inquérito da Enel. À época, os parlamentares buscaram entender o porquê da piora do serviço prestado, o que gerou centenas de reclamações dos usuários goianos em todas as regiões.

No relatório final, lido em dezembro daquele ano pelo deputado relator Cairo Salim (PSD), entre os pedidos feitos aos órgãos responsáveis estão a declaração de caducidade da concessão da concessionária de energia de Goiás ao Ministério de Minas e Energia. No documento, que tem mais de 240 páginas, o deputado Cairo Salim, relator da CPI, apontou que ficaram configuradas diversas irregularidades, como: falha na regulamentação e fiscalização por parte da Aneel e no contrato de concessão quanto aos direitos do consumidor na aferição do medidor de energia.

Além disso, o texto mostrou irregularidade pela caracterização de danos materiais e morais coletivos aos consumidores de energia elétrica, causados pelo péssimo serviço de fornecimento de energia elétrica prestado.

Embora os serviços da Enel não tivessem sido melhorados em 2020 e 2021 e as atenções dos políticos estivessem voltadas durante o período para o combate a pandemia de Covid-19, havia movimento de negociação de venda da companhia energética. Sem cumprir o acordo estabelecido, o assunto, antes do fim do contrato, se intensificou nos últimos meses.