Iphan reafirma que Cidade de Goiás pode perder título de Patrimônio Cultural
21 setembro 2023 às 13h03
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Caso a legislação complementar n° 7 não seja revogada pelo prefeito de Goiás, Aderson Gouvea (PT), a Cidade de Goiás vai perder o título de Patrimônio Cultural. A Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (Unesco) faz visitas periódicas aos patrimônios tombados e aqueles que apresentam alguma irregularidade podem perder o título. Além da importância histórica, a perda do título afetaria diretamente o turismo e a economia local.
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“Não é só um patrimônio de Goiás, é um patrimônio da humanidade. Esse título foi conquistado com muita dificuldade, muito empenho e perder de uma hora pra outra, por negligência, é complicado. A cidade teve que se adaptar para receber o título, teve ajustamento da fiação, criação de estruturas ” João Mariano, coordenador técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) em Goiás.
Há mais de duas décadas, o município foi reconhecido como Patrimônio histórico e cultural da humanidade. A legislação complementar n° 7, aprovada no fim de 2022, tem colocado em risco esse patrimônio, porque permite a construção de condomínios irregulares em área de preservação ambiental. Além da devastação das vegetações nativas, as construções também afetam a captação de água do córrego Bacalhau, importante para o abastecimento da cidade.
Sérgio Oliveira, arqueólogo do Iphan Goiás, explica que todos os empreendimentos, mesmo com licença ambiental, devem consultar o Instituto antes da construção. “Não é porque o empreendedor obteve a licença ambiental que ele pode implantar o empreendimento e não vai ter problema com o Iphan, porque ele vai ter. Todo empreendimento, seja imobiliário ou condomínio de chácara, precisa do licenciamento do Iphan para ser construído”, explicou ao Jornal Opção.
Mesmo que a região não tenha registro de ocupação colonial e arraiás antigos, o Iphan deve ser consultado por conta dos sítios pré-coloniais. O empreendimento pode destruir o patrimônio histórico dessas populações muito anteriores ao período colonial, como indígenas e quilombolas. Na cidade de Goiás, por exemplo, resiste o Quilombo Alto Santana, certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares.
“Faz parte da riqueza natural e cultural do bem, e a proteção, conservação e gestão harmoniosa de todos os valores é um dos objetivos das boas práticas de conservação. Compreender os valores locais significa consultar as comunidades locais, especialmente os povos indígenas”, disse a Unesco em documento oficial para candidaturas dos patrimônios.
A comunidade tem se posicionado contra essa medida e estão sendo realizadas ações, como uma denúncia no Ministério Público e uma petição online. Ambientalistas, arquitetos, urbanistas, advogados e geógrafos pedem a revogação da lei.
O arquiteto José Leme Galvão explica que o correto é a lei ser anulada. “Esse decreto apenas faz com que os funcionários públicos não procedam ao processamento de pedidos de autorização ou projetos. Então paralisa a lei por um tempo. Mas um decreto não pode paralisar uma lei para sempre, sem data. Então um decreto que não diz quanto tempo, não diz que providências exatamente vão ser tomado, fala genericamente do plano de diretor. O correto é anular a lei”, explicou.
Patrimônio histórico e cultural da humanidade
O reconhecimento de Goiás (antiga Vila Boa) como Patrimônio Cultural Mundial, pela Unesco, em dezembro de 2001, fez jus à história, arquitetura e cultura do primeiro núcleo urbano fundado no território goiano, no início do século XVIII. Na década de 1950, o Iphan classificou alguns de seus monumentos e prédios isoladamente e, em 1978, tombou o seu conjunto arquitetônico e urbanístico.
Esse extraordinário conjunto conserva mais de 90% de sua arquitetura barroco-colonial original, tornando-se, assim, um magnífico mostruário do Brasil oitocentista e um dos patrimônios arquitetônicos e culturais mais ricos do país. Localizado em uma região de rara beleza natural, o centro histórico de Goiás mantém, até hoje, o caráter primitivo de sua trama urbana, dos espaços públicos e privados, da escala e da volumetria das suas edificações.
A pacata cidade de Goiás – primeira capital do Estado e mais conhecida como Goiás Velho – possui um importante sítio histórico do período da expansão colonial, no século XVIII, resultado da exploração do ouro. Testemunha da ocupação e da colonização do Brasil Central, nos séculos XVIII e XIX, suas origens estão intimamente ligadas à história dos bandeirantes que partiram, principalmente, de São Paulo para explorar o interior do território brasileiro.
Primeiro núcleo urbano oficialmente reconhecido ao oeste da linha de demarcação do Tratado de Tordesilhas, que definiu, originalmente, as fronteiras da colônia portuguesa. A “autoconquista” do interior do Brasil significou o surgimento de cerca de 500 vilas, arraiais e povoados, edificados em terra (adobe, taipa de pilão, pau-a-pique). Entretanto, essa técnica vernacular bandeirista desapareceu quase completamente dessas regiões, salvo alguns remanescentes.
A rica tradição cultural inclui não somente a arquitetura e as técnicas construtivas, mas também a música, poesia, culinária e festas populares. Entre elas se destaca a Procissão do Fogaréu, que ocorre todos os anos, na quinta-feira da Semana Santa, e muitas dessas tradições ainda estão vivas e formam uma parte substancial da identidade cultural de Goiás.
Requisitos de avaliação da Unesco
• Os elementos e atributos-chave do bem que transmitem seu potencial Valor UniversalExcepcional estão completos ou intactos?
• O bem inclui todos os elementos necessários para expressar seu potencial Valor UniversalExcepcional?
• O bem tem o tamanho adequado para garantir a representação completa dos elementose processos que evidenciam sua relevância? • Quais são as condições dos principais elementos e atributos do bem, e eles estão bemconservados/em boas condições?
• No caso de paisagens culturais, cidades históricas ou outros bens culturais vivos, osprocessos, relações e funções dinâmicas essenciais para seu caráter distinto foram mantidosem estado integral?
• No caso dos bens naturais, os processos, relações e funções dinâmicas essenciais para seuselementos físicos (p.ex. formas terrestres,habitats) foram mantidos em um estado integrale podem ser reconhecidos em uma escala adequada ao seu funcionamento?
• O bem sofre os efeitos adversos do desenvolvimento, da negligência ou de qualquer outro processo de degradação?
• Qualquer processo que esteja causando deterioração está sob controle?
Patrimônios culturais do estado localizados no município
- Centro Histórico de Goiás;
- Largo do Chafariz;
- Palácio Conde dos Arcos;
- Quartel do Batalhão de Infantaria XX;
- Rua da Fundição;
- Capela São João Batista;
- Igreja da Nossa Senhora da Abadia;
- Igreja da Nossa Senhora do Carmo;
- Igreja de Santa Bárbara;
- Igreja de São Francisco de Paula;
- Igreja da Boa Morte;
- Imagem de Nossa Senhora do Rosário;
- Casa de Câmara e Cadeia.
Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional
Para o arquiteto José Leme Galvão, que trabalhou por 34 anos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a lei é irresponsável. “Eu acho que essa lei tem vários equívocos, tem erros e ela não pode ser mantida do jeito que está. Na verdade ela não pode ser mantida não dá nem mesmo para consertar porque o princípio da lei está errado. Não deveria haver essas leis fora do plano diretor. Então, é um plano diretor que vai fazer essa regulamentação planejada, vinculada a um planejamento, hipótese de desenvolvimento e mesmo de crescimento físico”, explicou.
Ele explica que se a lei não for revogada, isso vai gerar um questionamento junto à Unesco, junto ao Iphan e junto ao Estado, que são tombamentos acumulados, municipal, estadual, federal e mundial. A Unesco, periodicamente, manda um grupo de assistência via e-commerce internacional para fazer análise e ver o que está acontecendo nos locais tombados como patrimônios.
No Iphan, José trabalhou como superintendente regional do Centro-Oeste, já autou em várias coordenadoções e vice-diretorias. Com tese de mestrado sobre a história da Cidade de Goiás, ele também ganhou um título de cidadão vilaboense.
O que diz a Prefeitura de Goiás
Em nota, a Prefeitura de Goiás declarou que a “Lei Complementar é um instrumento capaz de dar segurança jurídica no tratamento, implantação e fiscalização dos condomínios de acesso controlado”. Confira abaixo na íntegra.
“A Prefeitura Municipal de Goiás, por meio da Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Captação de Recursos e da Secretaria de Meio Ambiente, informa que a Lei Complementar 07/2022, de autoria do Poder Executivo e aprovada, à unanimidade, pela Câmara Municipal, regulamenta o parcelamento do solo para chacreamento e loteamento fora do espaço urbano, com instalação de condomínios fechados de chácaras, em cumprimento e em conformidade com a Lei Federal n° 6.766/1979, alterada pela Lei nº 13.465/2017.
Este tipo de empreendimento existe há décadas, no Brasil inteiro, e não estava regulamentado pelo Município. A Lei Complementar é um instrumento capaz de dar segurança jurídica no tratamento, implantação e fiscalização dos condomínios de acesso controlado. Frisa-se que a norma não foi criada para beneficiar empreendimentos irregulares e nem tem objetivo de permitir a invasão de áreas de proteção ambiental; muito ao contrário, as regras estabelecidas se associam às leis ambientais vigentes e garantem o controle estrito dessa possibilidade de uso do solo e a correspondente atividade imobiliária.
Os critérios rígidos e exigências contidas na Lei Complementar Municipal abrangem a necessidade de infraestrutura, de sistema de saneamento e tratamento de resíduos sólidos, dentre outras, além de prever que cada projeto de empreendimento passará por avaliação prévia do Executivo, quando são exigidas as garantias urbanísticas e ambientais estabelecidas na referida lei. Apenas se houver aprovação administrativa, o projeto será submetido à apreciação do Legislativo por meio de uma Lei específica para cada possível empreendimento.
Há, portanto, uma série de etapas disciplinadas para a criação de zonas urbanas especiais de condomínios, priorizando a avaliação de impacto e respeitando a legislação correspondente.
O Município de Goiás, ainda, fará regulamentação de procedimentos da Lei Complementar 07/2022, como previsto no próprio texto legal, e permanece à disposição para o diálogo e novos esclarecimentos.”
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